Cara, e se...

No bar, depois de algumas cervejas.

- Cara.

- Oi?

- Se você fosse pra uma ilha deserta.

- Ih eu to sem dinheiro.

- Pra que?

- Pra ir pra uma ilha deserta. Vou passar o carnaval em casa mesmo.

- Não, não to falando pra ir passar o carnaval. Se hipoteticamente você tivesse dinheiro e fosse pra uma ilha deserta...

- Se eu tivesse dinheiro não ia pra um ilha deserta, ia pra uma ilha cheia!

- Não, eu sei...

- Por que se eu tenho dinheiro, no carnaval, numa ilha meu amigo, eu ia fazer a festa. E ia ser tudo por minha conta. Você ia junto.

- Não, to falando.

- Eu pagava a sua. – interrompe.

- Não...

- A você não sabe o que ia perder. – interrompendo, novamente.

- É, se fosse tudo pago...

- Eu ia pagar tudo, tudinho!

Os dois fazem silencio e ficam imaginando como seria.

- Não, mas não é isso que eu to falando. To falando se te mandassem pra uma ilha deserta. Sem você ter escolha. E você só pudesse levar uma coisa. Só uma! O que seria?

- Eita, essa é difícil. Numa ilha cheia é mais fácil de imaginar.

- Não, mas essa é vazia, só você e você.

- O que eu levaria? Pode ser qualquer coisa?

- Qualquer coisa. Mas só uma!

- Eu levaria um barco. E com ele ia até a ilha cheia.

Algumas cervejas mais tarde.

- Bicho...

- Hum?

- Ei, fala direito comigo. To falando contigo na boa!

- Eu to falando direito, falei “hum”...

- Você não falou “hum”, falou “HUM”.

- E qual é a diferença?

- Sei lá, mas é diferente.

Silencio.

- Cara.

- O que foi amigo, querido, idolatrado, salve, salve...

- E se você descobrisse que vai morrer amanhã a noite.

- Por que? Eu to bem, não to sentido nada. Isola. – bate sete vezes na mesa.

- Pra isolar, tem que bater só três vezes na mesa.

- Mas eu isolei pra caramba.

- Ah... Então, não to falando que você vai morrer... to falando se você fosse, hipoteticamente, sabe SE, SE...

- Entendi...

- Então, SE você descobrisse que vai morrer amanhã, o que faria?

- O que eu faria?

- É, vinte e quatro horas de vida. Mais nada.

- Deixa eu ver...

- Vamos lá, seu tempo já está correndo...

- Você disse que era hipopéticamente.

- Hipotética...

- É.

Silencio.

- E aí?

- Calma cara eu tenho menos de vinte quatro horas de vida, o mínimo que você pode fazer é ter calma.

- Eu to calmo, mas você precisa agilizar não quer deixar nada pra trás.

- Pede mais uma cerveja que eu vou no banheiro.

- Agora?

- Cara, poderia ser minha ultima ida ao banheiro.

- Poh que exagero, você teria vinte quatro horas, dava pra ir mais vezes.

- Não, mas se eu descobrisse que vou morrer em vinte quatro horas não ia desperdiçar indo no banheiro. Agora pede outra cerveja que meu tempo ta acabando.

Muitas cervejas mais tarde.

- Cara

- Oi?

- Pra quem você está olhando?

- Praquelas duas irmãs.

- Lá só tem uma?

- Tem certeza que não são gêmeas.

- Certeza? – Da uma olhada pra conferir – tenho!

- Que pena, então não vai ser hoje que eu vou realizar o meu sonho de fazer amor com gêmeas.

Silencio.

- Cara...

- Oi?

- Se o diabo aparecesse aqui.

- Ah ele não apareceria.

- Como você sabe?

- Por que se ele aparecesse minha mulher avisaria que a mãe dela tava vindo.

Os dois caem na risada.

- Não, sério. Sério. Se o capeta

- É o diabo ou o capeta?

- Os dois são a mesma pessoa.

- Não, não.

- Claro que sim.

- Não, o diabo é o chefe e o capeta é funcionário.

- Da onde você tirou isso?

- Catequese.

- Não sabia que tinha feito catequese.

- Pois é, eu fiz, reprovei dois anos mas consegui terminar!

- Parabéns.

Erguem os copos, brindam, colocam o copo na mesa e fazem o sinal da cruz errado.

- Quem diria hein, você todo religioso.

- Pois é, se não fosse o vinho, hoje eu seria padre.

- Por que se não fosse o vinho?

- Por que padre tem que beber vinho, e eu não gosto de vinho, se padre bebesse cerveja eu ia ser o melhor padre da região.

Os dois assentem com a cabeça.

Silencio.

- Mas então.

- Então o que?

- Se o Diabo aparecesse aqui e dissesse que realizaria qualquer desejo em troca da sua alma.

- Um só?

- Só um!

- Porra, mas minha alma ta valendo pouco mesmo hein. Já ouvi pessoas que ele ofereceu três.

- É, mas estamos em meio a uma crise, sabe como é...

- Não tem como negociar?

- Não. É um só. Um desejo, qualquer coisa.

- Qualquer coisa?

- Qualquer?

- Eu ia pedir, praquela mulher ser gêmeas...

- O que?

- Ia pedir pra eu estar certo, e realmente elas serem gêmeas.

- Só isso?

- Se fosse só um, sim...

- Porra, tem tanta coisa pra ser feita e você ia pedir pra ela ser gêmeas...

- Sim, a alma é minha, que vai ter que trabalhar pra Ele sou eu...

- Ah eu vou pedir outra cerveja.

- Olha aí, e reclamando do meu pedido.

Todas as cervejas depois, o bar vazio e fechando.

- Cara.

Silencio

- Cara.

Silencio.

- Acorda!

- Vem pra cá gêmeas.

- Vamo embora.

- Já?

- O bar ta fechando.

- Ué, mas ainda ta cedo, nem escureceu.

- É mesmo, por que será que ta fechando.

- O dia clareou. – grita o garçom.

- Minha nossa eu não acredito.

- O que foi cara?

- Minha mulher vai me matar.

- O que você vai fazer? Já sabe que vai morrer, agora pensa no que vai fazer...

- Para de brincar cara.

- Tive uma ideia.

- O que? Falar que você ficou mal e eu passei a noite com você no hospital?

- Não.

- O que então?

- Fala que você ficou preso numa ilha deserta.

- Para, eu to ferrado. Minha mulher vai me botar pra fora de casa.

- Hum...

- Que foi?

- Cade o diabo com aquele pedido na hora que a gente mais precisa...

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 10/02/2012
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