Aquele meu vizinho que atirou o saco de lixo pela janela expondo revoltado sua privacidade, percebeu essa ameaça à sua vida privada quando tomou consciência de que há mais de vinte anos não dava um passo sem tirar uma certidão, sem preencher um formulário (ah! As perguntas dos formulários!), sem preencher fichas e mais fichas com seus dados pessoais à secretaria de segurança, departamento de trânsito, receita federal, passaportes da polícia federal, provedores de internet, operadoras de celular, censos do IBGE, registros escolares dos 3 níveis de ensino, tribunal eleitoral, previdência social, cartões de crédito, serviços de proteção aos mesmos, RH da empresa, questionários da sua mulher, perguntas ferinas da sogra, enfim!... Empilhando isso tudo daria o correspondente a um edifício sobre pilotis; se reunisse todos os retratos 3x4 que já distribuiu, daria tranquilamente para cobrir os muros da cidade, isso sem falar nas assinaturas: juntando todas (inclusive as das promissórias) daria para preencher, sem exagero algum, a distância do Oiapoque ao Chuí.
Você até pode questionar a precisão estatística daquilo que meu vizinho enumerou. Porém, é indiscutível a justiça da sua revolta.
E tem outra coisa: na maioria dos países são poucas as pessoas com acesso a estes dados, mas numa sociedade como a nossa que adora uma futrica é impossível guardar qualquer segredo. Hoje em dia todo mundo sabe tudo. Veja o caso da CIA, a agência secreta com o serviço secreto menos secreto do mundo. A continuar assim, vai chegar o dia em que não teremos vida privada nem na dita cuja.
Quanto a mim vou mantendo como posso minha privacidade apesar de ter ficha em tudo quanto é lugar. Minha vida é um livro aberto. Até o serviço de limpeza urbana já reparou que adotei dieta macrobiótica. Será o caso de num sábado ou domingo reunir as páginas do meu livro que estão soltas por aí num mesmo lugar?