A boa ou a ruim

- Pai, pai.

- Oi?

- Eu tenho duas noticias pra te dar.

- Agora?

- Sim.

- Domingo, oito horas da noite, logo na hora da reprise dos gols da rodada?

- É!

O pai revira os olhos para o filho.

- Ta bom, fala.

- Então, eu tenho uma noticia boa e um ruim.

- Tá.

Silencio. Os dois ficam se olhando.

- Qual você quer primeiro?

- Tanto faz!

- Como assim ‘tanto faz’, lógico que não ‘tanto faz!’.

- Filho o pai quer assistir.

- Eu sei, então escolhe.

- Por que escolher, você não vai ter que dar a noticia de um jeito ou de outro?

- Sim, mas tem que escolher uma, ou a ruim ou a boa.

- E se eu não escolher?

- Se você não escolher eu não vou falar nenhuma.

- Então ta bom.

Para de prestar atenção no filho e volta a assistir.

- Pai!

- Caramba fala logo de uma vez.

- A ruim ou a boa?

- Qualquer uma, fala!

- Escolhe.

- Ta bom, a boa, a boa.

- Então tá... a boa é que...

- Não, não. Espera! – interrompe.

- O que foi?

- Fala a ruim primeiro.

- Ta, a ruim...

- Não, espera, espera.

- Que foi cacete!

- Olha a boca.

- Desculpa!

- Fala a boa... Não, a ruim. A boa ou a ruim? Por que se você falar a boa primeiro e for realmente boa a ruim vai estragar com ela. Agora se você falar a ruim primeiro a boa pode amenizar o choque.

- Escolhe qualquer uma pai.

- Calma não é bem assim.

Silencio.

- Boa ou ruim... boa ou ruim.

- Pai.

- Ta bom, fala a boa primeiro.

- A boa é que eu não preciso ir pra aula amanhã.

- E a ruim?

- A ruim é por que eu fui expulso. – Fala e vai para o quarto.

- Ei... volta aqui! Não tem nenhuma boa aí.

-----------------------------------------------

Domingo, fim da festa do filho mais novo, os pais estão jogados no sofá exaustos.

- Nem acredito que finalmente terminou.

- Nem eu.

- Não aguentava mais ver criança na minha frente.

- A ultima vez que eu vi tantas crianças juntas num mesmo lugar foi quando eu estava na creche.

- Estou na duvida se eram realmente criança ou gremilins. Uma hora eu derrubei refrigerante surgiu dezessete crianças sambando em cima dele.

Os dois estão olhando para o teto.

- O que é aquilo no teto?

- Não sei, a essa altura do campeonato eu já não consigo enxergar mais nada.

- São rastros.

- Rastros, de algum bicho?

- Não, rastros de crianças!

- De crianças, como?

- Não sei. Deve ter sido aquele pequeninho que tava vestido de homem aranha.

- Ainda bem que ele não tava vestido de tocha.

Os dois tentam rir, mas não tem força.

- A devíamos parar de reclamar. O importante é que foi uma grande festa pro Arthurzinho.

- Nem me fale, viu a cara dele a hora que chegou o Bob esponja?

- Vi. Tava muito feliz.

- Pena que o Bob esponja foi embora antes do combinado.

- É, mas temos que dar um desconto é mais difícil trabalhar com cinquenta crianças em cima de você.

- É.

Silencio.

- O importante é que o Arturzinho gostou.

- Amou.

- Sim, no fim das contas somos bons pais né.

- Sim. Estamos nos saindo bem.

Silencio.

- Onde será que está o Arturzinho?

- A ultima vez que eu vi ele tava com você.

- E que eu vi ele tava com você.

- Qual foi a ultima vez que você viu ele?

- Um pouco antes dele derrubar o Bob esponja.

- Então, eu também.

Silencio.

- ARTURZINHO. – grita o pai.

- CARLOS ARTHUR. – grita a mãe.

Silencio.

- Ralf vai ver onde ele está.

- Por que eu? Vai você. Você é a mãe. E outra eu não consigo levantar daqui.

- E o que é que tem que eu sou a mãe? Você é o pai. E eu também não consigo levantar.

Silencio.

- Ah, ele deve estar dormindo... depois do dia exausto que ele teve, é de se esperar.

- É, ele penou pra derrubar o Bob Esponja. Deve estar morto. Vamos deixar ele descansar.

Silencio.

- No fim das contas somos bons pais.

- Sim, somos.

Silencio.

- Quero ver como vamos limpar o teto.

-----------------------------------------------

- Mais um domingo que se foi hein!

- Pois é!

- A semana passou voando!

- É...

- Já é quase fim do mês.

- Nem me diga.

- Daqui a pouco já é natal de novo e o que nós fizemos?

Silencio.

- Nada. Mais uma semana sem fazer nada, um mês, um ano.

Só assente com a cabeça.

- Todo ano faço promessas de prestar a atenção. Pra quando chegar o final do ano eu conseguir tirar um extrato positivo e avaliar tudo que eu fiz.

Silencio.

- E todo ano não faço nada disso. Sabe, eu to cansado.

- Eu também.

- Não é por que eu não trabalho, que eu não posso estar cansado.

- É.

- Não é por que eu não faço nada que eu não quero nada.

- Uhum.

- Ainda da tempo de recuperar esse ano, se eu começar a me mexer agora posso terminar ele com um saldo positivo. O que você acha?

- Acho legal, mas tem que ser agora, pleno domingo, e nem passou os gols da rodada.

Silencio.

- Ta, amanhã então!

- Amanhã cedo!

- Porra, mas segunda feira cedo, ninguém merece.

- Ta bom, começamos depois do almoço.

- Depois do almoço.

- O que nós vamos almoçar amanhã.

- Hum, tem essa também, tenho que resolver isso.

- É, vamos resolver um problema de cada vez, primeiro vamos ver isso do almoço, depois resolvemos o resto.

- Ta, agora fica quieto porque vai começar o Fantastico.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 22/04/2012
Código do texto: T3627683