MORTINHA DE RISO...

Habituada a pegar em mim e ir passar um fim de semana num hotel qualquer, de uma localidade à escolha, sem que isso me pesasse no orçamento, lamentei com uma amiga o facto de agora já não o poder fazer. A minha amiga, altruista, explicou que tinha a casa da falecida avó, onde raramente iam, mas que dava perfeitamente para desopilar já que ficava num sitio magnifico entre o Luso e a mata do Buçaco. Explicou que a casa não tinha luz, só a mandavam ligar quando lá iam de férias. Por mim, desde que tivesse água e esquentador, eu raladinha, precisava mesmo era de mudar de ares.

A boa da minha amiga, ligou para o senhor Xico Silva, o velhote que ficava com a chave das casa desocupadas, para as ir arejando e a quem pagavam uma quantia simbolica. Explicou que era neta da Margarida e que uma amiga ia lá passar uns dias, para ele me entregar a chave e levar à casa.

Assim foi. O senhor Xico muito simpático, a casa pequenina e acolhedora.

Eu, tinha-me preparado como se fosse acampar. Numa casa sem luz não se habita, acampa-se. Curioso este pensamento.

Arregacei as mangas, limpei tudo o que havia a limpar, sempre com receio de que me aparecesse alguma aranha despassarada, e apareceu, mas nada que um gritinho não resolvesse.

A primeira refeição foi caricáta. Depois do banhinho tomado, pijaminha e toalha enrolada na cabeça, batem à porta. Assustei-me com o “truz, truz”. Sou do tempo em que os comboios faziam “pouca terra” e os telefones “triim triim”, mas o truz truz da porta ultrapassa-me completamente. Claro que sem luz não há “dlim dloom”, há “truz truz”. Ok! Já tinha dito.

Abreviando... o jantar foi caricáto porque atras do truz truz vinha uma malguinha de sopa e muitas mais se seguiram. Movidas pela curiosidade ou pelo hábito da terrinha, todas as vizinhas acharam que eu devia estar muito cansada para fazer o jantar, de modo que houve um pouco de tudo, inclusive uma tacinha de arroz doce, que devorei como se não houvesse amanhã. Mas houve! E logo pela manhã, quando eu me preparava para explorar as redondezas, deparo-me com o sr. Xico carregado de couves. Apetece-me dizer carregado que nem um burro, mas nao me parece bem. Ofereço-me para o ajudar e pasmem: aceitou a ajuda passando-me a bengala para a mão. Pois... e lá fomos nós, eu de bengala e o senhor Xico carregado (que nem um burro) com as couves e a coxear. Claro que como agradecimento me ofereceu uma couve, se me tivesse oferecido uma bengala era pior.

Já estou a divagar e tenho de abreviar. Os passeios magnificos pela mata do Buçaco, Fonte Fria, etc., ficam para depois. As minha idas ao Luso para beber café tambem. Curiosamente percebi que quando nos vêem desgrenhados e enlameados nos confundem ou com vagabundos ou com estrangeiros e lá bebi eu um café em inglês. Uma vez em Espanha acampei em francês, ainda hoje não percebi muito bem porquê. Calma! Não se pense que ando sempre desgrenhada e enlameada, às vezes não!

O que interessa aqui contar, e depois verão porquê, é que manifestando , a minha amiga, a intenção de pintar a cozinha e fazer uma alteração na logistica, eu resolvi, como prova de agradecimento e tendo em conta os gostos dela, ser eu a pinta-la. Comprei pratos, copos talheres e garanto que ficou mais barato que um fim de semana num hotel.

Ali passei oito dias sozinha, sem luz, sem net, com rádio a pilhas, muitas velas e uma lareira magnifica que me permitiu longos seõres. Lia, escrevia, fazia palavras cruzadas e jogava. Uma vez joguei ao burro contado e ganhei. Normalmente se somo dois fico em segundo, se somos tres em terceiro, ...sempre lugares de honra, portanto!

Com grande pena minha, chegou o dia de vir embora. Despedi-me da vizinhança e há que entregar a chave ao senhor Xico Silva. Aqui é que vem a parte mais complicada. Depois das despedidas feitas e já prestes a entrar para o carro, brada-me o senhor Xico: Cumprimentos à Margarida e ao marido. Upsss... pára tudo! A minha amiga é neta da falecida Margarida, não se chama Margarida, nem é casada.

Perceberam o que aconteceu? O senhor Xico Silva baralhou-se. Entregou-me a chave da casa errada. Casa essa que eu pintei, alterei... felizmente não deitei nada fora, arrumei tudo em caixas na despensa. Dá para imaginar a cara dos verdadeiros donos quando entrarem na casa...

Tentei explicar ao senhor Xico, mas acho que ele não percebeu lá muito bem. Não se cansava de enviar cumprimentos à Margarida e ao marido ...

NOTA: AQUELA CASA TINHA LUZ, BASTAVA LIGAR O QUADRO

Paula de Eloy
Enviado por Paula de Eloy em 01/12/2011
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