A VELHINHA DA BENGALA

Em meu tempo de andarilho, numa das minhas caminhadas sem destino, ao me encontrar numa encruzilhada fiquei indeciso, se iria para a direita ou para a esquerda. Diante daquela indecisão e vendo ali perto uma frondosa árvore, optei em ficar à sua sombra, até que me viesse a inspiração que rumo tomar. Fiquei por ali algum tempo em que pude comer do pão duro que levava e beber da água quente da garrafa plástica que eu sempre portava. O fato é que após aquela deliciosa refeição, talvez por estar um tanto cansado, fui conciliado pelo sono. Ocorreu que no melhor do meu descanso, ao qual sempre nomeio de "ALHEIO À LIDA', fui despertado por uma velhinha que me disse.

-Ó moço, acorda! Vamos conversar um pouco.

Meio sonolento, todavia percebi que a velhinha talvez tivesse uns noventa anos, dada o timbre de sua voz e as rugas de seu rosto. No momento notei que ela portava apenas uma bengalinha

-Oh! Dormi sem perceber. Quem é a senhora?

-Eu me chamo Maria das Dores. E você? de onde vem e como se chama?

-Que eu saiba eu não tenho propriamente um nome, mas sou conhecido por Peregrino. Veja esta carteirinha de identidade. - mostrei-lhe - Me foi fornecida por uma delegacia de polícia numa das cidades em que passei sozinho, mas chamava-se Passa Quatro.

-Passa Quatro! Eu conheci tal cidade! Você está melhor do que eu, meu filho. Eu nem carteirinha tenho. Sei que me chamam de Maria desde que eu era pequena, e agora, por sentir muitas dores, as acrescentei ao meu nome.

-Ô dó! Ei, estamos há mais de dez quilômetros do último povoado! A senhora veio embarcada em algum veículo?

-Não, meu filho. Venho de mais longe ainda, mas sempre em companhia dessa bengalinha - mostrou-me - Ah! se não fosse ela nem sei o que seria de mim.

-Que interessante! Essa bengalinha tem nome?

-Eu a chamo de bengalinha mesmo, por que? Ela deveria ter um nome?

-É claro. Um vez que é sua fiel companheira e te pertence há tempos tem que ter uma identidade, isto é, um nome, como a senhora tem, uai.

-É mesmo? Mas que nome eu deveria por nela? Você tem algum palpite?

-Isso é comigo mesmo! Muitos me chamam de LUZIRMIL NOMEADOR por eu ter o dom de nomear as coisas, e para essa bengalinha tão estimada pela senhora vou dar-lhe o nome de BENGALÉTA o que vem a ser uma junção de bengala+predileta.

-Que lindo nome! Mas as pessoas que não a conhecem vão pensar que tenho uma pequena bengala, não?

-Oh! Não! Desde que ao pronunciar ou escrever coloques um acento agudo no e, do éta. Ademais o meu dom de nomear é por que sempre nomeio as coisas com dois sentidos. No seu caso, a senhora terá uma bengaleta cujo nome é bengaléta, por designar uma bengala predileta!

-Caramba! Você é um andarilho bem sabido, rapaz!

Logo encerramos os assuntos, já que me decidira partir daquele ponto, porém seguindo pela via da esquerda. A velhinha optou em seguir pela da direita, todavia insistindo para que eu a seguisse, pois segundo ela, a cinco quilômetros à frente a estrada ia dar numa localidade que ela já conhecia. Eu todavia segui meu palpite. Pobre de mim! Andei mais de dez horas, uns vinte quilômetros, sem encontrar uma única casa ou mesmo água para abastecer minha garrafa. Mas por fim, cheguei numa localidade onde pude ganhar alimentos e beber água.

O interessante é que anos depois me encontrei com a velhinha Maria das Dores, que até mudara de sobrenome para MARIA DA PREDILETA. Estava com a mesma aparência de doze anos atrás. Já contava com cento e dois anos, e segundo ela, a bengaléta era seu amuleto da sorte, pois nunca mais tivera dores e nem doenças depois do nosso encontro na encruzilhada

Depois de doze anos, a velhinha e eu, mesmo sob a égide das necessidades e provações, por misericórdia de Deus ainda estávamos vivos!

Luzirmil
Enviado por Luzirmil em 20/04/2012
Reeditado em 20/04/2012
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