Você é muito cachorro

- Ei, o que é isso?

- O que?

- Essa roupa.

- O que é que tem? Ta muito chamativa?

- Claro!

- Caramba eu vou trocar então.

- Não é pra trocar, é pra tirar!

- Por quê?

- Por quê? Por quê?

- É, por quê?

- Por que você é um cachorro, cachorro não usa roupa.

- Desde quando você entende de moda?

- Não é moda. Cachorro não usa.

- E nem fala.

Silencio.

- Quem disse que cachorro não usa roupa?

- Olha em volta, ta vendo algum cachorro de roupa?

- Não. Mas isso não quer dizer que...

- Claro que quer dizer! – interrompe. – vai tirar isso.

- Mas foi a Patricia que colocou... E outra, vestiu tão bem. – da uma volta.

- Eu não vou sair com você vestido assim!

- E eu não vou sair com você pelado.

- Oi?

- Já parou pra pensar que o errado é você, por estar pelado.

- Não acredito que estou ouvindo uma coisa desta.

- É verdade.

- Ah, eu não sou obrigado. Vou embora que eu tenho mais o que fazer.

- Vai mesmo, tomara que a carrocinha te pegue e te prenda por atentado ao pudor.

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- Nossa não dormi direito a noite.

- Por que?

- Tem um guardinha novo na minha rua.

- Ih...

- Aí quando eu to quase pegando no sono ele passa apitando, então eu sou obrigado a ir latir pra ele.

- Já tentou esquecer ele.

- Como assim?

- Não pensar nele como um adversário.

- Não tem como.

- Claro que tem.

- Como.

- Tem que desapegar. Eu já não lato mais pra guardinha, lixeiro, carteiro...

- Carteiro? – interrompe. – não acredito que consegue ficar sem latir para o carteiro.

- Consigo.

- Me ensina isso aí. Não aguento mais, qualquer barulhinho eu levanto e vou, é mais forte do que eu.

- Você tem que relaxar. Meditar.

- Meditar?

- É. Sentar, fechar os olhos e relaxar.

- Se eu fechar os olhos eu durmo.

- Não pode dormir. Tem que ficar acordado, mas com os olhos fechados.

Os dois sentam e fecham os olhos.

- Só isso?

- Mais ou menos. Aí você tem que limpar sua mente, esquecer tudo.

- Sem dormir?

- Sem dormir!

- Ah não tem como.

- Você quer parar com isso ou não.

- Sim.

- Então faz o que eu to falando.

- Desculpa.

Silencio.

- E agora?

- Agora fica quieto.

Silencio.

De longe escutasse o barulho do carteiro.

- Relaxa. Mantem os olhos fechados. Esquece de t...

Ele sai correndo latindo para o carteiro.

- Desculpa, mas o carteiro já é demais.

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- Acho que não da mais pra gente ficar junto.

- Por quê?

- Por que você é muito cachorro.

- Obrigado

- Isso não é um elogio.

- Ah não?

- Não.

- Então o que quer dizer?

- Quer dizer que você é muito cachorro.

- Sim, disso eu sei.

- Ah então você concorda?

- Que eu sou um cachorro sim.

- Não, não é isso que eu to falando.

- Não to entendendo.

- To querendo dizer que você é um cachorro muito galinha.

- Muito galinha?

- É, um cachorro metido a garanhão.

- Pera aí, eu sou muito cachorro, galinha ou garanhão?

- Os três.

- Não to conseguindo entender.

- Você é muito mulherengo, isso que eu to querendo dizer, quando digo que é muito cachorro.

- Mulherengo, mas eu gosto de cachorra.

- Por isso mesmo.

- O que?

- Por que não pode ver uma cachorrinha e já vai logo cheirando ela.

- Ah é isso.

- Sim, é isso.

- Não, mas eu não faço nada demais.

- Não, não faz.

- Não, eu só converso.

- Sério gatinha.

- Nem venha com esse gatinha pra cima de mim. – vai saindo.

- Ei, desculpa, eu não vou mais ser tão cachorro!

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- Cara, você é muito puxa saco.

- Ãhm?

- Você é muito puxa saco.

- Como assim?

- Os mima demais.

- Nada a ver.

- Ah não?

- Não!

- Então por que ta plantado ai na porta.

- To esperando o Mai... – para no meio.

- Viu.

- Ah larga da minha pata.

- Você acha que ele está dentro do carro pensando, “nossa o Tob está me esperando”.

Silencio.

- Tem que relaxar cara. Não pode correr atrás das borboletas tem que cuidar do jardim pra que elas venham atrás de você.

- Falou o cara que não pode ver um mosquito que já sai pulando igual um louco.

- Não, você não entendeu o que eu quis dizer.

- Tem que deixar eles virem atrás de você.

- Você fala isso por é um egoísta, não passa de um gato egoísta.

- Eles quem vem fazer carinho em mim e não é ao contrario.

Silencio.

- Tudo bem, se quer ficar plantado aí boa sorte, mas eles foram viajar.

- Claro que não.

- To falando.

- Como você sabe.

- Ouvi eles dizendo, não aguenta mais você sufocando eles.

- Sério que eles disseram isso?

- Não, claro que não.

- Ah me esquece. – volta a vigiar a porta.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 17/04/2012
Reeditado em 17/04/2012
Código do texto: T3617849