O PARTO
Na sala de espera da maternidade, aguarda aflito o nascimento de seu primeiro filho. Já são duas horas de angustiosa espera. Os últimos nove meses haviam sido terríveis. Sua esposa tivera os mais esdrúxulos desejos. Pontualmente, sempre às três da manhã.
- Benhê...
- ...
- Benzinho...
- Uhn...
- Amor...
- Nunhdajdsprahfbaserdhlanhmanhãn...
- AMOOOOOR!
- Hã! Heim! O quê? Como? Já nasceu?!
- Não, amor. Estou com desejo...
- De novo?
- Ééééé...
- O frango ao molho pardo com berinjela está na geladeira, é só esquentar...
- Não, amor, eu não quero mais frango ao molho pardo, eca!
- O que você quer, então? Atum com sorvete? De novo?
- Nããão, bem. Eu quero caviar...
- Caviar?! Mas você nunca comeu caviar, nem sabe que gosto tem!
- Mas eu quero caviar, bem. Tô com um desejo irrefreável de comer um caviar gostoso. Compra para mim...
- Mas, amor...
- Compra pra mim, benzinho, compra, vai, compra...
- Tá bom, tá bom... Onde eu vou achar caviar a tais desoras, meu Deus?
Arrumou-se, bêbado de sono. Já ia saindo quando ela explicitou melhor o tal desejo.
- Amooooor...
- Sim, bem, respondeu, já um tanto irritado.
- Não é qualquer caviar que eu quero não, tá, benzinho?...
- Não?
- Não. Eu quero aquele tal que a gente viu na televisão, lembra?
- Qual?
- Aquele...
- Aquele iraniano, da latinha de ouro, que custa mais do que o nosso carro?
- Esse mesmo! Não demora não, tá?
Se a gravidez humana fosse longa como a dos elefantes, ele teria pedido o divórcio. Mas aguentou firme as esquisitices da mulher, inclusive aquela de não querer saber o sexo do bebê. Dá mais emoção, disse ela. Pois sim. Dá é mais trabalho e gasto para arrumar o quartinho e o enxoval.
Agora, mais um pouquinho só e as emoções seriam outras. Logo estaria segurando seu primeiro filho (filha?) nos braços, carne da sua carne, sangue do seu sangue. Em pouco tempo veria o menino (menina?) dar seus primeiros passinhos, balbuciar suas primeiras palavras... Tudo bem que teriam de apertar ainda mais o cinto, economizar para os estudos da criança, faculdade... Provavelmente, nunca mais veria Paris, nunca mais surfaria as ondas de Bali (não que já tivesse visto Paris ou surfado as ondas de Bali, mas eram sonhos antigos). Porém todo o esforço seria recompensado quando ele (ela? Que droga de suspense!) agradecesse aos pais em seu discurso, ao receber o Prêmio Nobel de medicina, por ter descoberto a cura do câncer através da utilização do zumbido do mosquito, ou ao tomar posse como Secretário (Secretária) Geral da ONU. Quando seus amigos, em tom de deboche, sugerissem que ele (ela) fosse Presidente da República, o pai orgulhoso replicaria, dizendo que Presidente era muito pouco. “Presidente não”, dizia com gravidade, “hoje em dia, qualquer imbecil pode ser presidente”. Sim, tinha grandes planos para esta criança. Suspirou, sonhador. Caramba, que parto demorado! Estava assim, divagando, quando o médico entrou:
- Parabéns! É um menino!
Vinte minutos depois, quando acordou do desmaio, o homem finalmente pode entrar para ver seu rebento.
- Uau! Como é grande!
- É, sim senhor, um dos maiores que eu já entreguei!
- E peludo também, hein, doutor?
- É, nesse ponto, não puxou ao pai, hehe!
Não achou graça. Não gostava que fizessem piada sobre sua careca. Mas relevou. Afinal, aquele era o homem que trouxera ao mundo seu primeiro filho. Embevecido, passou a examinar minuciosamente o filho através do vidro. Foi quando notou aquele estranho detalhe:
- Doutor, aquilo ali é normal?
- O quê?
- As orelhas...
- Perfeitamente normal.
- Daquele tamanho?
- O senhor tem que compreender o seguinte: seu filho é uma criança (quase) normal, nasceu bem, com saúde, todos os membros no lugar. Algumas pequenas imperfeições fazem parte da própria natureza humana. O senhor mesmo não é lá nenhuma oitava maravilha...
- Mas, doutor, e aquele negócio ali?
- O quê?
- Aquilo, ali...
- Ali, onde?
- Ali atrás, ó...
- Ah! Aquilo?
- É...
- Aquilo ali é o rabo...
- RABO!?
- Sim, o rabo.
- Mas... mas, doutor... rabo? Meu filho tem um rabo?
- Sim. Mas não se preocupe. Ele não é o único.
- Não?!
- Não. Já é o quarto, só este mês...
- Mas, doutor, o senhor acha isso normal?
- Normal, eu não acho. Mas que está ficando comum, está.
- E o senhor não se espanta com isso?
O médico sorriu. Deu um tapinha nas costas do atônito pai, e encerrou a conversa:
- Meu amigo, nos dias de hoje, nada mais me deixa espantado...