Almas penadas*
Zezinho trabalhava na padaria de seu Manoel, um português avarento da peste, a padaria ficava na Rua Padre Lemos em Casa Amarela, bem perto do cemitério.
Desde pequeno que ele tinha medo de alma. Além de trabalhar no balcão, fazia papel também de "pãozeiro" (anos 50 era quem entregava de madrugada nas casas dos clientes). Certo dia, quando passava pela calçada do cemitério, ouviu uma voz fanhosa:
- Ei, me dá um pão.
O susto foi tão grande que Zezinho derrubou o balaio cheio de pães e voltou às carreiras para a padaria mais branco do que cal. Só não viu o vigia "Fom-fom" (apelido de ter a voz nasal) morrendo de rir. Na padaria, o portuga carola tranqüilizou Zezinho:
- Fique calmo, Deus é pai. Vou descontar os pães de seu salário. Agora, você deve acender velas toda segunda-feira, à noite, para as almas penadas.
Zezinho pediu demissão na hora, dizendo:
- Alma, eu não quero ver mais nunca, nunca, nunca, nunca...
* Extraído do livro: "Miscelânea Recife", p. 124