Churrasco na casa nova.
Finalmente você conseguiu comprar aquela casa de praia. E quando digo casa de praia quis dizer casa de praia mesmo! Cinco quartos, cozinha dupla, sala ampla e piscina com um coração desenhado no fundo.
É preciso inaugurar! Com uma festa de aparecer nas colunas sociais e deixar a cunhada invejosa se mordendo por dentro. Sim senhor! Aquela sujeitinha que vivia dizendo para a irmã “onde já se viu casar com um traste como esse?” todo santo dia, só porque estava casada com um empresário no ramo de informática que hoje vive escondido da polícia federal, sabe-se lá onde.
Antes precisa chamar a filha adolescente e pedir por todos os santos para ela não convidar o Zóinho.
Ela faz cara feia e reclama que você é um chato, que seus amigos são chatos, que todo mundo é chato, mas você faz pé firme. Sua esposa fica em cima do muro com medo de também ser chamada de chata.
Antes deixa eu explicar porque não o Zóinho.
É um ex-namorado da filha. Cheio de tatuagens, filho de um vereador metido a besta, que mal bebe duas cervejas quer brigar com qualquer um que passar no seu raio de visão; autor de peidos monumentais que empesteiam o ambiente e se bobear passa a mão em tudo. Inclusive na bunda da patroa, que não entende como uma menina tão meiga, tão doce, pode namorar um porco como ele. Aí você cita o velho chavão”toda mulher diz que adora um homem educado e fino, mas quase sempre se apaixona por um cafajeste” recebendo como recompensa um olhar atravessado. Então,já que a briga é inevitável,complementa, : Se houver um único cafajeste no mundo, é capaz da Sheila se apaixonar por ele. Vai ter faro assim na China!
Os convidados começam aparecer.
A cunhada, a do foragido da justiça, com um rapaz de 18 anos a tiracolo e um menino de 7, que mal entra joga o gato na piscina. A patroa derruba o jarro de batidinha e sai correndo salvar o bichano enquanto você faz cara de tacho limpando o chão melequento vendo o moleque apertar tudo quanto é botão do aparelho de som, que só a primeira prestação foi paga.
Seu chefe de repartição faz rumrum olhando tudo só para falar mal de você e das porcarias que tem em casa no próximo dia de trabalho.
Os vizinhos da quadra de cima aparecem sem serem convidados trazendo o cachorro. Cachorro é o que a natureza diz. Na realidade é um cavalo disfarçado. Um buldogue de 90 quilos de músculos e banha, que mal entra faz cocô no tapete. Outros convidados aparecem, uns que nunca viu na vida. Devem ser convidados da mulher, pensa, enquanto caminha para a churrasqueira, imaginando se a carne vai dar. A cerveja tem certeza que não, a ver pelo apetite do namorado da cunhada que já entornou cinco nos quinze minutos anteriores.
O avô pergunta se não viu a dentadura que sumiu. Como um filme de terror em câmera lenta, as cenas se encadeiam. O sorriso cínico do menino na direção do ponche. O terror. A dita cuja boiando no meio dos pedaços de frutas. A rapidez em tirar a peça nojenta, torcendo que ninguém tenha visto.
Algumas amigas da Sheila colocam biquínis e vão para a piscina. Sem maldade alguma você olha na direção delas. A patroa do outro lado com a cabeça faz sinal que viu e num gesto claro simula sua castração. Sentada na cadeira com a calcinha à mostra, a cunhada murmura: Pouca vergonha! Elas tem idade para serem suas netas! É o momento em que você sente vontade de enfiar ela no espeto e não as lingüiças.
Uma das vizinhas trouxe o neném de um ano e entra com ele na piscina. Um pouco preocupado você olha, exatamente ao mesmo tempo que a patroa do outro lado também te olha recriminando,na certeza que você está espiando as meninas.
Um barulho ensurdecedor vem da sala. Largando a churrasqueira você dispara para o local bem a tempo de chorar pela cacaiada que sobrou dos cristais. Uma das crianças pendurou-se na prateleira e ela veio abaixo. Num tom mais baixo mas não menos aterrorizante o CD do Sepultura eletriza a casa num tum-tum tribal.
Lógico,nem dez minutos depois a Polícia aparece e dá uma dura em todo mundo. Que ninguém é obrigado a ouvir o que não quer, principalmente os que estão a mais de cem metros da residência.
Um burburinho na piscina. O neném fez cocô . Uma mancha amarelada se espalha num círculo imperfeito enquanto as pessoas tentam desesperadamente sair da água e escapar da fétida armadilha. Alguns conseguem.
Uma das amigas da sua filha pisca escandalosa pra você. Já ouviu comentários que ela é uma piranhinha e vive dando em cima de tudo quanto é homem mais velho. Isso faz bem ao seu ego e poderia até pensar besteiras mas a patroa rondando e a cunhadinha sacana doida pra te ferrar estão de olho. Isso faz com que descarte na hora qualquer outro pensamento que não seja o de assar carne.
Que cheiro estranho é esse?
Simples: o cachorro-cavalo acabou de fazer xixi na carne.
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Duas horas mais tarde a maioria dos convidados foi embora. Só restaram a cunhada dando amassos escandalosos no namorado dela, bem ali perto da piscina à vista de todo mundo; o moleque que jogou de novo o gato na água; o vovô dando uma cochilada na cadeira, a dentadura cai não cai da boca; o chefe da repartição com uma cara de sacana passando a mão nas pernas da amiga galinha da sua filha; duas ou três pessoas que é a primeira vez que vê na vida; sua mulher de cara emburrada e um soldado que voltou de novo com a viatura por causa do barulho,acabou ficando e conversa animado com uma gostosona, os seios quase estourando a parte de cima do biquine.
Finalmente um pouco de paz, você pensa se preparando para comer mais um pedaço de carne e tomar uma cervejinha quando sua filha dá um grito e sai correndo em direção da porta da frente.
É o Zóinho e sua turma que chegaram. E acabaram de dar um pontapé no gato que sai mancando, respingando água em todo mundo.