DO DOUTOR JOÃO, QUE NÃO É DA TELEVISÃO!

Eu sempre relato por aqui as aventuras do doutor João, um personagem da vida, amigo meu de longa data, que trabalha lá pelas bandas dum distante postinho de saúde da cidade em que nasci.

Pobre do doutor João, que é um daqueles médicos requisitados, sempre bem presente na população, embora não seja ele da televisão.

Dia desses ele me contou que teve um problemão, e que descobriu bem recentemente que a tal da "pressão alta" é muito contagiosa, já prova que é sim, e ainda nem contou na televisão.

Depois deste seu caso, ele acredita que deve ser por isso que tem um montão de "doutô" sofrendo do coração por aí e batendo as botas bem de repente.

Dizia-me ele que aconteceu assim, com um de seus pacientes "importantes" e "doutos", graduados em medicina televisiva:

-Olá doutor, trouxe para "você" a minha mulher que se sente muito, mas muito doente mesmo! Já passamos por vários médicos e nenhum deles sabe o que ela tem, e embora eu já saiba o que é, mesmo assim resolvi vir até aqui.

-Até aqui para...

-Para explicar para "você" o que ela tem.

-E o que ela tem, então, o senhor poderia me adiantar?

-Tá aqui nos exames, é só "você" olhar aí, ora! Foi um remédio prescrito que a deixou doente.

-E quem pediu todos esses exames?

-Os outros médicos, um montão deles!

- E o que disseram aos senhores?

-Desistiram do caso, todos eles me me pediram para procurar outra opinião porque não sabem o que ela tem. É um diagnóstico difícil. E está tudo bem claro aí! Nos exames!

-Hummm, sei...nos exames tudo bem claro...

Depois que o doutor examinou direitinho a mulher e toda a coletânea de exames pedidos e ainda não lidos por quem os pediu:

-A senhora fuma, não?

-Já fumei e parei.

-Fumou quantos anos?

-Quarenta.

-Parou há quanto tempo?

-Há uma semana.

Então o doutor João raciocinou e ainda tentou lhes explicar pormenorizadamente tudo que ali encontrou...

-A senhora tem uma grave hipertensão induzida pelo tabagismo e já com muita repercurssão em todos os seus órgãos. E ainda não foi medicada...o que preocupa.

-Ah, mas eu não admito isso!

-O quê não admite, minha senhora?

-Que você me diga que eu sou fumante e que é grave!

-Mas minha senhora...me desculpe, mas para a medicina...

-É isso mesmo, não interessa a "medicina", ela já parou e pronto, que absurdo! E tem mais, chega de explicação, porque EU SEI que "doutor HOUSE" existe só na televisão- esbravejou o dedicado e exemplar marido.

Doutor JOÃO que, de fato, não é o HOUSE DA TELEVISÃO, muito longe está disso, mais uma vez, pacientemente, tentou lhes explicar tudo o que ocorria ali...

- Senhores, o remédio é esse, e... enquanto o senhor não conseguir um horário com o doutor House, que deve estar com agenda super lotada, eu a aconselho tomar o remédio. É tomar ou complicar...os senhores escolhem, fiquem a vontade.

-Posso até tomar, mas vou ler a bula antes. Se me der algum efeito colateral...E quando eu sarar vou parar esse remédio bem rapidinho...

-Ela nunca gostou de remédios, nem de médicos...

-Então eu lhe peço que a senhora não pare a medicação antes de chegar ao doutor House, porque o seu tipo de hipertensão não tem cura, ainda. E siga tudo o que o doutor House lhe disser daqui para frente, ok? Ele realmente é ótimo! Não aceite nehuma outra opinião e nem precisa mais retornar aqui.

E o marido:

- Não tem cura? A hipertensão dela não tem cura? Isso é o que nós vamos ver, d o u t o r! Isso é o que nós vamos ver!

E se ela se curar eu vou lhe processar...

Esta foi apenas uma das aventuras do meu amigo doutor João, pobre coitado, que não é da geração da televisão e que já sofre de hipertensão.

Afinal, "pressão alta" pega ou não pega?

Nota: Verídico. Deduzo que todos os padrões de comportamento ditados pela mídia , sejam nas reportagens ou nas obras de ficção muito se refletem no cotidiano. Infelizmente.