O NOVO MITO DA CRIAÇÃO (PARTE II)

O Criador fez o homem e a mulher e eles viviam na terra sem maldades, sem enfrentar perigos, sendo soberanos sobre os animais, conversando com o Criador e cuidando um do outro. Foram feitos para serem como a corda para a caçamba, o côncavo para o convexo, a chave para a fechadura. Perfeito encaixe.

O Criador observou que as naturezas eram diferentes. Dizem por aí que os opostos se atraem, no entanto, quando muito opostos acabam se chocando e se repelindo mutuamente. Observou que o homem era inquieto, queria buscar experiências novas, gostava de ser cuidado, era autoritário e como tinha sido criado antes da mulher, ela lhe deveria respeito e fazer o que ele mandava. A mulher era mais passiva, gostava de cuidar, de dar carinho, queria só um pouco de atenção, estava pronta para ajudar no que precisava. Sempre que o homem ia em busca de conhecer novos territórios, lá ia ela atrás dele, preocupada, pedindo ao Criador que acampasse os anjos ao redor do homem para que nada acontecesse a ele. A mulher tinha mais sensibilidade, aparência frágil e a pele macia. O homem era mais peludo, forte, a pele grossa, era um bico bruto. E a mulher o que queria mesmo era estar sempre perto do homem para se sentir protegida.

Mas existia uma criatura que estava à espreita. O Satanás, anjo decaído, observou todo o processo da criação do homem e da mulher, e viu que o Criador os amava... e muito. Movido pela inveja decidiu intervir e bagunçar com a paz que reinava. Concluiu que a mulher ao se dar tanto tinha ficado mesmo sem o juízo e maquinou investir sobre ela, uma vez que o homem era mais teimoso, determinado e que cederia facilmente aos encantos da mulher.

Transmutou-se em serpente e de forma suave e escorregadia aproveitou uma hora que o homem não estava por perto e disse à mulher que descansava justamente sob a árvore do conhecimento do bem e do mal, a do fruto proibido que o Criador deu ordem para jamais tocarem: "Querida, o fruto desta árvore é uma dilícia. Juro a você que o seu homi vai amá muito mais ainda você se der de cumê a ele do fruto". A mulher sabedora da ordem dada pelo Criador disse: "Mas não posso. Não tem outra forma do homem me amar mais?". E a serpente: "Não, queridinha. Se você cumê desse fruto e dé a ele pra cumê também, você vai sentí a felicidade invadí o seu coração, vai tê sensações que nunca teve, vai vê estrelinhas sem olhá pro céu, o homi vai pará de andá tanto e vai querê ficá só com você. A sua vida vai ser só alegria. Eu juro, miga!". A mulher "pensou" um pouco, sem fazer qualquer ajuizamento, e disse à serpente: "Você jura mermo? Me promete que não conta pra ninguém? Que vai sê um segrdo só entre nóis duas?". "- Mai é claro! Num vô deixá você na mão. Pode confiá que eu só quero o seu bem, miga", disse a serpente.

A mulher, que acreditava e confiava completamente no homem e que amava ele mais do que tudo na vida, pegou então do fruto, comeu e esperou o homem chegar. Ofereceu o fruto a ele dizendo: "Mô, tenho uma nuvidade. Uma fruta nova, tão boooooa. Come mô, é uma gostosura, dilícia mermo. Vai, mozinho, come, come, come!" Dizia isso e beijava o homem, que comeu do fruto e se sentiu mais forte do que antes, tomado por um fogo nunca antes tão intenso e vendo a mulher de uma forma tão diferente, mas tão diferente e bela, que ficou cheio de um sentimento que não tinha experimentado antes: o ciúme. Disse: "O quê minha frô do paraíso, você não pode mais saí se amostrando por aí. Os bichos vão vê você, frô mais formosa num tem. Vou cobrir nós dois com as fôias do pé da uva pruque o que eu tenho é só seu e o que você tem é só meu, e eu quero tudo bem guardadinho".

Passaram a noite e a manhã se amando de uma forma animal como nunca tinham feito. Estavam se sentindo maravilhados com aquele estado de excitação e êxtase. Arrependimento? Nenhum. Ainda disseram: "Mai como fumo bobos fazendo tudo o que Ele quiria. Nóis já divia tá era aproveitando tudo isso de tão bão que é. Agora é qui nóis tamo sabendo de tudo mesmo. Ninguém mais segura nóis".

À tarde, como era de costume, o Criador veio conversar com o casal. Chamou um tempão, mas eles estavam tão cansados que tinham caído em sono profundo. Quando acordaram com o trovão, pois o Criador chamou tanto que perdeu a calma, e viu que os dois não estavam mais pelados, Ele caiu na real e logo deduziu que eles haviam comido do fruto proibido da árvore do conhecimento do bem e do mal.

O Criador ficou bravo e mandou os dois, homem e mulher, para fora daquele paraíso. Tanto que tinha confiado neles... Botou um anjo na entrada do jardim para não deixar mais eles entrarem e anunciou o castigo: "De hoje em diante, bichinho, ocê vai ter que trabalhá pra cumê. Vai suá qui nem um condenado. Vai tê que dá cumida e casa pra muié e pros seus filhos. E ocê, bichinha, miga da serpente a marvada, vai sangrá todo mês para pudê renovar o seu sangue enganadô e as força, vai tê qui ficá de barriga crescida pruquê uma criança vai crescê dentro de ocê, ispichá o seu côro, vai tê muita dô para tê ela e dispois inda vai ficá cum os peito caído pruquê deles é que a cria vai ficá de bucho cheio, pelo meno pur um temppo. Vai tê que cuidá da casa, do seu homi e da cria. Vai tê que baixá a crista pra ele, sinhá traieira, pruque ocê não fez o que eu mandei, intão vai fazê agora o qui ele mandá. Vai deixá crescê os cabelos pra ele puxar quando ocê fizé coisa que num deve, e tudo sem dá um ai. Pra os dois saberem que quem dá as ordis sou eu, manda quem pode e obedece quem tem juízo, ocês depois de sofrê isso tudo e mais: de sentí dô, friu, calô, o istômbago ruendo, perca de sono, e mais outras coisas que num vô nem dizê agora, só vivendo pra vê, ainda vão morrê, vão voltá pru pó, a morte vai tá sempri tucaindo ocês que num vão tê paz, e o que ficá pur derradêro vai tê que sustentá as crias, butá comida na mesa, enterrá o difunto, sentí saudade e chorá muito, lágrimas de sangui... Você bichinha, ainda vai ficá inimiga da serpente, que vai ficar mais retada ainda cum você. Mas como eu sou bonzinho, ainda vô dá uma chance. Se vocês se arrependerem, pru mode que eu vou mandá ainda o meu filho pra tentá salvá ocês, eu deixo um dia ocês voltarem pra viver mais eu, pertinho de mim, mas só dispois de mortinhos da silva. Agora que já cabei, FORA DAQUI... Vocês vão vivê numa caverna na montanha e ai de ocês se chegarem aqui por perto."

Homem e mulher foram mandados simbora. Foram morar na caverna e tiveram filhos.

Satanás, o encardido, começou sorrindo às gargalhadas, mas quando ouviu o Criador dizer que ainda iria dar uma chance a eles de voltarem ao seu convívio, chance essa que ele, o capiroto, jamais teria, prometeu a si próprio nunca mais dar trégua ao homem e à mulher. E daí em diante até hoje e até onde ninguém sabe quando, ele vai continuar se mostrando como coisa bonita, chique de doer, mas que por trás esconde intriga, podridão, roubo, morte e destruição.

TECA FLOR
Enviado por TECA FLOR em 05/11/2011
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