A RAPOSINHA DO CÁUCASO
A RAPOSA DO CÁUCASO – 9 JAN 2012
(Folklore russo, recontado por William Lagos)
A RAPOSA DO CÁUCASO I
Lisitza, a Raposa, estava bem faminta,
num inverno nevoso e bem gelado;
as aves fugiam e não havia pescado,
a raposinha já não tinha o que fazer:
toda a sua caça sabia se esconder,
só lhe restava invadir alguma quinta.
Ela evitava os humanos, em geral
e não mexia com suas criações,
salvo quando se encontrava em situações
que lhe mostravam todas as costelas;
só então é que espiava nas janelas,
à espreita de um doméstico animal.
Assim Lisitza rondou pelos cercados,
quando notou toda a gente adormecida,
mas viu tudo trancado, nessa lida,
as galinhas só achou no galinheiro,
as cabras no redil do pegureiro,
até os porcos estavam abrigados...
Mas Sviniá, o Porco, o chão furou
e foi fuçar onde estivera a horta...
Com sua magreza, Lisitza não se importa
e pelas costas lhe chegou devagarinho:
só conseguiu agarrar o seu rabinho,
Sviniá viu-lhe a sombra e se escapou!
A RAPOSA DO CÁUCASO II
“Solte meu rabo!” pediu Sviniá.
“Não solto, porque vou comer você!”
“Mas eu não sou refeição que se lhe dê,
você precisa me comer assado!
Tem de girar meu corpo com cuidado:
eu vou buscar o espeto e volto já!...”
E Lisitza, que era ainda bem novinha
e era mesmo bem menor que o porco,
que lhe fazia duas vezes o seu corpo,
soltou-lhe o rabo e quedou-se a esperar;
passou o tempo sem o animal voltar,
até que desistiu, a pobrezinha!...
Foi-se então a rondar o galinheiro,
que tinha cerca alta e indevassável,
mas Pietukha, um galo alto e notável,
em um momento de temeridade,
tendo suas asas crescido de verdade,
bem no alto da cerca fez poleiro!...
Ele queria era cantar na madrugada,
mas Lisitza fez a cerca balançar
e conseguiu a Pietukha derrubar!
A raposa o pegou pela garganta:
“Só quero ver se agora você canta!”
disse Lisitza, toda entusiasmada.
A RAPOSA DO CÁUCASO III
“Dona Raposa, largue meu pescoço!”
“Não solto, porque vou comer você!”
“Mas eu não sou refeição que se lhe dê,
sou galo velho, minha carne é seca e dura,
não sou galinha gorda ou franga pura,
você precisa é pegar outro mais moço!”
“Pietukha, a sua velhice não me amola,
porque já fazem dias que não como!
Em vez de água, é só neve que tomo...”
Disse Pietukha: “Mas então, tem de me assar:
minha carne bem mais tenra há de ficar...
Espere aqui, que vou buscar a caçarola...”
Pobre Lisitza! A proposta lhe agradou,
deixou o galo voar na mesma hora!...
Subiu na cerca e logo foi embora.
A raposa esperou, sem aceitar
que novamente deixara-se lograr...
Então, um cão latiu e ela escapou!...
“Mas como posso ser tão burra?” ela pensou,
“Como é que ele ia trazer a caçarola!?
No bico não podia e nem na cola!...
Mas o próximo que achar, esse não escapa:
vou-lhe comer a carne até a rapa!”
para si mesma, então, ela jurou...
A RAPOSA DO CÁUCASO IV
De fato, daí a pouco, ela foi ver
Kozá, a Cabra, pastando umas ervinhas
que pela neve mostravam as pontinhas
e de um salto, nas costas lhe montou!
E já com raiva, para a cabra ela falou:
“Vire a barriga, que eu quero lhe morder!”
Disse Kozá: “Caia fora do meu pelo!”
“Não caio, porque eu vou comer você!”
“Mas eu não sou refeição que se lhe dê,
a minha lã é espessa e muito dura,
vai estragar toda a sua dentadura:
fica mais grossa ainda neste gelo!...”
“Estou com fome e a morte já me agoura!”
falou Lisitza, “portanto, seja amiga,
vire de costas e me mostre sua barriga!...”
“Primeiro, a minha lã tem de cortar,
Senão acaba criando um bezoar!... (*)
Espere aqui, que vou buscar a minha tesoura!”
(*) Bola de pelo que se forma no estômago dos animais.
E assim Lisitza caiu noutra esparrela...
Kozá, a Cabra, saiu em disparada
e a raposinha ficou desapontada,
mas não se convencia da tolice,
lambendo os beiços, na maior burrice,
horas e horas esperou por ela!...
A RAPOSA DO CÁUCASO V
Bolk, o Lobo, a encontrou ali parada
e perguntou: “O que faz você aqui?”
“Ai, primo, Sviniá, o Porco, eu não comi;
que ia buscar um espeto me falou,
porém eu acho que ele me enganou:
esperei muito e não me trouxe nada!...
“Pietukha, o Galo, ficou de me trazer
sua caçarola, para uma fritada,
esperei, esperei, não trouxe nada!...”
“Você é burra, prima!...” disse o lobo,
“A mim, porém, ninguém me faz de bobo!
Mas na montanha, o que é que você quer?”
“Pois é... Kozá, a Cabra... Ela foi buscar
uma tesoura para lhe cortar o pelo,
mas estou me congelando neste gelo!
Não sei onde é que essa tesoura guarda,
só sei que há várias horas já me tarda...”
Bolk, o Lobo, se pôs a gargalhar...
“Mas, prima Lisitza, você acreditou
que qualquer presa iria retornar,
após deixá-la de seus dentes escapar?
Venha comigo, vou mostrar como se caça!
E lhe darei uma parte, sem pirraça.”
Lisitza então a Bolk acompanhou...
A RAPOSA DO CÁUCASO VI
“Mas veja bem, preciso de um parceiro,
você terá de em tudo me ajudar:
diga que “sim” sempre que eu perguntar,
que a nossa presa tem de ficar com medo:
para caçar, esse é o maior segredo...
Estou como fome, vamos andar ligeiro!”
E logo acharam um cavalo velho,
que tinha sido pelo dono abandonado,
porque todo o capim havia acabado
e a aveia para as vacas se guardava.
A morte para o bicho já chegava,
todo marcado nas costas pelo relho...
“Vamos fazer-lhe até uma caridade!”
disse o lobo, “pena que ele não compreende...
Tenha cuidado, quero ver se entende:
se eu chegar sozinho, ele se espanta,
está bem fraco, mas ainda se levanta
e vou ter de persegui-lo de verdade...”
“Mas se chegarmos os dois, de cada lado,
Loshad, o Cavalo, não vai poder fugir;
Porém ainda irá tentar me resistir!...
Esse cavalo precisamos assustar:
responda “sim” sempre que eu perguntar.
Nosso jantar está assegurado!...”
A RAPOSA DO CÁUCASO VII
Bolk e Lisitza então se separaram
e cercaram Loshad dos dois lados.
Ele deu uns relinchos assustados,
firmou as patas, tentando resistir,
porque viu logo que não podia fugir
das duas feras que assim o tocaiaram!
Loshad mal podia se empinar,
porém ergueu os cascos em ameaça
e disse Bolk, como por pirraça:
“Lisitza, meu pelo está arrepiado?”
E a raposa respondeu: “Todo esticado!”
O cavalo começou a se inquietar...
E perguntou o lobo, novamente:
“Estão meus olhos já soltando chispas?”
“Sim,” disse Lisitza, “a cada vez que piscas!”
“Eu não sou uma fera assustadora?”
“Sim,” respondeu a raposa, sem demora.
Loshad baixou as patas, molemente...
Bolk, o Lobo, à garganta lhe saltou
e Lisitza o mordeu pela barriga!...
Pobre Loshad, não venceu aquela briga!
O animal descansou de sua fadiga,
o lobo se empanturrou, feito bexiga
e assim Lisitza também se alimentou!...
A RAPOSA DO CÁUCASO VIII
Os dois dormiram ali, bem enroscados;
quando acordaram, comeram novamente
e Lisitza já estava bem contente,
mas Bolk disse: “Cumpri a minha promessa,
o que sobrou, vamos levar depressa
para minha toca, tenho filhotes esfomeados...”
Lisitza até ajudou a arrastar,
mas quando estavam já perto da toca,
Bolk lhe disse: “Agora veja se se enfoca,
Bolkitza, minha esposa, é ciumenta
e se a vir, de rancor já nem se aguenta:
você precisa depressa se afastar!...”
“Mas eu pensei em comer mais um pouquinho!”
“Lisitza, minha amiga, eu lhe ensinei
o jeito que se caça e até lhe dei
a parte que lhe toca da caçada...
Logo Bolkitza vai desmamar a filharada
e em seguida, poderá sair do ninho...”
“Da outra vez, ela me ajudará,
como sempre fez antes, nas caçadas...
Você é minha prima, mas são águas passadas,
vai ter agora de arranjar outro parceiro,
tenho certeza de que o achará ligeiro
e muito em breve, a primavera chegará!
A RAPOSA DO CÁUCASO IX
Mas esse inverno demorou a passar,
logo Lisitza teve fome, novamente
e foi buscar um parceiro, alegremente.
Baran logo encontrou, velho carneiro
que a foi ameaçando, bem ligeiro:
“Não chegue perto, que vou lhe marrar!”
“Baran, eu não pretendo lhe atacar
e nem quero comer as ovelhinhas,
prefiro mesmo a carne das galhinhas!
Mas estou necessitando de um parceiro.
Meu juramento será bem certeiro:
Me ajude, que as ovelhas vou poupar!...”
“Talvez eu faça,” respondeu o carneiro,
“Mas por que é que precisa assim de mim?”
“Sei que você come ervas e capim,
mas uma mula velha está pastando
na sua montanha. Eu até o estou ajudando
para tirar a concorrente do terreiro!...”
“Ela devia é ir pastar no vale!...”
disse Baran, o Carneiro, já furioso.
“Então, me ajude... Você é valoroso...
Precisamos essa mula ir assustar,
cada um irá de um lado se acercar,
você precisa concordar com o que eu lhe fale...”
A RAPOSA DO CÁUCASO X
“Está bem, o que quer então que eu diga?”
“Basta que sempre me responda “sim”,
quando eu fizer qualquer pergunta assim...”
E Baran, o Carneiro, concordou
e o par bem depressa se acercou,
desse valado em que a mula se abriga...
Lisitza foi chegando por um lado
e Baran a outra saída lhe cortou...
Mul, a Mula, depressa se alertou
“O que é que vocês dois querem comigo?
O Carneiro da Raposa é um inimigo...
Qual a razão por que os uniu o fado?...”
Lisitza perguntou, num tom bem feio:
“O meu pelo já está todo arrepiado?”
“Sim,” falou o carneiro, meio desanimado.
Mas disse a mula: “Deve ser do frio,
eu também estou sentindo um arrepio,
mas não é de vocês que eu me arreceio...”
Disse Lisitza: “Meus olhos soltam chispas?”
“Acho que sim,” o carneiro respondeu.
“É o reflexo do gelo!...” intrometeu
a mula. “Afinal, o que querem vocês dois?
Tenho serviço para fazer depois,
meus cascos também soltam suas faíscas!”
A RAPOSA DO CÁUCASO XI
Lisitza estava meio atrapalhada:
o resultado não era bem o que esperava;
mesmo assim, logo a raposa perguntava:
“Eu sou uma fera muito assustadora?”
Disse o carneiro: “Desculpe, minha senhora,
Está na hora de tomar a minha estrada!...”
E Baran, sem mais aquela, foi-se embora,
mas Lisitza não queria desistir
e tendo medo que Mul fosse fugir,
deu um bote e mordeu-a no focinho!
“Ai, me largue! Solte já, bicho daninho!
Que besteira está fazendo nesta hora?...”
“Não largo, porque eu quero te comer!”
“Mas eu sou grande demais para você,
tampouco sou refeição que se lhe dê...
Você precisa é de encontrar outro tesouro.
As minhas ferraduras são de ouro,
tenho uma frouxa, que pode desprender!...”
“Com o ouro, poderá comprar comida!
Ovos e pintos, até mesmo um cordeirinho,
Mas, por favor, veja se larga meu focinho,
Que está doendo! Você não pode me matar,
porém já conseguiu me machucar!...
O meu conselho nos facilita a vida!...”
A RAPOSA DO CÁUCASO XII
“Caso eu a largue, você me irá fugir!”
disse Lisitza, sua voz meio ofegante.
“Minha ferradura é mais interessante,”
disse-lhe a mula. “Vamos, experimente,
Me matar não vai poder, por mais que tente,
mas com o ouro, irá comida conseguir!”
“Esta certo,” disse Lisitza. “Qual é a pata?
“Vou me virar de costas, é a traseira,
do lado esquerdo, você tira bem faceira,
pois já está frouxa e está me atrapalhando:
quando galopo, fico tropeçando;
e da minha ferra se aproximava a data...”
“Não vai mesmo fugir, se eu a soltar?”
“Claro que não!” disse a mula, bem esperta.
“Mas seu focinho a boca já me aperta
e não me agrada o jeito do seu beijo...
Eu lhe dou a ferradura e acaba o ensejo...”
Tanta conversa fez Lisitza acreditar...
Mas quando para trás da besta pula
e chegou daquela pata bem pertinho,
a mula a escoiceou bem no focinho
e Lisitza para longe foi jogada!...
Mul foi depressa, para matá-la de pancada,
que o pior golpe é o coice de uma mula!
EPÍLOGO
A mula foi-se embora, satisfeita,
deixou a raposa toda ensanguentada,
na beira do caminho abandonada,
pensando ter matado a adversária...
Contudo, às vezes, a sorte é mais contrária,
que não morreu Lisitza dessa feita...
Mas quando um corvo a veio devorar,
ela o matou, com rápida dentada!...
Tendo ficado assim alimentada,
depois de alguns dias, se curou
e, por sorte, a primavera então chegou
e logo pode de alimento se fartar!...
Na vida é assim, quem não aprende, apanha!
E os animais de carne se alimentam
e, para isso, matar-se sempre tentam...
Afinal, comem carne alguns humanos,
matam os bichos sem pena, desumanos:
é a faca do açougueiro que a eles lanha!...
Lisitza teve sorte, a raposinha...
A duras custas, acabou por aprender
e com o tempo, conseguiu crescer...
A vida educa também cada criança,
que não pode viver só de esperança,
porém precisa se defender sozinha!...
MAS QUEM TIVER MAIOR O OLHO QUE A BARRIGA,
NO FIM É UM COICE, TALVEZ, QUE SÓ CONSIGA!...