Cada um tem o Inferno que merece - Capítulo 3

CAPÍTULO III – Rumo ao Quinto dos Infernos

Enquanto caminhávamos pela longa estrada de pedras cinzentas, com lavas escorrendo nas paredes laterais e clima totalmente abafado, ainda víamos muitas pessoas alcoolizadas e desmaiadas pelo chão. A paisagem continuou assim por um bom tempo. Conversamos bastante no caminho. Perguntei a ele como eu consigo entender todo mundo, sendo que o idioma dele se mantém o original da época que viveu, o meu é o português e da Janis Joplin é o inglês. Ele falava em hebraico, aramaico sei lá, eu ouvia em hebraico, aramaico sei lá, mas eu entendia tudo perfeitamente. Ele disse que aqui no Inferno o idioma natural se mantém, porém, o que entendemos são as intenções das palavras. “O castigo da Torre de Babel não se aplica aqui”, finalizou ele.

No caminho, encontrei-me com 2 figuras curiosas: uma feminista com a camisa escrito “Lilith na Presidência, já” e com John Lennon e Paul McCartney tocando violão e cantando, o que confirma sua morte em 1966. “Fãs dos The Beatles, vocês estão sendo enganados!”, pensei indignado. Afinal, paguei uma fortuna para assistir o show do seu então sósia no Brasil. Viam-se várias placas de sinalização, apontando em direções diferentes: axé, sertanejo, funk carioca e pop mundial. Como eu não estou a fim de beijar na boca, nunca fui chifrado, não quero que roubem minha alma e nem to afim de uma parada gay, continuei na mesma direção.

Depois de vários ciclos sonos-vigília, o número de pessoas no estado de embriaguez jogadas pelas escuras e quentes ruas ia diminuindo. No lugar da barulheira e multidão agitada, encontrava-se um lugar mais silencioso e calmo. De um lado, era totalmente quieto, chegava a ser meio deprimente de tanto silêncio. Do outro, ouviam-se gritos de dor, mas sem a agitação da multidão:

- Do lado direito é uma área mais habitada pelas almas mais velhas do Inferno, as que se cansaram da rotina de consumir bebidas alcoólicas e curtir shows durante milênios – explicou Caim.

Deve ser deprimente viver ali. “O inferno nos castiga indiretamente”, ponderei.

Lembrei de um vizinho que tive: um velho chato e ranzinza, que sempre me mandava abaixar o som quando fazia um rock em casa, com meus amigos. Ele era casado, mas tinha várias amantes. Com certeza está aqui no Inferno. Espero que ele esteja satisfeito com todo seu silêncio.

- Do outro lado, é o local de sofrimento e tormenta do Inferno. Ali, estão pessoas realmente ruins, que mataram e torturaram pessoas durante qualquer período terrestre. Foram trancafiadas ali pelos próprios moradores do Inferno. Afinal, ninguém quer conviver com pessoas assim, né? – completou Caim.

- Espero que os malditos ditadores e colonizadores estejam ali – disse eu - e também os pilotos dos aviões do atentado de onze de setembro. Aquilo que fizeram com milhares de pessoas é imperdoável. Ficamos sem assistir um episódio de Dragon Ball Z por culpa deles. Malditos! – completei.

Continuamos a caminhada durante muito tempo, se é que o tempo existe aqui.

Quanto mais nos afastávamos do centro e de todo o movimento, mais sombrio e assustador ficava o Inferno. O cenário ainda era o mesmo: pedras, lavas e fogo. Mas a energia era diferente. A cada passo eu me sentia mais aterrorizado e com uma sensação ruim.

De longe se via, finalmente, um ponto avermelhado no topo de uma colina. Era o Castelo Vermelho. Logo, pensei “Espere por mim, Hades” e nos aproximamos dos portões reais:

- Já sinto o cheiro dos meus pecados – disse eu.