Sala de embarque

Uma sala de embarque, três pessoas, um sentado e dois de pé, e alguma fumaça em volta.

- Não, não. Calma aí!

- O que?

- Quer dizer que você vai levar ele assim?

- Sim.

- Por que?

- Sei lá, por que eu quero.

- Ah, mas toda vez isso, por que você quer.

- Sim.

- Cansei disso. Acho que temos que criar um sistema.

- Gente. – tenta intervir.

- Shiii... Só um pouquinho.

- Um sistema?

- Sim. Um sistema. Você ta ficando com todos os bons.

- Mas esse é o nosso sistema. Os bons são meu, os maus são seu.

- Sim eu sei, mas é que você acaba sempre arranjando um jeitinho de converter os maus. Sabe como está difícil de encontrar maus, maus mesmo.

- Graças a mim.

- “graças a mim”, “graças a mim”. Eles estão vindo pra mim, na sala de embarque, aí você aparece com essa luz toda sua.

- O que é que tem minha luz.

- Pessoal. – tenta novamente.

- Ei. Da pra dar uma licença estamos tratando de um assunto sério aqui.

Silencio.

- O que é que tem minha luz?

- Sei lá, acho que você está apelando demais para os efeitos especiais.

- Ah, eu to apelando?

- É!

- Eu, euzinho, apelando, é isso mesmo que você acha?

- Sim, acho.

- Então vamos falar de apelar. Quem aqui promete balada eterna, com mulheres nuas, comida, bebida e tudo o que tem numa boa orgia?

- Pera aí isso é diferente.

- Não é diferente não.

- É sim, você também faz um monte de promessas, paraíso, paz eterna, harmonia e outros. Alias que porra é “outros”?

- Ah é umas parada aí. Alias eu não sei por que estamos discutindo isso, já ta decidido que ele é meu.

- Sou seu?

- Não, que seu.

- Porra ta difícil hoje hein.

- Na verdade não ta difícil hoje, ta difícil faz tempo. Mas é que só hoje eu falei.

- Aí filho.

- Pera aí filho não, não vem com esse papinho de filho pra cima de mim.

- Ta bom Lu, o que voce quer?

- Ei vocês estão falando de mim, como assim quer ele, não quer ele? Do que vocês estão falando?

- Fica quietinho um pouco, se morto voce é chato assim imagina quando estava vivo.

Os dois assentem com a cabeça como se concordassem com algo pela primeira vez.

- Morto, como assim morto?

- Eu quero ele.

- Não, pede outra coisa.

- Quem são vocês?

- Eu não quero outra coisa, eu quero ele.

- Onde eu estou, da onde ta saindo toda essa fumaça.

- Eu não posso te dar ele.

- Eu to morto mesmo? Eu to me sentindo tão bem.

- Que gênio hein!

- Viu, você nem gosta dele.

- Eu não gosto de nenhum. Mas preciso deles.

- Será que eu posso saber do que vocês estão falando.

- Eu tava de passagem pra conferir o trabalho, aí resolvi buscar você pessoalmente e dei de cara com o Lucifer.

- É, eu to sempre aqui presente, não apareço de vez em quando igual você, tenho que acompanhar tudo de perto.

- Lucifer? Voce é o Lucifer?

- Sim por que, algum problema?

- Não, nenhum. Nenhum mesmo.

- Já estamos de saída. – vira as costas pra sair.

- Não Deus. Calma aí. Isso é injusto.

- O que voce disse?

- Deus?

- Oi?

- É injusto sim.

- Olha, se tem uma coisa que eu não sou é injusto.

- Eu devo estar sonhando.

- Cala a boca. – falam os dois.

- Ei!

- Ah não?

- Não.

- Fala tanto de livre arbítrio pra cá, livre arbítrio pra lá, mas basta eles falarem, ou pensarem, ou escreverem uma palavrinha e pronto já estão no reino do céus, o paraiso da harmonia e outros. Aquela porra deve estar com lotação máxima.

- Ei olha o respeito.

- Desculpa, mas é que é verdade.

- Quer dizer que eu vou pro céu.

- Vai!

- Ainda não.

- Já foi resolvido. Ele vai e pronto.

- Porra não da pra conversar com você. Você se acha o rei do universo.

- E é!

Deus assente com a cabeça.

- Puxa mais o saco dele.

- Um elogio é sempre bom.

- Um elogio, mimimi...

- Ih é melhor a gente ir indo, ele começou a ficar bravinho.

- Não to ficando bravinho.

Silencio.

- Ta, eu to. Mas é por que eu não aguento mais.

- Quer trocar de lugar comigo? Voce acha que é fácil ficar ouvindo tanta reclamação?

- Não, eu sei que não ta fácil pra ninguém. Mas é que voce já é o querido. Tem credibilidade e tals. Já fez seu nome, não precisa mais ficar fazendo marketing por aí.

- Xiii... Você é quem pensa. Toda hora aparece um me difamando. Ou prometendo coisas em meu nome. Sabe como é difícil explicar esse negócio das virgens?

- Pera aí mais quem se suicida não vai pro inferno?

- Porra eu até esqueci que voce estava aí...

- É, era pra ir. Voce está escondendo algo de mim Deus?

- Não. – olha para o homem. – cala a boca. – resmunga.

- Sabia que tinha alguma coisa errada. Nunca recebi nem um homem bomba lá. Até achava estranho, mas como recebo muito terrorista nem esquentava a cabeça.

- Pois é, que loucura – olha para o pulso – já ta na minha hora. To cheio de coisa pra fazer, vamos?

- Não acredito que você estava me roubando esse tempo todo.

- Não fala assim, roubar é uma palavra muito forte.

- Roubando sim. Na cara dura. E eu aqui todo honesto com você.

- Ah eu achei que tava fazendo uma coisa boa.

- E é uma coisa boa.

- Cala-boca. – fala o Lu. – Esperava isso de qualquer um, menos de você.

- Que isso, não fala assim.

- To muito sentido.

- O que eu posso fazer pra te recompensar.

- Não sei se eu posso perdoar tão fácil assim.

- Ah para, nem foi tão grave assim, só foram uns homens bombas.

- Uns pra você que tem quem quiser.

- Falando desse jeito, ta fazendo me sentir mal.

- Mas é pra ficar mesmo. Por que achei que tínhamos um acordo.

- E temos.

- Não parece. Depois de tantas eternidades de convivência, tudo o que passamos vários fins do mundo, guerras. Você me trai desse jeito. Se eu tivesse feito isso, tudo bem, por que eu sou o Diabo, todo mundo espera isso de mim. Agora você, Deus o exemplo, o onipotente, onisciente, onipresente.

- Pisou na bola hein.

Deus só fica em silencio. Lucifer vira as costa, abre uma porta de fogo ele vai em direção a ela.

- Pera aí que eu vou com você. – grita o homem. – porra porta legal hein. Tem balada e mulher mesmo.

Lucifer assente com a cabeça os dois somem na porta.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 12/02/2012
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