A "NECESSAIRE" DA VOVÓ GENOVEVA
Eu a conheci certo dia, nesses encontros do acaso, quando aguardávamos pela consulta médica.
Vinha no auge dos seus noventa e sete anos e, embora eu lhe felicitasse pela conquista cronológica, ela parecia um tanto assustada.
Trazia consigo uma sacolinha tipo "necessaire" que agarrava consigo junto ao colo e percebi que a segurou bem forte quando o doutor a chamou.
"Não posso me esquecer destes apetrechos" me disse ela ao entrar no consultório.
Lá de dentro pude ouvir algumas palavras que despertaram a curiosidade do médico:
-O que traz aí, dona Genoveva?-me parece algo valioso...
-Ah doutor, sempre a carrego comigo, acho que hoje chegou a hora...
-A hora do quê, dona Genoveva?
-Ara doutor, a hora de todos, me sinto muito mal e tenho que me arrumar...
-Arrumar para quê?
-Para ir...doutor! Já estou atrasada...
-Para onde vai, dona Genoveva?
-Isso eu não sei doutor...
Eu estava tão curiosa quanto o doutor para saber do que se tratava aquela sua malinha, afinal, uma senhora italiana do início do outro século decerto que teria muito a nos ensinar quanto à sua cultura de época.
-O quê traz aí, afinal, dona Genoveva?
-Todos os meus preparativos, me diga como estou doutor, se o senhor me internou é porque é grave, então, eu sei que já devo me arrumar.
Ao esboço do semblante admirado do médico dona Genoveva abriu a necessaire e tirou de lá uma colônia refrescante, um pente, um batom e um vestidinho branco bem leve...
-É uma camisola, dona Genoveva?
- Não doutor, é uma mortalha, eu a carrego desde menina em todas as horas de dúvidas...a gente nunca sabe quando vai viajar, doutor...
(verídico)