Triste fim da cadelinha da madame
A história me foi contada como verídica. Mas, pode ser que seja mais uma brincadeira, do José Honório, profissão pedreiro, esquerdista da velha guarda, que apesar de abalado com o fim do sonho socialista, continua sendo um gozador, boêmio e freqüentador da noite. Tenho várias histórias dele que vou escrevendo aos poucos. Espero que ele não se chateie de estar “roubando” as suas idéias. Vai me acusar de “intelectualóide da classe média”, “de lacaio dos patrões” e outras barbaridades tão peculiares a esses “proletas” metidos a sabidos, ele que também tem veleidades literárias, que quer ser o Máximo Gorki dos trópicos, mas que não consegue publicar nada, vive me mandando seus escritos em letra de analfabeto, uns garranchos horríveis que tento corrigir e até publicar.
Hoje mesmo, publiquei aqui no Recanto das Letras, último bastião dos escritores sem editores, uma carta, escrita em 2001, onde envio para um editor, o Eduardo, uma crônica político-cômica do Zé Honório, na qual ele mistura invasão do Afeganistão com a campanha para as eleições presidenciais de 2001. Fala mal de todo o mundo; do Maluf, do Lula, do Garotinho, do Genoíno. Enfim, soube que o Zé Honório foi tentar a sorte lá nos Estados Unidos. Quer ganhar dinheiro. Está lá fazendo faxina em banheiros e diz que ganha mais que um professor no Brasil. Deixa ele lá, agora no inverno nova-iorquino eu quero ver se há cachaça no mundo capaz de aquecer o seu corpo de sertanejo.
Mas a história é a seguinte; um arquiteto recebeu uma encomenda de uma reforma no apartamento da madame, décimo segundo andar da avenida Ataulfo de Paiva, Ipanema. Foi até lá na hora marcada, tocou a campainha e aguardou uns segundos, até que a madame, com o rosto cheio de cremes e bobs nos cabelos veio abrir a porta. Solicitou que ele aguardasse enquanto ela se arrumava.
O arquiteto, que era muito gordo, um traseiro que parecia uma trouxa de roupa suja, acercou-se de uma poltrona e sentou-se. Não tinha visto que ali dormindo estava uma cadelinha mini pincher. Sentiu apenas um objeto que emitiu um ruído como um estalar de gravetos se partindo quando ele se sentou. Levantou-se depressa e viu, ainda, o olhar vidrado da cadelinha que agonizava.
Meu Deus, fazer o quê agora? Tomou o pequeno animal nos braços e chamou a dona. Ela respondeu que esperasse, estava no banheiro. Atordoado, e sem saber o que fazer viu a janela aberta, o vento agitando as cortinas. Foi até lá e jogou a cadela pela janela, doze andares. Viu quando ela caiu na rua, por sorte sem atingir ninguém.
Sentou-se novamente, aguardou a madame e, como se nada tivesse acontecido, levantou os dados da reforma e combinou o retorno para o dia seguinte para apresentar o orçamento.
No dia seguinte, trouxe o orçamento. Tocou a campainha e foi recebido pela madame com olheiras enormes, os olhos vermelhos de tanto chorar.
- O quê houve, dona Mariazinha?
- Você não imagina, aquela ingrata. Ontem, logo depois que você saiu, a minha cachorrinha se suicidou, se atirou pela janela. Dá para acreditar! Quer saber, não vou mais fazer reforma nenhuma. Estou de luto!
Bem, como disse, não sei se é verdade. O arquiteto perdeu o negócio, mas ganhou em sabedoria, porque a partir daquele dia prestou mais atenção e cuidado, aonde pisa e aonde senta.