Falarco Mela I

Comecei este conto e convido a quem se inspirar, a brincar disso.

Vamos dar continuidade à história?

Quem quiser, é só escrever e me mandar! Vou organizando com os devidos créditos.

Como proponente, dou-me o direito de editora, tá?

Abraços!

Falarco Mela

Era um homem de meias palavras. Adorava reticências. Achava que fazia um ar intelectual, de mistério:

- É... esse calor está mesmo me...

Mas, no fundo, no fundo, ele sabia que qualquer idiota completaria suas frases sem o menor esforço. Qualquer complemento óbvio diria exatamente o que ele queria dizer.

Seus sorrisos eram sempre de meia-boca. E tinha o irritante hábito de, ao fazer uma pergunta ou lançar suas reticências, arregalar os olhos e abrir levemente a boca, fazendo uma cara de espanto antes que o interlocutor respondesse à pergunta ou imaginasse o complemento da meia-frase. Logo encerrava o movimento facial com um dos seus sorrisos de meia-boca, porém, era um daqueles que não mostravam os dentes.

Trabalhava na repartição de segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h30min às 18h. Batia cartão e, a cada folha que despachava da sua mesa, quando a levantava para passar ao setor seguinte, em sincronia com o movimento do braço esquerdo, botava a ponta da língua para fora, de modo que tampava todo o seu lábio superior.

Tinha olheiras e mau hálito.

Mas isto não era problema já que muito raramente alguém se punha a conversar com Falarco. E, quando isto acontecia, era rápido e de longe.

Almoçava todos os dias no Tantuf’s, um restaurante supostamente de comida árabe que, uma vez por semana, servia tabule. Como odiava tabule, sempre às terças-feiras Falarco comia pão com mortadela na cozinha, bebendo café da repartição. Dona Eulália fazia duas xícaras a mais sempre às terças-feiras. Era a única manifestação de consideração à sua pessoa com que Falarco podia contar infalivelmente.

As mesas do Tantuf’s eram de madeira grossa. Antigas. E guardavam, impressas na camada de gordura igualmente histórica, as digitais dos seus tempos de glória, quando os poetas e intelectuais da década de 1950 compunham suas tuberculosas serenatas por ali. Era disso que Falarco se fiava para freqüentar o restaurante.

A mesa ocupada todos os dias por Falarco a partir das 12h13min, ficava no canto direito do pequeno e mal iluminado salão do restaurante. Estava sempre vazia. Porque ninguém suportava dividir uma refeição com ele. Nem os desocupados estivadores e chapas que freqüentavam o local. Carne ensopada com cebolas. Era o que o seu intestino permitia além do sanduíche de mortadela. Talvez da quantidade exagerada de cebola viesse o seu constante mau hálito, já que a boca, que raramente se abria, tinha condições de fermentar os restos que a escova de dentes não conseguia tirar. Falarco achava o fio dental caro demais.

De sobremesa, canjica com leite. Muito doce e salpicada com canela. Era o grande momento doce do seu dia, apesar da azia que se obrigava a suportar o resto da tarde. Mas as lembranças que o sabor provindo daquela tigela lhe proporcionava, compensava o sacrifício. E era por isso que, todas as quintas-feiras, passava na Farmácia do Alencar, onde pagava por mês, e se supria das suas inseparáveis cartelas de Pepsamar.

Às sextas, ainda sob o vapor do banho, cortava com uma tesourinha de cortar unhas, os pêlos sobressalentes do nariz. Isto o fazia espirrar, o que causava um estranho arrepio pelo corpo. E então se olhava no espelho do banheiro e pensava o quanto poderia ser bom ter uma mulher ao seu lado. Acreditava que só mesmo uma mulher seria capaz de fazê-lo sentir sensação semelhante àquela do espirro.