O VÉIO E SEU "POBREMA"

Quando era rapazinho, morria de inveja quando algum colega chegava de uma viagem à praia. Eles contavam os detalhes da aventura e eu me imaginava furando as ondas. Era difícil, a praia mais próxima de minha cidade fica á mais de mil quilômetros de distância. Eu era balconista de açougue e ganhava menos de um salário mínimo. Certa vez fiquei sabendo que uma pessoa em minha cidade estava organizando uma excursão para Aparecida do Norte com passagem pelo Rio de Janeiro, com direito a um pernoite lá. Era tipo de um consórcio, a passagem com direito a estadia, era feita em dez pagamentos.

Corri e comprei uma cota. Eu ganhava gorjetas de fregueses, amolando facas ou temperando carne para churrasco. Enfim a duras penas, economizando, consegui pagar a passagem. Chegou o grande dia. Com algum dinheiro no bolso, falando para colegas que iria conhecer novos puteiros e putas liberais, pois as nossas putas eram recatadas só transavam um “papai e mamãe” com as luzes apagadas. Um colega me falou:

-Pera aí cara, você vai à excursão religiosa e falando em putaria?

-Não sô, eu vou rezar, mas aproveito e dou uma rapidinha...

Chegando ao Rio fomos de manhã à praia de Ipanema. Descemos a turma do ônibus já com as roupas de banho. Os Cariocas nos olhavam de soslaio, nós, brancos como garças, passamos por uma turma que cochichou:

-La vem a mineirada...

No meio de nossa turma tinha um senhor de idade, lá pelos oitenta, antigo fazendeiro, que viajava sozinho, era simpático e elegante, conhecido por seu Tonico, que apesar de morar há muito tempo na cidade, não esqueceu o linguajar caipira. Compareceu a praia de terno e gravata, apesar do calor causticante. Eu corri para o mar ansioso para dar uns mergulhos. Parecia uma criança que ganhou um brinquedo novo. Em uma de minhas raras idas á areia da praia, uma senhora idosa me entregou uma garrafa vazia e me pediu para enchê-la com água limpa, longe do pessoal que banhava. Ao voltar com a garrafa cheia, Seu Tonico me chamou:

-Ô Branco, dexa eu porvá...

Pegou a garrafa despejou um pouco na mão, bebeu e disse:

-Ora já se viu, é sargadinha mesmo...

Durante o café da manhã, o serviço de bufê, novidade para mim, eu deitei e rolei. Café farto e variado. Havia no refeitório um aviso:

“Senhores hóspedes, comam a vontade, porém é proibido sair com qualquer coisa daqui”. Após comermos como porcos de granja, na saída, seu Tonico pegou um tablete de manteiga e foi saindo do recinto. Um dos funcionários do hotel falou:

-Senhor, aqui dentro, o senhor pode comer á vontade, mas não pode levar nada daqui para comer...

Seu Tonico, com sua fleuma peculiar, disse bem alto:

-Não, meu fio, eu num vô cumê isso não, isso aqui, é pra besuntá minha morróia...

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