O FANTASMA DE ELIZABETH

O FANTASMA DE ELIZABETH

Texto teatral original de

MARCO SANTOS

Devidamente registrado na

SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais

Sob o nº 30.603 / 22.06.1994

Personagens:

Adalberto

Elizabeth

Fernando

Este texto tem todos os seus direitos reservados e só poderá ser encenado com autorização oficial do autor. <contatomarcosantos@yahoo.com.br>

A luz se acende e o público avista em primeiro plano a sala de uma casa de campo. Há entre outros elementos decorativos um sofá ao lado esquerdo, um barzinho ao fundo, um janelão e um lustre. Na parede da sala há um grande quadro, com um desenho inspirado em Elizabeth. Mostra-se também o quarto com cama de casal, dois criados-mudos, telefone e um cabide vertical com algumas roupas penduradas, além de diversos outros objetos. Ouve-se ao fundo o som de vozes. Alguns segundos depois, a porta se abre. Entra um casal. Na frente, Elizabeth, que tem uma postura de madame, fumando um cigarro numa comprida piteira. Atrás, Adalberto, trajado esportivamente e carregando duas malas. Estão dando gostosas gargalhadas.

ELIZABETH --- Ah, Ah, Ah, Ah... você é mesmo um louco Adalberto, se continuar a dirigir mal assim, não viverá por muito tempo. E eu ainda concordo com a idéia de entrar num automóvel com você ao volante. Acho que a louca na verdade sou eu.

ADALBERTO --- Não é preciso exagerar Elizabeth. Acho que só estou um pouco fora de forma. Afinal, há seis anos que eu não pego num volante. Quero dizer... uma vez ou outra eu dirijo, mas é tão raro. Justo eu, que antes de me casar com você, era um excelente chofer de táxi. Agora... eu é que desfilo com um chofer, pra lá e pra cá.

ELIZABETH --- Ai, (fazendo cara de nojo) que cheiro horrível está aqui!

ADALBERTO --- Também esta casa de campo está fechada desde o ano passado. Exatamente há um ano atrás nós estivemos aqui. Foi o nosso quinto aniversário de casamento!

ELIZABETH --- Meu Deus Betinho... (senta no sofá) nem dá para acreditar que o tempo esteja passando tão rápido. Seis anos de casados. Parece que foi ontem que nos conhecemos.

ADALBERTO --- Sabe que eu ainda me lembro com detalhes do dia que você entrou no meu táxi. Você e aquele... aquele almofadinha do seu namorado.

ELIZABETH --- Não era meu namorado. Éramos apenas amigos, eu já disse isso a você.

ADALBERTO --- Amigos, sei. E aquele beijo na boca de quase dez minutos? Eu tive a impressão de que ele estava tentando sugar a sua juventude pela boca. Quando ele te largou, você estava até mole.

ELIZABETH --- Ai, ai... (suspirando) O Antônio Carlos era realmente quente.

ADALBERTO --- Quente? Ele mais parecia um pervertido sexual. Pensa que eu não vi a mão desse tal de Antônio Carlos alisando as suas coxas? Aliás, Antônio Carlos não. Cacá!! Não era assim que você o chamava?

ELIZABETH --- Adalberto! Como é que você conseguia dirigir e ao mesmo tempo observar o que fazíamos no banco traseiro?

ADALBERTO --- Questão de prática. Não dizem por aí que os fiéis ficam com um olho no padre e outro na missa? Pois nós, os motoristas, ficamos com um olho na estrada e o outro no banco traseiro.

ELIZABETH --- Na realidade eu e o Cacá nunca chegamos a ter um compromisso de fato. Aquelas coisas só aconteciam raramente e eu nem sei o porquê. O negócio dele era mesmo ir embora do Brasil, como acabou indo.

ADALBERTO --- E você não teve vontade de ir embora com ele?

ELIZABETH --- O quê? Deixar o Brasil definitivamente? Nem pensar. As coisas por aqui podem até andar ruins, mas é aqui que estão as minhas raízes.

ADALBERTO --- Olha, eu não estou muito a fim de ficar ouvindo você falar de seus ex-amantes.

ELIZABETH --- Adalberto!! Suas palavras fazem com que eu me sinta uma ex-vagabunda. Não se esqueça que naquela época, você também tinha um rabo de saia. Aliás de péssimo nível. Como era mesmo que ela se chamava? Tininha! Isso mesmo, Tininha!

ADALBERTO --- Cristina!

ELIZABETH --- Mas você a chamava carinhosamente de Tininha, não é?

ADALBERTO --- É... era.

ELIZABETH --- E que fim levou a fulaninha? Morreu?

ADALBERTO --- Nunca mais eu soube dela. Acho que nós teríamos até nos casado se você não tivesse aparecido em minha vida.

ELIZABETH --- Eu. A destruidora de lares.

ADALBERTO --- Eu não disse isso Beth. Mas é que nós já éramos noivos quando eu conheci você.

ELIZABETH --- Olha, vamos fazer uma coisa? Você não está interessado em ouvir falar do meu Cacá e eu não estou interessada em ouvir falar da sua Tininha. Vamos falar de nós dois e curtir o nosso passeio de aniversário de casamento.

ADALBERTO --- É... você tem razão. Afinal, é para isso que estamos aqui. Como vamos começar a nossa festa?

ELIZABETH --- Que tal se começarmos pela parte mais gostosa? (beija-o nos lábios)

ADALBERTO --- Se começarmos pela parte mais gostosa, vai perder a graça.

ELIZABETH --- Tem razão. Mas o que você sugere?

ADALBERTO --- Vamos fazer o seguinte. Com esse cheiro horrível, não sentiremos nenhum prazer em nossa comemoração. Vamos guardar nossas bagagens, depois damos uma arejada no ambiente...

ELIZABETH --- Aí você prepara algo para bebermos, enquanto eu tomo um gostoso banho que me deixará cheirosinha e novinha em folha.

ADALBERTO ---Perfeito! (beijo/escuro) (T).

(luz) Adalberto está de pé próximo à janela, com um olhar perdido no horizonte.

ADALBERTO ---(Chamando) Beth! O que você está fazendo?

ELIZABETH ---(Em off) Vou entrar no banho agora querido. Prepare o nosso aperitivo!

ADALBERTO ---Pode deixar meu amor...(um revólver na mão e um olhar frio) Eu vou preparar uma coisa bem quente prá você. (fica pensativo) Será que essa é a melhor maneira? Francamente eu não gostaria que fosse de forma tão violenta. (sorriso irônico) Que maldade. Ela foi sempre tão dedicada. (repentinamente) Cianureto!! É claro! Temos cianureto lá no sótão. Dentro da bebida vai ser perfeito... e menos violento (sai rapidamente (escuro/T/luz), retorna com um frasquinho nas mãos.) ---Perfeito, perfeito. Eu nem me lembrava que havia esta maravilha guardadinha aqui na casa de campo.

ELIZABETH ---(Ainda em off e de maneira dengosa) Betiiinhooo!

ADALBERTO ---Fala meu docinho de coco.

ELIZABETH ---Nossa... como você está carinhoso Betinho! Você não quer vir aqui esfregar as minhas costas? Eu estou com dificuldades.

ADALBERTO ---(Preparando a bebida) Eu adoraria meu amor. Mas se eu for aí, sei que não vou mais querer sair. E nós ainda temos que preparar o jantar juntos como combinamos que faríamos.

ELIZABETH ---É... você tem razão. Eu tenho que me controlar um pouco. Acho que é a emoção pela passagem do nosso sexto aniversário de casamento.

ADALBERTO ---(Para si mesmo) Seis anos de casados. Todos já se convenceram de que eu não sou aquele vigarista que pensavam. Os parentes e os amigos dela agora pensam: “Coitado, é tão dedicado a ela. E no princípio pensávamos que ele fosse um cafajeste dando o golpe do baú!”(gargalhadas) Está perfeito. Nos casamos com separação total de bens. Todos então imaginam que eu não tenha motivo algum, para me interessar pela morte da minha querida esposa. Só que o que ninguém sonha, é que ela tenha feito um seguro de vida milionário em nosso nome. Quem de nós dois passar desta para a melhor, deixa o outro com uma conta bancária escandalosamente gorda. E já que lá é melhor e como eu quero sempre... o melhor para ela. Ela que vá na minha frente! (coloca o veneno na taça./chama) Beth! Você já está pronta?

ELIZABETH ---Já estou indo querido! (ela aparece com um roupão de cetim que vai até o calcanhar e está de salto alto preto). Demorei muito?

ADALBERTO ---O suficiente para me deixar com saudades de olhar pra você!

ELIZABETH ---(Maliciosa) Só de olhar?

ADALBERTO ---(Pega as taças e lhe dá uma) Ô benzinho, olhar é modo de falar.

ELIZABETH ---(Interrompendo a ida da taça à boca) Ainda bem, porque hoje o que eu menos quero é ser olhada. Eu estou aqui para ser usada e abusada. (vai levando a taça à boca).

ADALBETO ---(Cara de louco) Pois eu prometo que você terá uma noite surpreendente meu amor!

ELIZABETH ---(Sem beber) Nossa! Você prometendo tanto assim... cuidado que eu cobro hem!

(Adalberto fica um pouco tenso e nota que Elizabeth percebe.)

ADALBERTO ---(Sorriso amarelo) Pôxa... tá um calor infernal, não está? Minha garganta fica até ressecada. (Bebe um pouco de seu drink).

ELIZABETH ---Betinho. Você está se sentindo bem?

ADALBERTO ---(Suando frio) Claro que sim. Só que aqui está um pouco abafado.

(Ela, com uma ruga na testa, leva a taça até a boca e vê os olhos de Adalberto se esbugalharem. Interrompe o ato de beber o drink.)

ELIZABETH ---Ah não Betinho. Você não está legal. (abandona a taça correndo para ele) Você está sentindo alguma coisa? É a sua pressão? A sua pressão deve estar baixa, deve ser isso!

ADALBERTO ---Não, não é nada meu amor. Eu estou bem. Pode tomar o seu drink. Vai, tome a sua bebida!

ELIZABETH ---Mas que está bem o quê? Eu te conheço Betinho! Você não está legal. Pálido desse jeito... onde já se viu?

ADALBERTO --- Para com isso meu amor...eu já disse que está tudo bem!

ELIZABETH ---Ah, não sei não meu filho. Lembra daqueles nossos amigos, o doutor Diego e a Marcilene? Saíram tão animados para comemorar um aniversário de casamento e o que aconteceu? O doutor Diego teve um ataque cardíaco e morreu. A Marcilene até hoje carrega este trauma.

ADALBERTO --- Acontece que o doutor Diego era doente do coração e eu, graças a Deus, tenho saúde de ferro. Pode ficar tranqüila que não estou morrendo. (Pega a taça dela) Se estou um pouco abatido, é por causa da viagem. É isso. É só um pouco de cansaço. Mas meu amor, você nem tocou no seu drink.

ELIZABETH ---Eu já vou beber. Mas antes...eu quero uma coisa.

ADALBERTO ---O quê?

ELIZABETH ---Que você veja a minha nova roupa íntima. Você disse tanto que gostava deste tipo de roupa, que eu comprei uma para usar especialmente hoje! (Repentinamente ela abre o roupão para mostrar que está usando espartilho com cinta-liga e meia calça 7/8, mas no ato de abrir o roupão, seu braço bate na taça que está nas mãos de Adalberto derrubando-a).

ADALBERTO ---(Desesperado) Com mil demônios!

ELIZABETH ---(Assustada e fechando o roupão) Betinho!!!

ADALBERTO ---(Desfarçando) Com mil demônios meu amor! Você está simplesmente demais! (Abraça a esposa).

ELIZABETH ---Estou mesmo?

ADALBERTO ---Ô! Você está de morte! (Beija-a. Abraça-a e o público vê a sua cara de contrariado / escuro.)

(Luz) O casal está no quarto dormindo. Adalberto levanta-se cautelosamente para não acordar a esposa. Vai pé-ante-pé para a sala, abre uma gaveta, retira o revólver e olha-o atentamente.

ADALBERTO ---É... já que não deu para ser de forma indolor, fazer o quê? O que não pode é deixar de ser esta noite. Se passar de hoje, as coisas poderão se complicar. (Olha para o telefone) Ah! Vamos ver como a Walkiria e o Pedro Antônio estão se saindo. Será que deu tudo certo na parte deles? (pega o telefone e disca um número) Boa noite! Por favor, eu gostaria de falar com a senhorita Walkiria de Oliveira, ela se encontra hospedada nesse hotel... Pois não. (T) Walkiria? Sou eu, Adalberto. Como foram as coisas com vocês?... Que ótimo... perfeito!...Quer dizer que o pessoal do hotel nem desconfiou que o Pedro Antônio está usando documentos falsos?... Que maravilha! Então, para todos os efeitos, eu estou instalado aí com você e como a distância entre esta casa de campo e a cidade onde vocês estão é absurda, ninguém poderá suspeitar de mim Walkiria!... Sabe, se algum dia eu me senti aborrecido quando as pessoas falavam da semelhança física existente entre o Pedro Antônio e eu, quero que ele me desculpe. Nunca pensei que uma pessoa que se parecesse razoavelmente comigo me fosse ser tão útil um dia. Meu amorzinho...nós estamos prestes a colocar as mãos numa grana preta!... Não, eu ainda não fiz o serviço. Ela está lá no quarto, dormindo feito um anjo! Eu vou providenciar para que o sono dela seja eterno. Adeus meu amor!... Outro pra você! (Desliga / escuro)

No quarto, Elizabeth parece ter um sono irriquieto e acorda ofegante.

ELIZABETH --- Betinho!!! Cadê você?

(Ele aparece, sombrio e com a arma a mostra)

ELIZABETH ---Betinho... o que está acontecendo?... Pra que essa arma?!

ADALBERTO ---Você pode não acreditar meu amor... mas eu vou sentir a sua falta. (Dispara três tiros contra a moça, que cai de bruços sobre a cama. Em seguida, o telefone toca. Adalberto fica transtornado olhando o cadáver de Elizabeth e ouvindo o telefone tocar. Atende, após o terceiro toque.)

ADALBERTO ---Alô?

(Em outra parte do palco, aparece Fernando falando de um celular).

FERNANDO --- Adalberto? Eu sabia que você estaria aí. Aqui quem fala é o Fernando Antônio, seu primo!

ADALBERTO ---Fernando?! Você está falando de Nova York?

FERNANDO ---Não, meu querido. Eu estou no Brasil. Não tive tempo de avisá-los.

ADALBERTO ---Mas o que você está fazendo aqui no Brasil? E o seu curso de cinema?

FERNANDO ---Estamos em férias. Mas eu explico tudo pra você já, já. Eu estou a quinze minutos daí da casa de campo.

ADALBERTO ---Quinze minutos?! Mas não dá tempo nem de enterrar a... (põe a mão na boca).

FERNANDO ---Como disse?

ADALBERTO ---Nada, eu não disse nada. Onde você está exatamente?

FERNANDO ---Eu estou aqui num vilarejo, bem pertinho. Eu estou ligando porque sei que você e a Elizabeth estão fazendo aniversário de casamento. Chegar de repente...vocês poderiam estar...desprevenidos. Tá me entendendo né?... Falando na Elizabeth, como ela está?

ADALBERTO ---A Elizabeth? (olha para o cadáver) Tá boa, tá boa. Mas Fernando, você não acha melhor ir para a Capital? Você está chegando agora de um país do primeiro mundo e além de estar vindo para o Brasil, ainda vem para um lugar afastado como esse daqui? Nem vizinhos temos... você se sentirá muito isolado. Na Capital você se sentirá melhor.

FERNANDO ---Você hem Adalberto? Sempre preocupado com o meu bem estar. Mas eu ainda prefiro a calma da casa de campo do que o barulho da cidade.

ADALBERTO ---Ai, eu tô fudido!

FERNANDO ---Tá o quê?

ADALBERTO ---Comovido! Eu estou muito comovido com as suas palavras.

FERNANDO ---Ora, o que isso Betinho? Olha... eu estou indo para aí! (Desliga)

ADALBERTO ---Espera, Fernando! Fernando! (Deixa o telefone e entra em pânico. Fica pensativo sem saber o que fazer. Cai em si e percebe que tem que esconder rapidamente o corpo da esposa em algum lugar provisório. Esta cena tem um fundo musical adequado para o pastelão que é, pois Adalberto joga o corpo da esposa nas costas e fica feito um louco zanzando pelo cenário, tentando escondê-lo em algum canto da casa, até que sai de cena e volta sem a defunta. Dá uma rápida arrumada no ambiente escondendo todas as peças suspeitas e senta-se no sofá da sala dando um grande suspiro. (Escuro)

(Som de tempestade / luz / Fernando está sentado na sala secando os cabelos com uma toalha. Adalberto, totalmente atordoado, observa o temporal através da janela.)

FERNANDO ---Viu que tempestade horrível? Nós estamos isolados aqui na casa de campo. Acho que por uns dois dias não teremos como sair daqui, até que a água escoe. Está tudo inundado!

ADALBERTO ---Vai ficar comigo aqui todo esse tempo?

FERNANDO ---Mas o que está acontecendo com você Betinho? Eu fico aqui o tempo que eu quiser. Esta casa de campo é tão minha quanto sua. Você perdeu cinqüenta por cento dela num jogo para mim, esqueceu-se?

ADALBERTO ---Não, claro que não me esqueci Fernando. Me desculpe, eu não queria falar assim com você.

FERNANDO ---Estranho... Estou achando você meio tenso... meio preocupado. Está acontecendo alguma coisa?

ADALBERTO ---Não. Não está acontecendo nada não. Tá tudo bem!

FERNANDO ---E a Beth? Até agora você não me explicou direito essa história dela ter ido embora.

ADALBERTO ---Pois é... ela teve que ir.

FERNANDO ---Mas justo no dia do aniversário de casamento de vocês? Ah, Betinho, você vai me desculpar... mas eu não posso deixar de achar estranho.

ADALBERTO ---Qual é Fernando? Dá um tempo! Tá, tá legal... nós tivemos uma briga feia e ela foi embora para casa.

FERNANDO ---É... pelo que vejo a Beth continua com um temperamento difícil.

(Adalberto não consegue disfarçar o tamanho de sua impaciência e tenta desconversar)

ADALBERTO ---Fernando... quando é que você pretende voltar para Nova York?

FERNANDO ---Provavelmente na semana que vem. Só vou fazer um contato com uns atores brasileiros para um trabalho cinematográfico que pretendo fazer em Nova York. Aqui, neste país, com certeza não conseguirei realizar o meu tão sonhado projeto. Talvez um dia, quando descobrirem por aqui, que um povo precisa tanto de cultura da mesma forma que precisa de comida.

(A chuva, o vento, os relâmpagos e os trovões continuam) Nossa! Como está chovendo forte. Até parece que estamos num daqueles filmes de terror, daqueles bem apavorantes. (Outro trovão e as luzes se apagam) Hi! Estava demorando.

ADALBERTO ---Ali no corredor tem velas e fósforos. (Fernando consegue localizar os objetos e acende uma vela.)

FERNANDO ---Agora, pra completar a história, só falta uma alma penada aparecer aqui para nos assombrar.

(Adalberto arregala os olhos)

ADALBERTO ---(Gritando) Fernandooo!!! Que conversa mais boba!

FERNANDO ---Ah, Ah, Ah, Ah, Ah, Ah! Betinho, eu só estou brincando. (Desconfiado) Que nervosismo mais fora de hora hem? (senta-se ao lado de Adalberto.)

ADALBERTO ---(Para si mesmo) Por que tinha que cair essa chuva?...Por que tinha que ficar tudo alagado?...Por que tinha que acabar a luz? Por que tinha que acontecer tudo isso??

FERNANDO ---(Preocupado) Betinho, abre o jogo comigo. O que está acontecendo realmente? Você está com os nervos à flor da pele! Ninguém, fica assim tão transtornado apenas porque brigou com a esposa. Aconteceu alguma coisa mais grave?

(A voz de Elizabeth ecoa pela sala:)

ELIZABETH ---(Em off) Não adianta mentir seu assassino. O meu corpo vai começar a feder logo, logo e ele descobrirá tudo!

(Adalberto dá um grito pavoroso saltando no colo de Fernando, agarrando-se a ele de maneira histérica.)

FERNANDO ---(Assustando-se) Mas o que é isso agora?... Betinho, que diabos está fazendo?

ADALBERTO ---(Em pânico) Era a voz dela... era a voz dela, você ouviu?

FERNANDO ---Voz de quem? Ouvi o quê??

ADALBERTO ---Não venha com piadas Fernando... você ouviu aquela voz?... era ela, meu Deus... era ela sim!

FERNANDO ---Betinho... você está usando drogas?... Claro, só pode ser isso! Você está viajando!

(Adalberto desgruda-se dele, saindo de seu colo.)

ADALBERTO ---Fernando, pelo amor de Deus, diga que você ouviu uma voz ecoando pela sala!

FERNANDO ---Eu acho que você está querendo fazer uma piada comigo. Eu não ouvi voz nenhuma e quer saber de uma coisa? Eu estou cheio das suas esquisitices. Vá pentear macacos! Eu vou me deitar e dormir. Tome uma vela. Eu vou para o quarto dos fundos. (Vai saindo) Veja se deita e dorme, amanhã é outro dia... Boa noite!

ADALBERTO ---Boa noite! (Logo após a saída de Fernando, Adalberto, apavoradamente vai para o seu quarto) ---Ô meu Deus... Tenha piedade!... Eu sei, eu sei que o que eu fiz foi errado... eu matei a minha esposa!... Ah, mas também ela não ía viver para sempre mesmo! Eu só adiantei um pouquinho as coisas... e foi por uma boa causa, eu estou precisando de muita grana!... Mas que eu ouvi a voz da desgraçada eu ouvi... ou será que foi alucinação?? Agora eu tenho que dar um sumiço naquele corpo, ou o Fernando vai acabar descobrindo tudo. Mas como é que eu vou fazer para dar um sumiço no corpo sem que ele perceba?... Mas mesmo que eu consiga desaparecer com o corpo sem acordá-lo, no final ele vai suspeitar que fui eu! ( fica pensativo / Tem uma repentina idéia) ---O Fernando é uma testemunha que poderá vir a se tornar o principal suspeito do crime... é claro! Ele não tem nenhum álibi e não poderá provar que eu estava aqui por causa do meu plano com a Walkíria e o Pedro Antônio no hotel. Eu vou encontrar aquele corpo, jogá-lo no meio da sala e dar o fora daqui nem que seja nadando... dou um telefonema anônimo para a polícia... eles aparecem pôr aqui logo pela manhã... e o Fernando será preso em flagrante! (Com a vela na mão ele caminha pé-ante-pé pela casa, desaparecendo de cena. (T) Repentinamente ouve-se Adalberto dar um pavoroso grito e voltar para a sala em total desespero com a vela nas mãos). Ai meu Deus, eu devo estar tendo um pesadelo! O corpo sumiu, meu Jesus do céu! Como pode ter acontecido isso? (Cai de joelhos e começa a rezar baixinho. Fernando chega por trás dele.)

FERNANDO ---Adalberto!! (Adalberto leva um bruta susto)... mas o que significa isso? (Adalberto ainda de joelhos agarra-se as pernas de Fernando).

ADALBERTO ---Pelo amor que você tem a Cristo, me ajude! Me tire desta casa agora! Vamos dar um jeito de sair daqui ou eu vou ficar completamente maluco!

FERNANDO ---Mas que ataque de loucura é esse agora?

ADALBERTO ---Por favor Fernando... não faça perguntas. Vamos sair daqui agora, enquanto podemos.

FERNANDO ---Betinho, ou você me conta o que realmente está acontecendo ou eu não poderei ajudá-lo.

ADALBERTO ---São alucinações, é isso. Alucinações terríveis. Acho que é algum tipo de perturbação mental.

FERNANDO ---E por que você está tendo perturbações mentais? O que será que está causando tudo isso?

ADALBERTO ---Sei lá... acho que estou com o sistema nervoso abalado. (levanta-se) Droga! Mas também não sei pra que tantas perguntas.

FERNANDO ---Ah... já entendi! Você não está querendo me contar, não é mesmo? Tudo bem... mais cedo ou mais tarde eu vou acabar descobrindo mesmo. Mas já que está tudo bem, eu vou para o meu quarto e você volta para o seu.

ADALBERTO ---Nããããão!!!

FERNANDO ---Não o quê???

ADALBERTO ---Quero dizer... sabe como é né Fernando? Essa história de alucinações me deixou um pouco assustado. Será que não daria pra você dormir comigo?

FERNANDO ---Francamente, Adalberto, você está parecendo criança!

ADALBERTO ---Por favor!

FERNANDO ---Ah, eu não acredito!... Tá certo, tá certo. Não precisa ficar me olhando com essa cara de bezerro desmamado... eu durmo com você! (Adalberto ajoelha-se e começa a beijar os pés de Fernando)

ADALBERTO ---Ô Fernando... obrigado, muito obrigado!

FERNANDO ---Pare com isso! Para com essa palhaçada Adalberto! Levante-se deste chão e vamos logo que eu estou morrendo de sono.

(Os dois, então, cada um com uma vela, vão para o quarto de Adalberto. Enquanto, atrapalhadamente, Adalberto veste as roupas de dormir, Fernando resmunga qualquer coisa, até que finalmente Betinho pula na cama.)

FERNANDO ---Não dá para acreditar! Eu vim dos Estados Unidos para ser ama-seca de um barbado!

ADALBETO ---Você pode reclamar o quanto quiser, desde que não me deixe aqui sozinho.

FERNANDO ---Só que por favor Betinho, vê se dorme sem roncar no meu ouvido. Boa noite! (Sopra a vela que está na mesinha de cabeceira do seu lado.)

ADALBERTO ---Boa noite! (sopra a outra vela. Música de fundo./T/Elizabeth aparece na cabeceira da cama e fica algum tempo olhando para os dois dormindo.)

ELIZABETH ---Miserável!! Nem bem me assassinou e já tem gente dormindo na minha cama! Está pensando que vai ficar numa boa né? Me matou e agora descansa confortavelmente para logo, logo, receber o dinheiro do seguro?... Nem morta!

(Adalberto se revira na cama, sob o olhar fúnebre e maquiavélico de Elizabeth. Parece estar começando a ter um pesadelo, sua respiração fica ofegante. Começa a falar coisas desconexas sobre Elizabeth, até que de um só salto acorda, pondo-se sentado na cama.)

ADALBERTO ---...Ô meu Deus! Por que comigo as coisas têm sempre que sair erradas? Um assassinatozinho bobo, me causar tanta dor de cabeça!!... Nem pra ser assassinada o diabo da mulher prestou? (Diversas expressões no rosto de Elizabeth ao fundo) ---Ela virou um fantasma!... Eu tenho que conseguir despachar essa alma penada direto para o inferno!

(Repentinamente, em tom alto, a voz de Fernando:)

FERNANDO ---Luz, câmera... (Adalberto assusta-se e Fernando senta-se com os olhos fechados )... ação! Atenção equipe! Todos para o set de filmagens! (Estende os braços para frente e Adalberto acende a vela que está ao seu lado) ---Atenção câmeras, eu não quero que percam um só ângulo desta cena! (Adalberto ilumina o rosto de Fernando. Elizabeth sai de cena sem ser vista.)

ADALBERTO ---Coitado! Ele não se curou do sonambulismo desde os tempos de criança!

FERNANDO ---Corta!! Eu quero mais ação! Eu quero mais garra! Tomada dois! Claquete... ação!! (Fernando levanta-se ainda dormindo.)

ADALBERTO ---E o pior é que eu não posso acordá-lo. A mãe dele sempre dizia que quando isso acontece, devemos nos preocupar só em trancar bem as portas e as janelas e deixar que ele volte sozinho para a cama. (Fernando vai saindo do quarto.) Bom, as portas e as janelas estão bem trancadas. Então meu amigo, pode vagar pela casa o quanto quiser. Eu é que não saio dessa cama enquanto o dia não clarear! (Adalberto sopra a vela e cobre-se. Algum tempo depois, Elizabeth se aproxima novamente da cama, olha atentamente para Adalberto com ar de deboche. Espreguiça-se profundamente, deita-se no lugar de Fernando, pega a ponta do cobertor de Adalberto, que está de costas para ela e o puxa todo para si, cobrindo-se.)

ADALBERTO ---Ué? Já voltou senhor sonâmbulo? Mas pegue um cobertor para você porque este aqui é meu. (Puxa novamente o cobertor para si. Elizabeth faz ar de indignação e torna a puxar o cobertor e Adalberto mostra-se irritado.) ---Ô Fernando, dá pra deixar eu me cobrir que eu quero dormir logo pra ver se amanhece mais rápido? (Puxa o cobertor mais uma vez e mais uma vez Elizabeth torna a puxá-lo.) ---Porra!!! Isso já não é mais sonambulismo não. Isso já é sacanagem! Acho que o meu próprio primo, meu melhor amigo de infância, está querendo me enlouquecer! Fernando! Fernando, o que está acontecendo? (silêncio) Ô Fernando! (silêncio) Ah, tá dormindo? Pois então deixa eu olhar bem para a sua cara. (Pega a vela de sua cabeceria e a acende, mas Elizabeth rapidamente apaga com um sopro, antes que ele possa vê-la.) Mas que palhaçada é essa agora Fernando? Vamos parar com essa brincadeira sem graça? Eu peço para você dormir comigo, porque estou com os nervos a flor da pele... (acende a vela) e você fica de gozação? (ilumina o rosto dela e arregala escadalosamente os olhos. Fica estático alguns segundos, sem emitir qualquer som. Em seguida, ele mesmo sopra a vela, toma fôlego e solta um grito terrível, desmaiando em seguida. / Escuro).

(Luz / Na sala, Fernando está à mesa na extremidade esquerda, tomando o seu café da manhã. Percebe a presença de Adalberto).

FERNANDO ---Conseguiu finalmente levantar-se da cama?

ADALBERTO ---Bom dia Fernando!

FERNANDO ---Bom dia!

(Adalberto senta-se na outra extremidade e começa a servir-se dos alimentos).

ADALBERTO ---Eu não sabia que você ainda tinha crises de sonambulismo! Ouvi dizer que essas coisas acabam quando nos tornamos adultos.

FERNANDO ---Ah... então foi isso? Tive novamente uma crise de sonambulismo? Agora está explicado o fato de eu ter ido parar na cozinha bem no meio da noite e sem saber como. Só me dei conta de que estava lá, quando despertei bruscamente com um grito horripilante... seu!

ADALBERTO ---Foi?

FERNANDO ---Eu não tinha conhecimento de que você, depois de velho, havia passado a sofrer de sonambulismo.

ADALBERTO ---Não Fernando, eu não passei.

FERNANDO ---Então, meu caro primo, você está sofrendo de caduquice precoce!

ADALBERTO ---Os anos passaram e você não perdeu a mania de querer enfiar minhocas na cabeça dos outros. Eu não estou sofrendo de coisa nenhuma! (Elizabeth, aparece sem ser notada, com um avental e chapeuzinho de copeira, carregando uma bandeija com um copo de suco de laranja e põe-se ao lado de Adalberto, que mecanicamente pega o copo) ---Obrigado!... Graças a Deus, mentalmente eu estou muito bem! (Elizabeth sai) ---Nunca precisei procurar nenhum médico por causa desse tipo de problema. Eu sou a sanidade mental em pessoa! (Engasga-se com o suco, ao perceber que Elizabeth esteve ali há poucos segundos. Fernando levanta-se para socorrê-lo).

FERNANDO ---O que foi meu Deus? Calma Beto... respira direito! Levanta a cabeça! Calma... calma! olhe para cima (bate nas costas de Adalberto que começa a se recuperar)... isso, calma! Calma!

ADALBERTO ---Eu estou bem ouviu? Eu estou ótimo!

FERNANDO ---Ah... percebe-se!

ADALBERTO ---(Depois de olhar por todos os arredores) Fernando... eu preciso lhe fazer uma pergunta.

FERNANDO ---O que é?

ADALBERTO ---Você é realmente meu amigo?

FERNANDO ---Claro que sim. Mas por que a pergunta?

ADALBERTO ---Até que ponto eu posso confiar em você?

FERNANDO ---Até o ponto que você julgar necessário.

ADALBERTO ---Que bom ouvir isso Fernando. Eu estou precisando muito me abrir com você!

FERNANDO ---Eu tinha certeza de que alguma coisa estava te sufocando Beto! Que bom que você resolveu se abrir comigo!

ADALBERTO ---Acho que se eu não contar agora, vou acabar enlouquecendo!... Eu cometi um erro terrível!

FERNANDO ---Aposto que está falando sobre você e Elizabeth!

ADALBERTO ---Em primeiro lugar eu quero que você acredite... eu sempre gostei muito dela!

FERNANDO ---É sempre assim... primeiro uma briga terrível, que parece o fim de tudo. Depois o reconhecimento dos erros e aí... o perdão!

ADALBERTO ---Nestes seis anos em que estivemos juntos, tivemos momentos incríveis, muito felizes!

FERNANDO ---Ah... as recordações dos momentos de amor!

ADALBERTO ---Eu nunca tive sequer, a coragem de olhar para outra mulher!

FERNANDO ---Fidelidade!... um único amor!... um só tem olhos para o outro!... não existe mais ninguém ao redor.

ADALBERTO ---Lembro-me com saudades do primeiro instante em que a vi. Eu não consigo explicar direito, mas foi amor a primeira vista.

FERNANDO ---A flexa do cupido! Um tiro certeiro no coração e zapt!... o amor está no ar.

ADALBERTO ---Nos prometemos tantas coisas!...

FERNANDO ---As eternas juras de amor!

ADALBERTO ---Ontem à noite, antes de você chegar... eu... eu a assassinei com três tiros!

FERNANDO ---A violência... um tempero forte e perigoso na receita do amor... “Eu amo... mas também mato!” (pensa e cai na real entrando em pânico)...vo... você fez o quê??

ADALBERTO ---Eu... (desesperado) eu a matei ontem à noite!

FERNANDO ---(Transtornado) Não Adalberto... você está brincando!!

ADALBERTO ---Não Fernando... (chorando) eu não estou brincando. Jesus, me ajude!

FERNANDO ---(Passado) Céus! Eu sabia que havia algo errado em você, mas jamais suspeitaria que você pudesse ter... ter feito uma coisa dessas! Como foi? Por que foi?

ADALBERTO ---Eu estava totalmente fora de mim. Eu... eu tinha que fazer isso Fernando, acredite!

FERNANDO ---Você não respondeu a minha pergunta! Qual foi a razão do crime?

ADALBERTO ---(Ar sombrio) Foi por dinheiro. É! Foi por dinheiro sim! Dinheiro! Dinheiro! Dinheiro!

FERNANDO ---Como por dinheiro Beto? Todos sabem que você e a Elizabeth se casaram com total separação de bens... você não tem direito a nada do que é dela. Mesmo porque, você assinou um termo renunciando a herança!

ADALBERTO ---Na herança eu não tenho direito. Mas há dois anos atrás, a Elizabeth fez um milionário seguro de vida em nossos nomes. Em caso de morte de qualquer uma das partes, a outra será beneficiada.

FERNANDO ---Você é um monstro!... Você acha que o pessoal da companhia de seguros não irá investigar esse assassinato?

ADALBERTO ---Eu sei que haverá uma investigação, mas eu fiz tudo direitinho. Jamais suspeitarão de mim!

FERNANDO ---Você havia planejado tudo?

ADALBERTO ---Tudo. Cada detalhe. Mas repentinamente as coisas se complicaram... e o pior de tudo Fernando... o corpo desapareceu e o fantasma de Elizabeth está querendo se vingar de mim!

FERNANDO ---Você ficou impressionado!... É o que dá... nunca matou nem frango e já começa logo matando a esposa!

ADALBERTO ---Eu quero te fazer uma proposta Fernando. Eu sei que há algum tempo, que você tenta desenvolver um projeto cinematográfico, mas ainda não obteve sucesso por falta de dinheiro.

FERNANDO ---É verdade. Mas onde você está querendo chegar meu caro Adalberto?

ADALBERTO ---Acontece que assim que a companhia de seguros terminar as investigações, eu entrarei numa nota preta!... Ajude-me a encontrar o corpo de Elizabeth. Faremos com que pareça que foi um assalto. Ela sentiu-se frustrada e solitária, porque no dia do nosso aniversário de casamento, eu tive que fazer uma viagem de nogócios e então, muito chateada, ela veio para nossa casa de campo. Como não há vizinhos por aqui, a coitadinha foi alvo fácil de um assalto, que terminou num terrível assassinato! Ajude-me a executar o plano e eu lhe darei o dinheiro para que você realize o seu projeto cinematográfico.

FERNANDO ---Todo o dinheiro?!

ADALBERTO ---O que for necessário!

FERNANDO ---Seria divino!

ADALBERTO ---Maravilhoso!

FERNANDO ---Uma grande produção!

ADALBERTO ---O sucesso tão esperado!

FERNANDO ---Tentador!

ADALBERTO ---Irrecusável!... Topas??

FERNANDO ---Eu topo!

ADALBERTO ---Sensacional!

FERNANDO ---Mas como você conseguirá provar que não estava com Elizabeth na noite do assassinato?

ADALBERTO ---Isso é fácil. Vamos procurar o cadáver... enquanto isso, eu vou lhe explicando toda a trama.

FERNANDO ---Está certo! (levantam-se e vão saindo)

ADALBERTO ---Você se lembra da Walkiria?

FERNANDO ---Aquela secretária boazuda?

ADALBERTO ---Ela mesma! Eu fiz um acordo com ela e com o Pedro Antônio... (Escuro / música).

(Luz / Adalberto e Fernando estão de pé na frente do sofá. Com ar de cansaço sentam-se e dão um suspiro.)

ADALBERTO ---Viu? Nem sinal do corpo dela! Eu não disse que alguma coisa havia acontecido? Eu não estava tendo alucinações... a Elizabeth veio se vingar de mim!!

FERNANDO ---Espera um pouco Beto... você tem certeza de que a matou completamente?

ADALBERTO ---Fernandooo!!... Não brinca que a coisa é séria!

FERNANDO ---Eu sei, não estou brincando! De repente, você só a feriu!!

ADALBERTO ---(Refletindo) Impossível! Foram três tiros certeiros e logo depois ela estava morta. Eu mesmo vi!... Eu até a arrastei para o sótão e a coloquei dentro de um saco!

FERNANDO ---(Com os olhos arregalados) Jack Estripador!!

ADALBERTO ---Ah, vá Fernando... sem ataques tá legal?

FERNANDO ---Como é que você pode ser tão frio?

ADALBERTO ---Fernando, pense um pouco. Estamos sem poder sair daqui. Daqui a pouco a noite vai chegar e o fantasma de Elizabeth estará de volta. Eu não sei se vou suportar!

FERNANDO ---Fique calmo Beto! Eu vou pensar em alguma coisa. Se esse fantasma existe, temos que dar um fim nele!

ADALBERTO ---E recuperar o cadáver que desapareceu.

FERNANDO ---Bem, eu vou até a cozinha preparar alguma coisa para o nosso almoço. Enquanto isso, vou pensando em algo. (sai de cena / o telefone toca).

ADALBERTO ---Ué! Só poder ser a Walkiria! (atende) Fala Walkiria!

(Ouve-se ao telefone, a voz de Elizabeth).

ELIZABETH ---Não, seu canalha... não é a vagabunda da sua amante não! Quem diria hem seu Adalberto? (Ele está duro feito uma estátua) O homem mais fiél do mundo!... Sabe que morrer tem lá suas vantagens? Daqui eu posso ver todas as cachorradas que você aprontou pelas minhas costas! Eu acreditava tanto em você, sabia? Eu realmente acreditava em tudo o que você me dizia!... E você... só estava de olho no dinheiro do seguro!

ADALBERTO ---Elizabeth... eu posso explicar.

ELIZABETH ---Explicar? O que você está pensando? Que isso aqui é uma pequena discussão conjugal, que você pede para explicar, inventa uma desculpa e tudo fica bem? (Imita a voz dele) “Desculpe-me querida. Eu so te matei porque estava nervoso, mas prometo que não faço isso nunca mais!”... Será que serão estas as palavras que você irá usar? E depois? Será que você vai me levar para a cama? Você não gostaria de ir para a cama comigo. Eu agora sou muito... fria!

ADALBERTO ---Me diga uma coisa. Você é uma alucinação não é?

ELIZABETH ---E alucinação fala no telefone, seu retardado?

ADALBERTO ---Esposas assassinadas, pelo que me consta, também não falam ao telefone!

ELIZABETH ---Engano seu meu querido. As coisas por aqui também estão bem avançadas. Atravessar paredes, flutuar pela casa e fazer piano tocar sozinho, já ficou fora de moda.

ADALBERTO ---Elizabeth, o que você está pretendendo?

ELIZABETH ---Quero que você vá até a polícia e conte tudo o que aconteceu aqui.

ADALBERTO ---Você está querendo que eu confesse o crime e me entregue?

ELIZABETH ---Só vou deixar você em paz, quando isso acontecer. Ou você confessa, ou eu infernizo a sua vida até levá-lo à loucura!

ADALBERTO ---Nuuuuunca!!! Isso eu não faço nunca, está me ouvindo. Me entregar para a polícia??? Jamais!... Eu vou ficar muito rico, muito rico mesmo... e sem você por perto! (bate o telefone na cara dela)

ELIZABETH ---(Em off) Sem educação!

(Fernando entra correndo).

FERNANDO ---Que gritaria infernal é essa Adalberto? O que está acontecendo?

ADALBERTO ---A Elizabeth está tentando me enlouquecer! Ela estava falando comigo... pelo telefone.

FERNANDO ---Pe...pelo telefone?? (Adalberto confirma balançando a cabeça)... Bom, criativa ela sempre foi né?

ADALBERTO ---(Em pânico) Ela quer que eu me entregue para polícia ou então me assombrará para sempre!

FERNANDO ---Então ela está querendo ferrar você!... É vingança mesmo!

ADALBERTO ---Ela quer me castigar por tê-la matado. (Fernando senta-se e começa a folhear uma revista) Fernando... ela está querendo me levar à loucura...e acho que já está conseguindo!

FERNANDO ---Calma, muita calma. Não adianta se desesperar assim...deve haver uma maneira de um marido conseguir se livrar do fantasma de sua mulher.

ADALBERTO ---...E se saíssemos da casa?... Isso mesmo! E se tentássemos ir embora?

FERNANDO ---Com o alagamento que está por aí? Será uma dificuldade!... Mas digamos que a gente enfrente toda a água que está por aí. Tudo bem, a gente consegue sair daqui, mas você acha que isso impedirá que o fantasma de Elizabeth continue a incomodá-lo?

ADALBERTO ---... É... você tem razão. Fernando, eu estou com medo de que a noite chegue. Tenho o pressentimento terrível de que algo do muito ruim irá acontecer. Temos que encontrar uma solução para este problema.

FERNANDO ---Acho que sei onde está a solução Adalberto!! Está aqui, em minhas mãos! (Fernando mostra para Adalberto, uma revista que está segurando.)

ADALBERTO ---(Lendo) “Exorcismo ao seu alcance: Faça você mesmo!”...Você acha que através das instruções dessa revista conseguiremos exorcisar o fantasma de Elizabeth e mandá-lo para o quinto dos infernos?

FERNANDO ---Pelo que estou vendo aqui... não é difícil. Eles dão as instruções passo a passo.

ADALBERTO ---(Empolgado) Então veja o que eles ensinam para um caso como o meu. (Fernando começa a folhear a revista)

FERNANDO ---Vejamos... “Fantasma de marido que persegue esposa”... “Fanstasma de sogra que persegue genro”... “Fantasma de avó”... “Fantasma de madrinha”... “Fantasma de enteada”...Ah! aqui está! “Fantasma de esposa que persegue marido!”

ADALBERTO ---Leia as instruções.

FERNANDO ---Vejamos. “Quando a causa da morte foi... doença... suicídio... acidente... “Assassinato pelo marido!!!!”... Numa noite em que o luar esteja visível...

ADALBERTO ---Como hoje por exemplo. A noite será de lua com certeza. A tempestade já acabou e o céu está limpinho.

FERNANDO ---... “Pegue uma roupa da falecida, de preferência um vestido. Coloque-o sobre uma mesa que esteja forrada de branco. Também sobre a mesa, coloque duas velas, uma preta e outra vermelha, dentro de um pires branco, ao lado um copo de vidro com água e sal grosso”... Ihh!! Mas onde vamos encontrar todo esse material?

ADALBERTO ---Ah, não se preocupe não. A falecida era chegadinha numa macumba. No sótão tem tudo isso e muito mais.

FERNANDO ---Que ótimo!

ADALBERTO ---Mas, continue!

FERNANDO ---Exatamente à meia noite, quando todos os que farão parte da ceita deverão estar vestidos de branco, acenda as velas. Reze em pensamento suas orações de costume. Implore com toda fé para que o espírito da falecida se materialize da maneira que puder. Quando isso acontecer, mostre-lhe um crucifixo abençoado e ordene a ele que volte para o reino dos mortos. Ordene quantas vezes forem necessárias, até que a alma penada obedeça. (Fecha a revista) Não me parece difícil!

ADALBERTO --- Mas é simplesmente horrível!

FERNANDO ---Mas é a única coisa que temos e de mais a mais, depois que se tem a coragem de dar três tiros na esposa na noite de aniversário de casamento, nada pode ser tão terrível assim. Como é? Vamos fazer?

ADALBERTO ---Já que não há escapatória...

FERNANDO ---Então, depois do almoço, reunimos todo o material e deixamos tudo arrumado para a noite.

ADALBERTO ---Ai meu Deus, faça com que tudo dê certo! (escuro / vinheta)

O cenário está vazio, há uma música de macumba ao fundo. A mesa está arrumada conforme as instruções da revista. Logo aparecem Fernando e Adalberto, totalmente vestidos de branco, usando crucifixos, guias e turbantes. Fernando carrega um defumador e Adalberto uma cruz meio exagerada. Param frente a frente.

ADALBERTO ---Meia noite!

FERNANDO ---Está na hora de iniciarmos o ritual. (Fernando fecha os olhos e concentra-se por alguns segundos.) Saravá meu pai!!

ADALBERTO ---Saravá!!!

FERNANDO ---Pode apagar a luz!

(Adalberto aperta um interruptor que há perto do telefone e mecanicamente deixa ali o crucifixo.)

ADALBERTO ---(Voltando para a mesa) A Elizabeth agora vai ver o que é bom para a tosse!

FERNANDO ---(Já sentado) Psssssiu! Vamos nos concentrar. (Dão-se as mãos) Elizabeth, onde quer que você se encontre...com todas as nossas forças de pensamento evocamos a sua presença!... Saia imediatamente das trevas... venha ao nosso encontro!... Elizabeth!... estamos evocando a sua presença para que você se materialize como puder!... Já é hora do seu espírito descansar em um outro mundo. Este mundo não mais lhe pertence. Vamos Elizabeth... materialize-se... agora!!

ADALBERTO ---(Rindo) Ihhh... nem sinal de Elizabeth!!

FERNANDO ---Psssssiu!... não perca a concentração. Não corte a corrente!... Estou sentindo alguma coisa... vibrações. Ela está a caminho! Vamos chamar com mais fé!... Elizabeth, eu sinto que você está querendo vir até nós!... Venha Elizabeth, venha!... Ela vai aparecer, eu estou sentindo!... chame por ela também!

ADALBERTO ---Aparece logo ô piranha!

FERNANDO ---Assim não Adalberto! Com respeito!

ADALBERTO ---Ah... me desculpe!... Elizabeth, minha filha!... você tem que se materializar. “O Fernando” quer ver você!

FERNANDO ---(Olhos fechados e concentradíssimo) Está ficando forte... ela está vindo!

ADALBERTO ---Elizabeth... (sempre olhando ao redor) Venha... apareça Elizabeth. Venha até nós!

FERNANDO ---Está chegando...

ADALBERTO ---Apareça Elizabeth. Apareça, precisamos muito de você!

FERNANDO --- Ela vai aparecer... Está chegando... Está chegando... (de repente Fernando começa a se debater, chacoalhando freneticamente a cabeça, emitindo com a boca um som parecido com um chiado contínuo, diante do olhar aterrorizado de Adalberto.)

ADALBERTO ---Fernando!... Fernando o que é isso?! Fernando, pelo amor de Deus!... Fernando!

(Fernando, finalmente, para de se sacudir e de chiar, faz um ar sério, penetra seu olhar no de Adalberto mostrando um certo ar de superioridade, batendo compaçamedamente o dedo indicador no queixo e a outra mão no quadril. Acende o cigarro da piteira na vela.)

FERNANDO ---Será que o caso era tão urgente para fazerem tanto escândalo chamando o meu nome?... Pronto... já estou aqui!

ADALBERTO ---(Totalmente assombrado) Fernando?!

FERNANDO ---Não seu assassino macumbeiro! Sou eu, a esposa que você dizia amar.

ADALBERTO ---Você entrou no Fernando?

FERNANDO ---Deixe de burrice Adalberto, nunca ouviu falar de mediunidade não?

ADALBERTO ---Pelo amor de Deus! Fique longe de mim.

FERNANDO ---Está com medo, seu sem vergonha? Estava me chamando feito um louco e agora não quer que eu me aproxime? Então me chamou por quê?

ADALBERTO ---Porque... porque... ai meu Deus... se quem está na minha frente é a Elizabeth, então, onde terá ido parar o Fernando?

FERNANDO ---Olha, eu não estou com paciência para ficar ouvindo você resmungar não Betinho!... Por que diabos me chamou com tanta insistência?

ADALBERTO ---Porque queria que você fosse embora!

FERNANDO ---Se queria que eu fosse embora, então não deveria ter me chamado seu imbecil!

ADALBERTO ---Mas é que eu quero que você vá embora para onde todos os mortos devem ir!

FERNANDO ---Para colocar as mão no dinheiro do seguro e ficar rindo às minhas custas? Nunca!

ADALBERTO ---Como você se tornou vingativa Elizabeth! Francamente! Você nunca foi de guardar mágoas!

FERNANDO ---Você é o assassino mais cínico de todos que eu já ouvi falar!

ADALBERTO ---Elizabeth... desaparece do meu caminho. Me deixe em paz! (cai de joelhos) Pelo amor de Deus, vá seguir o seu destino, eu estou implorando... eu não suporto mais!

FERNANDO ---Olha, eu posso até deixar você em paz... mas antes, pegue o telefone, ligue para a polícia e confesse o seu crime!

(Adalberto olha para o telefone.)

ADALBERTO ---Mas eles vão me prender...

FERNANDO ---Essa é a idéia meu querido! (Adalberto ainda de joelhos fica em silêncio) Vamos lá meu amorzinho... é só pegar o telefone... (Adalberto olha para “Elizabeth”, caminha dramaticamente até o telefone, tira-o do gancho... pensa... avista o crucifixo) Vamos lá meu amor... é só discar para a polícia! (rapidamente, adalberto pega o crucifixo e aponta-o para “Elizabeth”, que mostra-se amedrontada)... Betinho!!! Nãããããão!! (põe as mãos no rosto, cobrindo os olhos) Afaste isso de mim Betinho!

ADALBERTO ---(Dono da situação) Vamos ver quem é que pode mais sua miserável! (apontando o crucifixo) Eu ordeno que você saia de dentro do corpo de meu amigo!... vá cumprir sua sina longe daqui!

FERNANDO ---Betinho!!... vire isso pra lá!!!

ADALBERTO ---Vai de retro satanás! Abandone esse corpo... você não pertence mais a este mundo. Vá para o inferno que lá é o seu lugar! Eu ordeno... saia agora!!!

(Fernando novamente debate-se saculejando a cabeça e chiando por um bom tempo e cai desacordado no chão, enquanto Adalberto apavorado vai parar em cima do sofá. Adalberto aproxima-se cautelosamente e fica observando-o por um tempo. Fernando começa a recobrar a conciência).

FERNANDO ---Ai... minha cabeça! O que está acontecendo?

ADALBERTO ---Fernando... você está legal?

FERNANDO ---Estou com o corpo todo dolorido!... Mas o que foi que aconteceu afinal de contas?

ADALBERTO ---Aconteceu a coisa mais impressionante que eu já vi. O espírito da Elizabeth incorporou em você!!...

FERNANDO ---Incorporou em mim? Ah, você está delirando!

ADALBERTO ---Estou falando sério. Num minuto você era Fernando e no outro... Elizabeth!

FERNANDO ---Meu Deus... que loucura! E o que foi que aconteceu com ela?

ADALBERTO ---Acho que consegui mandá-la para o quinto dos infernos. Usei o crucifixo como mandava a revista!

FERNANDO --- Então, isso quer dizer que a coisa funcionou? Que você está livre do fantasma de Elizabeth!

ADALBERTO ---Exatamente!

FERNANDO ---E isso também quer dizer que você agora é um milionário!

ADALBERTO ---E que você poderá finalmente fazer o seu tão sonhado filme!

ELIZABETH ---Só se o papel principal for meu, queridinhos! (Elizabeth entra de repente, vestida como Marylin Monrow no clássico vestido branco, peruca loira e salto alto, com cigarro na piteira. Adalberto assusta-se, mas Fernando nada nota.)

FERNANDO ---Finalmente o meu projeto cinematográfico será realizado!

ELIZABETH ---(Fazendo poses exóticas) E eu serei a estrela número um do cast!

FERNANDO ---Ganharei muitos prêmios com o filme!

ELIZABETH ---E a academia, com certeza, me dará o Oscar de melhor atriz!

ADALBERTO ---Desgraçada!!

FERNANDO ---O que foi agora Betinho?

ADALBERTO ---É a Elizabeth... ela está aqui outra vez!

FERNANDO ---Não acredito!... (olha sem enxergá-la)

ELIZABETH ---Acredite querido. Sou eu mesma... em pessoa!... ou melhor: “em cadáver”!

FERNANDO ---Tem certeza de que é ela Betinho?

ADALBERTO ---Poderia ser o fantasma da Merylin Monrowe... aliás, seria muito mais interessante!... Mas não é! (arranca a peruca dela) É ela mesma!

FERNANDO ---Mas não pode ser!

ELIZABETH ---Ah... ele pensou que uma macumbazinha de revista barata fosse me dominar?

ADALBERTO ---Você não pode enxergá-la? Não consegue sentí-la?

FERNANDO ---Não... mas eu gostaria tanto! (Adalberto tira uma moeda do bolso e olha para Elizabeth.)

ADALBERTO ---O Fernando não consegue vê-la... Será que você não poderia provar para ele que está aqui, fazendo esta moeda mover-se ou flutuar? (música do filme Gosth, do outro lado da vida ao fundo. Olhares ternos e sofridos entre Adalberto e Elizabeth, num clima de paródia a uma cena do filme. De repente, Elizabeth dá um tapa na mão de Adalberto, quebrando todo o clima. A música desaparece.)

ELIZABETH ---Pare com essa palhaçada Betinho! Você anda vendo televisão demais! Aliás... falando em televisão, pergunte ao Fernando se ele não precisa de uma defunta talentosa como eu, no elenco do filme que ele vai fazer! (debochada) Pode ser a minha grande chance.

ADALBERTO ---Fernando, o que eu faço? Me ajude!

FERNANDO ---Betinho, só há uma explicação para tudo isso! Você está sofrendo de paranóia! Você vê e ouve coisas como um verdadeiro louco! Eu não tenho como ajudá-lo mais!

ADALBERTO ---Você não pode dizer isso. Precisa me ajudar!

FERNANDO ---Por que você não experimenta se entregar para a polícia? Um bom advogado poderá alegar insanidade mental.

ADALBERTO ---Está pedindo que eu me entregue para a polícia e seja trancafiado numa cela pelo resto de minha vida?

FERNANDO ---Trancafiado pelo resto da vida Betinho? Não fale besteiras, esqueceu que estamos no Brasil? A justiça brasileira permite que você seja assassino pelo menos uma vez! Vai demorar muito para que condenem você!

ADALBERTO ---Mas ainda assim, eu não quero passar por todo esse sofrimento... e não quero perder o direito a grana Fernando!

FERNANDO ---E por causa de grana você se arriscará a viver perseguido por um fantasma pelo resto de sua vida?

ADALBERTO ---Você está desistindo do plano?

FERNANDO ---Olha Betinho, eu gostaria muito de conseguir aquele dinheiro. Seria a realização dos meus sonhos... mas se para conseguir isso, eu tenho que acreditar na possibilidade desse seu fantasma começar a me perseguir também... eu desisto!

ELIZABETH ---E olha que eu persigo mesmo!... Eu sou perigosa hem!!

ADALBERTO ---(Ameaçador) E se chamassemos um padre hem Fernando? Um exorcismo de verdade!

FERNANDO ---Mais uma pessoa sabendo do assassinato?

ADALBERTO ---Não!... isso não!... (neurótico) este assunto tem que ficar só entre nós dois.

ELIZABETH ---Nós três!

ADALBERTO ---Você não conta!

ELIZABETH ---Conto sim!... Aliás, eu já espalhei para o além inteirinho que foi você quem me matou!

ADALBERTO ---Sua linguaruda!

FERNANDO ---Adalberto, eu não quero que você pense que eu sou um covarde, mas eu quero cair fora desta história!

ELIZABETH ---Rapaz esperto! Está com jeito de quem vai dedurar o primo!

ADALBERTO ---Fernando! Você está pensando em me trair?

FERNANDO ---(Surpreso) É claro que não Adalberto!

ELIZABETH ---Aposto que está!

ADALBERTO ---Aposto que está!... Tá querendo tirar o corpo fora!

FERNANDO ---Olha Betinho, se eu pudesse imaginar que uma coisa tão horrível fosse acontecer aqui, jamais teria vindo para cá!

ADALBERTO ---Mas você concordou!

FERNANDO ---Epa! Quando eu cheguei aqui, você já havia matado a sua mulher!

ADALBERTO ---(Voz alta) Mas depois você concordou com tudo!

FERNANDO ---(Gritando) Mas isso não te dá o direito de querer me incriminar!

ELIZABETH ---(Sarcástica) Gente, que clima tenso!

(Adalberto olha furioso para Elizabeth)

ADALBERTO ---Sua infeliz! Por que você tem que ser diferente das outras esposas assassinadas pelos maridos? Não dava para ter morrido normalmente como todas as esposas que os maridos matam? (Vai até a gaveta e pega o revolver apontando-o para ela)

ELIZABETH ---(Calmíssima) Vai me matar outra vez?

FERNANDO ---Betinho, pra que essa arma? (Adalberto atira contra Elizabeth, que mesmo tendo sido atingida, nem toma conhecimento)

ADALBERTO ---(De maneira alucinada) Ela tem que ser destruida Fernando! (Ele atira novamente, mas ela não está nem aí)

ELIZABETH ---Betinho, quer parar com isso! Eu não quero chegar ao outro mundo com uma aparência muito ruim, por favor! (Retoca a maquiagem olhando-se num espelho de mão)

FERNANDO ---(Agarrando Adalberto e tirando-lhe a arma) Betinho, você está perdendo o controle! Pare com isso! (Põe a arma sobre a mesinha).

ADALBERTO ---(Em desespero) Você tem que me ajudar Fernando... eu não posso terminar numa prisão!

FERNANDO ---Eu vou fazer o seguinte Adalberto... vou até o quarto, arrumo minhas coisas, dou o fora daqui e finjo que nunca fiquei sabendo do que aconteceu!

ADALBERTO ---Fernando...

FERNANDO ---Adalberto, saia já da minha frente que eu não quero ouvir mais nada! (Vai para o quarto, deixando Adalberto sem ação)

ELIZABETH ---Ihhh... acho que nem é mais preciso que eu te assombre para forçá-lo a entregar-se para a polícia... o Fernando vai dar conta do recado!

ADALBERTO ---Ele não vai ter coragem de denuncair o próprio primo!

ELIZABETH ---Vai ser a primeira coisa que ele vai fazer quando chegar na cidade!

ADALBERTO ---Com tanta água nas ruas, ele não conseguirá sair daqui!

ELIZABETH ---Como você é burro Adalberto!

ADALBERTO ---Por quê?

ELIZABETH ---Quando compramos esta casa e o corretor nos falou das possibilidades de enchetes nos arredores, qual foi a primeira coisa que compramos?

ADALBERTO ---Um barco a remo!!... fiquei tão transtornado que acabei me esquecendo disso!

ELIZABETH ---Aposto que seu primo não esqueceu!

ADALBERTO ---Se tivesse lembrado teria me dito!

ELIZABETH ---Será??

ADALBERTO ---Então... eu o obrigarei a ficar!

ELIZABETH ---E como pretende fazer isso?

(Adalberto, mudo, olha para a arma que está sobre a mesinha e a pega)

ADALBERTO ---Na hora certa... eu saberei o que fazer!

ELIZABETH ---(Falsamente espantada) Ohhhhh!!... pretende atirar nele também!

ADALBERTO ---Só se não me restar opção!

ELIZABETH ---Eu acho que uns quinze ou vinte anos de cadeia poupariam todo esse trabalho!

ADALBERTO ---Escuta aqui ô Pluft! Gasparzinho!... Penadinho de meia tigela!... Se você está pensando que eu vou me entregar para a polícia, perdeu a viagem que fez do inferno até aqui. Pode voltar para lá!

ELIZABETH ---(Ofendida) Não está escrito que eu vou para o inferno! Está escrito que eu vou para o céu!

ADALBERTO ---Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!... e onde é que está escrita uma besteira dessas!

ELIZABETH ---No seu cú!!!!!

ADALBERTO ---Ah!... quer dizer que depois de morta, além de vingativa você ainda se tornou sem educação?!

ELIZABETH ---Você não se entrega... mas ele (aponta para Fernando) te denuncia!

(Fernando está com sua bagagem)

FERNANDO ---Eu estou indo Adalberto!

ADALBERTO ---Você não pode fazer isso!

FERNANDO ---Eu não vou entregar você Betinho!

ADALBERTO ---Então por que sair correndo assim no meio da noite?

FERNANDO ---Porque eu não suportaria ficar aqui nesta casa nem por mais cinco minutos!

ADALBERTO ---E como é que você vai conseguir atravessar a enchente?

FERNANDO ---Eu me lembrei do barco a remo que está no sótão!

(Olhares conclusivos entre Adalberto e Elizabeth que dá uma piscadinha)

ADALBERTO ---Você não vai sair desta casa Fernando!

(Aponta-lhe a arma e miram-se olhos nos olhos)

FERNANDO ---(Pasmo) Betinho!... você está me ameaçando?

ADALBERTO ---Você vai ficar aqui até eu resolver esta situação!

FERNANDO ---Eu vou sair daqui agora e quero ver se você vai ter a coragem de atirar em mim!

(Fernando ameaça sair)

ADALBERTO ---Fernando... eu vou atirar! (atira, acertando-o em cheio.)

ELIZABETH ---(Com os dedos nos ouvidos) Saco!!! Lá se foi a minha chance de entrar para o cinema!

(Fernando cai por cima das malas. Elizabeth faz ar de surpresa. Adalberto permanece paralisado por alguns segundos, depois corre desesperado com a arma na mão, até onde o primo está caído)

ADALBERTO ---(Chorando) Fernando! Fernando!... Fernandooooooooo!!!... Meu Deus, o que foi que fiz?... Elizabeth, ele está morto!

ELIZABETH ---Juuuuura????

ADALBERTO ---Eu não queria matá-lo... Eu não queria matá-lo... não queria!

ELIZABETH ---Só falta você me oferecer dinheiro para ajudá-lo a esconder o cadáver!

ADALBERTO ---(Consigo) Eu tenho que estar sonhando, não é possível! (Enquanto Adalberto chora pelos cantos, sem falar coisa com coisa, Elizabeth pega o telefone, disca e fala com alguém sem ser ouvida pelo público)... Dois crimes... eu vou responder por dois crimes! Eu não tenho mais qualquer chance Elizabeth! (Percebe que ela está termimando de falar ao telefone. Ela desliga ao ser descoberta) Com quem você estava falando?

ELIZABETH ---Betinho... primeiro você me matou... agora matou seu primo. Alguém tinha que chamar a polícia!

ADALBERTO ---Você chamou a polícia? Maldita! (Deixa a arma sobre a mesa) Eu não quero apodrecer numa cadeia! Por que você foi fazer isso? (Corre até a janela e fica olhando para fora e por isso não percebe que Elizabeth rapidamente substitui a arma que ele deixou na mesa, por uma outra que ela tirou de algum lugar sob o seu vestido)

ELIZABETH ---Vinte anos passam rapidinho bobo!

ADALBERTO ---Daqui a pouco eles estarão aqui com helicópteros... armas pesadas... exigindo que eu me renda!

ELIZABETH ---Uau! Isso vai ser melhor do que filme de ação!

(Adalberto corre até a mesa e apanha a nova arma, julgando ser a que deixou lá).

ADALBERTO ---Nunca!... Eu não vou lhe dar o prazer de me ver acabar numa prisão!

ELIZABETH ---O que está pretendendo fazer? Vai tentar fugir?

(Adalberto, seguido de Elizabeth, entra no quarto. Ele senta na cama e ela fica de apé observando-o)

ADALBERTO ---É... eu acho que você pode dizer isso!

ELIZABETH ---Sabe que não vai adiantar... eles vão pegar você!

ADALBERTO ---Não no lugar para onde vou!... Eu passei esses anos todos vivendo com você na intenção de me tornar muito rico. Eu nunca amei você Elizabeth, era tudo um plano!... mas agora, este plano vai por água abaixo... e eu ainda vou lhe dar o prazer de me ver atrás das grades?... Sinto decepcioná-la meu amor...(Põe a arma no ouvido) Mas eu prefiro a morte! (Ela tapa os ouvidos para não escutar e ele puxa o gatilho. Depois do estouro, ele cai morto sobre a cama)

ELIZABETH ---Creeedo!!... Precisava ser tão barulhento assim? Eu não conhecia esse seu lado covarde Betinho!... Mas é assim mesmo... passamos tanto tempo ao lado de certas pessoas... pensamos que as conhecemos profundamente, e no final... elas nos surpreendem! (Fernando aparece dando a mão para Elizabeth)... Sabe Fernando, se não fosse pela ambição, ele até que seria um cara legal!

FERNANDO ---Mas muito distraído coitado!... Ele realmente acreditou que você havia ligado para a polícia.

ELIZABETH ---É... muito distraído!

FERNANDO ---Percebeu como ele nem ao menos foi verificar se a tempestade era real e se realmente havia um alagamento?

ELIZABETH ---Mas também... você foi perfeito em sua interpretação!

FERNANDO ---Nem tanto quanto você. Você realmente merece um Oscar! (Beijam-se)

ELIZABETH ---Quando fiz o seguro em nossos nomes, ele realmente acreditou que eu estava preocupada com o bem estar dele...

FERNANDO ---E você estava era falida. Mais dura do que ele, vivendo só de aparências!

ELIZABETH ---Já pensou se não tivesse dado certo?

FERNANDO ---Mas não tinha como falhar! O plano foi bolado há mais de seis anos!

ELIZABETH ---Nunca me esqueço quando você me falou desse seu primo otário. Doido para dar o golpe do baú... e eu precisando de um trouxa para fazer o seguro em nome dele.

FERNANDO ---Se você soubesse como ele ficou impressionado quando te viu pela primeira vez... não falava em outra coisa.

ELIZABETH ---Eu tinha tanto medo que ele descobrisse que eu já era sua amante antes de conhecê-lo!

FERNANDO ---Foi por isso que fui para Nova York. Apesar de só podermos nos ver, clandestinamente, quando eu vinha ao Brasil sem que ele soubesse... valeu à pena! Fiz o meu curso de cinema e pude usar tudo o que aprendi na montagem dos truques da casa.

ELIZABETH ---Ah!!! Os efeitos especiais. Revólveres que atiram, mas não matam. Vozes ecoando pela casa através de sonoplastia... telefone trucado, chuva nos arredores da casa...

FERNANDO ---Relâmpagos... trovões!

ELIZABETH ---Perfeito!... você foi ótimo!... Fico lembrando de todas as jóias que vendi para continuar mantendo as aparências e fazer investimentos no plano!

FERNANDO ---Mas o que será pago no seguro é quase quinze vezes mais!... “O marido descobre que a mulher tem um romance secreto, onde o amante é o primo dele, que também era seu melhor amigo!”... ao dar o flagrante bem no dia de um aniversário de casamento... não resisitiu e suicidou-se!

ELIZABETH ---Está perfeito!... Mas não tinha como dar errado... somos inteligentes demais para cometermos erros!

(OS DOIS) ---A dupla perfeita!! (Beijam-se. Ela vai até o telefone e disca)

ELIZABETH ---(Com voz melancólica) Alô!... é da Delegacia de Polícia?... Eu gostaria de comunicar um suicídio!! (Música final / Escuro)

FIM

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Enviado por palcodomarcosantos blogspot com em 25/10/2011
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