LAGARTIA: CAPÍTULO 1
Era mais um dia quente em Lagartia.
”Ah, o que eu não daria por um pouco de água...” – Aloc deixou escapar.
“Eauheaheuheheuheeueaaheuueu... MAS QUE ISSO QUERES AGUITA QUERES VOU TE DARLHE AGUITA!!!!!!!!!!” – Dizia Willys, o louco, dançando ao seu redor, balançando as correntes que prendiam-nos uns aos outros.
“Algum de vocês podia dar um jeito nesse idiota?” – Perguntou para os guardas lagartos, que comandavam a comitiva de escravos humanos da qual ambos faziam parte. Já não bastasse uma vida inteira de servitude pela frente no calor daquele planeta, ainda tinha que agüentar aquele maluco falando asneiras.
”Vosssess ssssão engrasssssssssadosss, humanosssss” – Disse o soldado lagarto de dois metros e meio, demorando exatos 47 segundos para completar a frase.
O sol escaldante fazia os pés de Aloc queimarem mais a cada passo que dava na areia, e eles ainda caminhariam por várias horas. Suas algemas de metal causavam marcas nas mãos, mas essa dor não era nada, comparada com as chicotadas que os lagartos lhes davam de tempos em tempos, ou as piadas de mal gosto que insistiam em fazer.
“Sssssabe o que é melhor que um humano?” – Perguntou um lagarto para o outro.
“O que?”
“Muita coissssssssa.”
“SHHUSHUHSUSHSUSUSUHSSHSSSAHSHSHSHUSHUSHUSHU”
Quando não eram eles, era Willys.
“VAMPRA TERRENCANTADA ONDE AS GAROTAS SÃO PEITUDAS E OS LAGARTOS VERDES!!” – Gritava o louco, fazendo os lagartos rirem sua risada reptiliana e soltarem o Suco de Humano pelo nariz.
O Suco de Humano Almondeguinho LTDA era produzido por uma subsidiaria do grupo Adventista do Evangelho de Bill, um dos poucos autorizados a fazer comércio naquela parte da galáxia. Eles garantiam o alimento para os escravos humanos, que vinha na forma liquida para facilitar o consumo. Só que os Homens Lagartos, filhos da puta que são, bebiam na frente dos humanos todo o suco que era direcionado a eles, só por diversão. Eles sequer gostavam do sabor, mas eram sacanas pra caralho. Não eram o tipo de gente que você gostaria de convidar para uma festa em sua casa.
Eu sei por experiência própria.
Após horas de caminhada, finalmente o grupo havia chego no Forte Omega NxZ Klauby Peixinho, uma construção grandiosa e antiga em meio ao vasto deserto de Lagartia.
“Ssssssão dessssssssseisssss essssscravosssss” – Dizia o lagarto que guardava o grande portão metálico, enquanto checava sua lista.
“Esssssssssato.” – Respondeu um dos guardas da comitiva. Ele, com a cauda, segurava a corrente que prendia os humanos.
“Então por que essssssstou vendo apenassssss ssssete?”
”Isssssssssssso é fassssssssssilmente esssssplicavel pelo fato de que nósssss..” – Respondia ele, mas foi interrompido por um grito:
”NÃO, PORRA!! NÃO!!!!!!! NEM MAIS UM “S”, PELO AMOR DE QUALQUER DEUS CRUEL QUE VOCÊS LAGARTOS CULTUEM!! SÃO “S” DEMAIS, VOCÊ NÃO SÓ ESTÁ DESTRUINDO NOSSO VOCABULÁRIO, COMO TAMBÉM NOSSOS “OUVIDOSSS”!!!!!”
*Pzzzt.*
A voz do escravo foi silenciada por um tiro, vindo da arma do guarda lagarto, explodindo sua cabeça e molhando Aloc com o verdadeiro “suco de humano”.
“Como eu disssssssssia..” – Recomeçou o guarda, colocando novamente sua pistola no coldre, feito de pele humana.
”Essssssspere, fassss sssssentido. Nóssss não temosss uma língua própria? Por que usssssamosss a dessssses espécimessss primitivossss?” – Perguntava um dos lagartos, enquanto os escravos humanos rezavam baixinho para que alguém voltasse no tempo e tirasse a letra “S” do alfabeto.
Infelizmente, nem Deus nem maquinas do tempo existiam naquele planeta.
“Ah, foda-se, vamos entrando logo.” – Disse o lagarto do portão, engolindo a própria língua.
Com a morte de Vivinho, Aloc agora era o primeiro da fila. Isso significava que seria o próximo a morrer.
Pelo menos era assim que tinha funcionado durante as longas horas de caminhada no deserto: Sempre que um dos lagartos se sentia entediado, atirava em um dos humanos e colocava uma moeda no Jarro da Caridade, que reunia doações para o hospital de crianças lagarto com “aidssss e outrassss doençassss caturrilhasssss”.
Mas ele não se importou muito com isso. Finalmente seu sofrimento iria acabar. Era o ultimo da linhagem Mey, uma famosa família de pilotos e motoristas de ônibus espaciais, que durante séculos foi responsável por levar os trabalhadores humildes de planetas distantes para a morte certa em guerras épicas, que costumavam ocorrer diariamente ao redor da galáxia, antes dos lagartos chegarem e acabarem com a diversão de todo mundo.
Foi parar em Lagartia já fazia tanto tempo que não se lembrava mais de como era a vida fora do regime opressor dos lagartos, ou desse deserto gigante que eles chamavam de planeta.
“MOLHA MEOVIDUS ASTLEY!!!!” – Gritava Willys, desesperadamente, enquanto o grupo entrava na base. Fora algo tão sem sentido que nem mesmo os lagartos conseguiram achar graça.
Um dos soldados mirou a arma nele e se preparou para atirar, mas foi interrompido pelo companheiro:
“Não fassssssa issssso, ele me diverte.” – Disse, e o outro estranhou. “E tem um belo trassssseiro também!” – Finalizou, para evitar um mal entendido.
Um dróide flutuante, responsável por guiar os prisioneiros até o alojamento, surgiu e começou a tocar uma mensagem de boas vindas para eles. A gravação alternava entre uma voz feminina e robótica e uma que só poderia ser fruto das cordas vocais desagradáveis de um lagarto.
“Sejam bem vindo senhores – humanossssssss inúteisssss – essa é a base – agora é nossssssssa – comandada pelo bravo – assssssssho que esssssssa porra ta gravando – e responsável por – ssssssim de fato, vamossss transssar. - Por favor me sigam e irei levá-los para – sssssssssiiiiimmmmm!!!! – aonde vocês serão – AHHH AHHH AHH SSSSIMM!!!!!! MAISSS!!! – e serão responsáveis por – TOMA TOMA TOMA TOMA TOMA – nós da organização – Asssho que presssissssso de um cigarro.. – desejamos que sua estadia seja produtiva. Forte abraço.”
E então terminou, deixando até mesmo os lagartos que guardavam a comitiva um tanto envergonhados.
“É, esse dróide é dos Adventistas.” – Explicava um dos escravos, que aparentava ser o mais gordo e, conseqüentemente, o que provavelmente tinha mais conhecimento sobre tecnologia. - “Eles são vendidos junto com bases como essas, que são fabricadas em larga escala para qualquer tipo de organização militar, comercial ou religiosa. São totalmente customizáveis. Você compra, manda construírem e depois muda as opções, configura o que quiser e tudo mais. São reutilizáveis também, para evitar aquele longo e chato processo de reconstruir um lugar que você conquistou. O que ouvimos deve ter sido algo produzido logo após os homens lagartos terem conquistado o lugar e alcançado o centro de comando, sem terem entendido por completo os sistemas de personalização dele.
Entraram lá e inseriram o código, que pode ser encontrado no verso do ZVD de instalação que vem junto com a base, e então teriam que gravar os dados por cima dos anteriores, que eram dos antigos donos da base. Ouvimos informações desnecessárias, pelo jeito..”
“Cara..” – Começou Aloc
”O que?”
“Ninguém perguntou.”
Os humanos foram deixados no alojamento, que não passava de uma grande caixa metálica com uma porta e alguns aparelhos de ar condicionado na parede, todos programados para aquecer ainda mais o ambiente.
”Lagartos filhos da puta!” – Era o pensamento coletivo.
Aloc achou um canto qualquer e encostou-se, para descansar. Não tinha morrido, mas não sabia dizer se isso era algo bom ou ruim.
Alguns outros se reuniram e começaram a planejar a fuga.
“Vamos sair daqui, e nos unir a rebelião!” – Dizia o homem mais musculoso do grupo.
”Sim, amigos, juntos teremos o poder necessário para reconquistar nossa liberdade!” – Falava o gordo.
“Pelo futuro da humanidade!” – Gritava outro, que tinha mullets. Algo inaceitável para o padrão estético dos lagartos e dos humanos daquele século.
“Vocês são tão.. NPCs.” – Disse Aloc, tentando dormir.
Willys mantinha uma discussão sobre partículas de Jilliun responsáveis pela aceleração da massa convertida pelo processo pós-atômico de Mickey com seu inimigo imaginário. Se ele soubesse dos planos maléficos que este tinha na época, jamais teria dividido seu conhecimento.
Os outros escravos tentavam dormir e jogavam fezes nos idiotas que não calavam a boca.