NEM SIRIGAITA, NEM PIRIGUETE...

MAS NUMA INESQUECÍVEL NOITE DE CÃO!

Eu já a conheço há um bom tempo e sei que ela sempre foi, até então, uma mulher recatada, daquelas bem dos "outros tempos", que ainda hoje se preocupa com "o que os outros vão achar?" e embora hoje já seja ela um tanto madura nunca foi lá de muitos namorados.

Não que ela fosse exigente com os homens, longe disso, é até condescendente demais nas exigências mínimas, mas sabe como é, a coisa não é tão fácil, essa de se encontrar a "alma gemea" para se finalizar o encontro da vida num casório, com véu e grinalda e na igreja dos sonhos, sob a forma como se figurava antigamente para as ditas " meninas de família", ara, às vezes não acontece com todo mundo. E daí? Nada a se desesperar, eu acho, mas nem todo mundo acha.

Mesmo com a vida de hoje bem diferente, com códigos sociais mais permissivos, ainda há as que sonham com aquele "status de casório" a vida inteira, e conheço mulheres que fariam qualquer coisa para desencalharem seus destinos algo atrasados bem nos moldes antigos...todavia sem pudores e sem deixar odores...tudo vale para recuperar a tempo certos atrasos.

Quem não conhece alguma sirigaita assim, não é mesmo?

Um adendo antes de prosseguir: as sirigaitas de antigamente hoje são denominadas piriguetes. Os tempos mudam...as intenções nem sempre.

Mas não é o caso dela.

Então me contava bem sigilosamente que arrumou um namorado.

"Ah que maravilha!", eu comemorei.

Um namorado aos moldes "quase" antigos, informava ela.

Afinal, namorar depois dos quarenta anos já não nos permite tantos sonhos da meninice, tampouco certos resguardos tão pudicos e exagerados de antigamente. Há que se ser mais estratégico.

Então...achou melhor ser "algo moderna". Inovaria a si mesma.

Como mora até hoje com a mãe e com uma sábia irmã que optou por não se casar, então, começou a planejar como seria a sua primeira noite assim...com todo ar dum casamento moderno às escondidas.

Um passo importantíssimo para uma mulher da finesse comportamental dela, não dada a certas facilidades, afinal, não se trataria de nenhuma aventura desmedida. Seria feliz com o seu namorado legítimo e descompromissado.

Mas tinha ali um problema moral a ser resolvido: não era mulher de motel-isso não!-então já decidira que a noite sonhada com o namorado seria no seio do seu lar. Sentia-se melhor assim, tanta modernidade seria demais para ela.

Tratou de esperar a oportunidade certa, esperou e esperou até que num dia em que a mãe e a irmã viajaram então convidou o namorado para lhe fazer companhia.

A causa era justa, ninguém poderia lhe cobrar nada!

Tentou não se preocupar com os vizinhos da vila. Alguém ali pagava suas contas? Ninguém!

A vizinha de cima tinha noventa anos, e a de baixo acabara de se mudar. A da frente era piriguete, acostumada com emoções maiores.

A sua noite D, então, finalmente chegou.

Tudo nos "trinques", no figurino completo de todos os preparativos dela e do ambiente: Perfumes especiais,velas, essências, vinhos tinto de Cabernet, risoto ao funghi, mousse de chocolate com avelãs, banheira com óleos naturais, lençóis de algodão egípcio...e a camisola do dia. Uma fina e delicada seda pura.

Agora sim seria uma mulher moderna mas, confessava a si mesma, ainda se sentia algo tradicional.

Feliz porque naquela noite nada e nem ninguém os atrapalharia, lá se foi ela recepcionar o namorado para a tão esperada lua -de -mel que batia à sua porta.

Todavia, havia ela se esquecido dum pequeno detalhe que logo se fez presente assim que ela abriu o portão para o seu candidato a eleito marido entrar: "o Malhado", seu filhote Dálmata do coração, que não perdoou a invasão do território pelo convidado, e se pôs a latir esbravejadamente para a cidade toda acordar.

Diabo de cão deselegante que não respeitava visita!

"Quieto Malhado, ele é nosso amigo!". dizia ela ao cachorrinho.

Só se fosse amigo dela, porque com o Malhado não teve conversa, e nem jantar e nem nada mais: assim que fecharam a porta do quarto o Malhado desandou a malhar as paredes com as unhas afiadas, chorava, miava, gemia, soluçava, um inferno o cachorrinho enciumado.

Foi quando abriu a porta do quarto para o cachorro ali se acomodar, que só sossegou rosnando próximo a cama com se fosse um exímio cão de guarda. O pobre do namorado não fez um só movimento suspeito, contou-me ela decepcionada, nem sei aqui dizer se decepcionada com o cão , com o namorado, ou com a vida...

Fato é que babau! a lua -de- mel ali não foi daquela vez!

Ela aprendeu com Malhado que uma noite de cão é assim, às vezes é ao pé da letra mesmo...quando não ao pé da cama.

Não sei, mas penso que vai ser bem difícil ela assumir sua modernidade algo... moderna demais ao entendimento daquele filhote de Dálmata, cá entre nós, tradicionalíssimo...

Nota: fato verídico.

Moral da história: Com seu relato eu aprendi que, ainda que não enxerguemos, sempre há algum olhar oculto e observador sobre nós.