A Lagarta…(baseado em factos reais…)
Durante o estágio do meu curso surgia uma divisão interior na hora do jantar…: Tentado entre as cantinas universitárias dos grelhados, onde por bom preço eram servidos pratos ao nível de alguns bons restaurantes da cidade, ou então por uma recente cadeia de restaurantes de comida rápida do mesmo preço, mas este tipo de comida vale o que vale como se sabe…A tentação era maior pelo facto deste tipo de estabelecimentos serem novos na cidade…Era pois a tentação da novidade acrescida aos tais sabores banais, artificiais, mas que por serem novos originavam a tal dúvida entre o bem comer e o paladar…e no fim desta “cadeia alimentar” ficavam as cantinas vegetarianas, as favoritas das minhas colegas de estágio, mas bem longe do meu palato…
Devo entretanto fazer a ressalva de que as Cantinas Universitárias da minha cidade serem as melhores do país, de higiene e qualidade irrepreensíveis, mesmo exemplares…não sendo pois o módico preço que constituíam o único atractivo…
Durante meses alternei pois os tais “restaurantes” de comida rápida com as cantinas, conseguindo sempre arranjar desculpas para não ir às vegetarianas…Mas éramos uma equipe solidária no estágio, no trabalho, e por uma questão de mera solidariedade lá acedi um dia aos apelos das minhas colegas e fui jantar a um cantina vegetariana…
A comida de facto era boa, apetitosa, mas francamente a mim não me dizia nada de nada, e por isso a meia hora do jantar pareceu-me um dia inteiro, do tipo de refeições semelhantes á dos banquetes de certos casamentos: nunca mais acabam, com a diferença de neste tipo de festas serem vários pratos, ao passo que naquela bendita meia hora era apenas um mero prato, até pequeno, mas que me parecia um prato enorme, que nunca mais acabava…
Felizmente que só cheguei a comer meia refeição, pois a mesma natureza que me parecia demasiado crua veio em meu socorro…:
No tal meio da refeição, em pleno universo verde nutritivo os meus olhos encontraram uma superfície branco-pálido que se mexia, uma enorme massa que olhava para mim na superfície de uma alface…de tal ordem relevante que as minhas colegas repararam nela, apesar de estarem a uma boa distância de mim na mesa…
Sim, a minha salvação veio no corpo de uma enorme, bela e biológica Lagarta…
Já me conhecendo bem, e não querendo dar nas vistas, as minhas colegas pediram-me em voz baixa para nada dizer e para colocar a dita lagarta no lixo…e fingir que nada se passou…
Como seria fácil de adivinhar fiz exactamente o contrário…:
“Eu seria incapaz de fazer mal a um animal, especialmente a animais de estimação, e esta lagarta pelo seu tamanho é um animal de estimação, e assim não a mato, não a coloco no lixo, levo a dita lagarta antes para casa que não tenho um animal de estimação…”
Disse em tom bem disposto e numa voz tão alta que meia cantina reparou em mim, e a dita cantina era bastante grande…
Como cantina universitária que era a coisa não foi o escândalo que teria sido num restaurante normal, o ambiente relaxado e a excelência do serviço fez com que aquela lagarta não fosse um caso de atentado a saúde pública, mas um mero acaso isolado…
O que é certo é que de um mero aluno entre tantos alunos e alunas, a coisa da lagarta fez de mim alguém mais visível, eu pelo menos me senti menos invisível quando por lá passava ocasionalmente para ir ter com as minhas colegas, porque a minha “solidariedade gastronómica” ficou por aquela refeição…que mal acabou fez com que me enfiasse no tal estabelecimento de comida rápida mais próximo e assim ficasse com a falsa sensação de ter tido uma refeição mais completa, ou pelo menos que me tirou o apetite…
Por uma destas ironias em que a vida é por vezes pródiga, dai a poucas semanas um vulgar hambúrguer deu-me uma cólica tão grande que fiquei dois dias em casa a dieta, a chás a recuperar…Hoje inquiro-me porque diabo não apareceu uma lagarta em cima do tal hambúrguer…tinha-me poupado horas de sofrimento…
Talvez porque as lagartas na sua irracionalidade são mais espertas do que nós, e só escolhem os melhores alimentos…
Mas tudo na vida é aprendizagem e tem um lado bom…: hambúrgueres hoje só como em casa e depois de os ter escolhido num talho, onde peço que mos façam, com a carne que eu escolho, carne que depois frito em azeite bem mediterrâneo, condimentando a dita carne com os sabores naturais que escolho, e com uma enorme dose de salada do campo, que tenho o cuidado de verificar, pois ia ficar mal com o mundo e com a minha consciência se a meio da refeição de forma involuntária fizesse parte desta um animal de estimação…