ARSLANBACIO
ARSLANBACIO I (8 JAN 2012)
Quem canta seus males, aos outros espanta...
Bela receita para perder amigos...
Por outro lado, nem se fazem inimigos,
pois todos fogem, se a gente demais canta...
Desse modo, é melhor cantar demais
do que ter inimigos ao redor;
assim, cantar a dor sempre é melhor,
mesmo essa dor que não doeu jamais...
Portanto, em belo coro nos juntemos,
cada qual a insistir na própria queixa,
em tristeza e desgosto comezinhos,
porque assim, uns aos outros correremos,
cantando alto, enquanto o outro deixa,
até ficarmos a cantar sozinhos...
ARSLANBACIO II
Assim, eu cantarei a minha saudade
disso que nunca foi ou já passou,
pela tênue lembrança que restou,
do que passou sem ter sido verdade.
E cantarei sobre minha mocidade,
que há décadas passadas se esfumou
e no passado não se realizou,
porém rebrota já na maturidade.
Eu cantarei dos filhos que já tive
e desses muitos que não cheguei a ter,
no desperdício da sexualidade
e cantarei dos lugares onde não estive
e sobre as praias que não cheguei a ver,
salvo nas brumas da irrealidade.
ARSLANBACIO III
E assim, eu cantarei para afastar
os que não quero ter perto de mim;
e cantarei, em solidão, enfim,
por aquelas que queria cortejar...
Não por essas que vieram me buscar
e me tentaram transformar assim;
eu cantarei pela perda do alfenim,
por meus alqueires de trigo a completar...
Eu cantarei para os males espantar,
sabendo espantarei os bens também.
Já foi o tempo em que cultivei a voz,
que desgastei dando aulas sem parar,
até que a voz só nos dedos se mantém,
amarrando da garganta o som atroz!...
ANUÊNCIA I (28 JUN 1980)
São raros os instantes em que nos encontramos,
Mais raros os momentos em que haja concordância;
Nós só nos vemos sempre na frase de elegância
Que de esgrimar rutila; e assim, entrelaçamos
Em combate verbal e então, à flor da pele,
Em carne viva os nervos, talvez por mais desejo,
Se conturbam e esbatem, quiçá no mesmo beijo
Que os lábios se dariam, apenas se congele
A cascata irrequieta e inútil que exaspera;
Porque nos condenamos à sombra dessa espera,
Sem procurar, enfim, do ardor uma ocasião.
E alfim nos evitamos, temendo se revele,
Aos olhos dos estranhos, a mesma exultação
Que os beijos nos fizera gozar, à flor da pele...
ANUÊNCIA II (20 DEZ 11)
Que o tempo é uma cadência e a si mesmo sacrifica,
O tempo é um torvelinho que a si mesmo consome,
O tempo é um estertor que devora a própria fome,
O tempo é um esplendor que a si mesmo dignifica.
Mas amor é uma cadência que em olhar alheio fica,
Amor é um redemoinho que gira e logo some,
Amor é um corrupio ao qual não há quem dome,
Amor é esse fantasma que tua vida tipifica.
Então, quando nos vemos com intenção mais clara,
O tempo devoramos em frases contundentes
E o amor incineramos em cada madrigal,
Que tempo e amor tão só é a gente que compara,
Perdido em cada um, sem conservar domínio,
Que o tempo rói o amor e o amor é só fascínio...
ANUÊNCIA III
Assim, ainda te espero, aguardo o teu ensejo,
A tua espera espero no áspero desejo,
O teu desejo almejo no palpitar do beijo
E beijo a mesma espera, no sonho da quimera.
Que o tempo sempre és tu, vagando nessa espera,
Que o amor é sopro teu, a brisa na galera,
Que tempo gera amor e amor o tempo gera
E o tempo desse amor é tudo quando almejo.
Mas beijo mais gentil é o beijo que se evita,
Que se sussurra ao vento, em pura fantasia,
Mais querendo sonhar que o beijo usufruir,
Enquanto o beijo meu ao sonho te concita,
Em que beijo seria tal beijo de harmonia,
Beijo de amor em tempo que passe sem sentir.