GELADA

A história aconteceu durante os anos de chumbo.

No tempo do antigo avião Bandeirantes, lento e que voava baixo, e se prestava para integrar este Brasil de Deus.

Hoje a integração se faz pela televisão e pela internet, como agora, eu e você, que me lê em qualquer lugar, enquanto eu escrevo aqui da Boca do Mato.

Pois bem.

Coronel, naquele tempo, mais do que agora, era coronel, que pisava duro, dava ordens e não admitia desobediência.

Dai o coronel, devidamente fardado, paramentado e medalhado, pegou o Bandeirantes em Manaus com destino ao Rio de Janeiro.

Acomodou-se, chamou a aeromoça e pediu um uisque.

"Com gelo" - ordenou.

A aeromoça, assustada, respondeu:

"Coronel, uisque eu tenho. Mas gelo não. A geladeira do avião está quebrada."

O coronel engrossou a voz e, bem no estilo Chucki Norris, em filme de guerrilheiros vietnamitas, estourou:

"Eu pedi com gelo, e você me traga com gelo! Não admito ser desobedecido. Se vira nos trinta mocinha."

Como se vê, o coronel era também um visionário e já respondeu como no programa do Faustão, que ainda nem existia.

A aeromoça, tadinha, foi se aconselhar com o piloto:

"Tem um coronel ai, brabo, brabo, brabo, que quer uisque com gelo, mas não tem gelo e ele tá furioso com isso. O que eu faço?"

"Dá um jeito, minha filha" - respondeu o piloto. "Eu é que não vou encarar encrenca com um coronel."

Dai a pouco, toda tremula, a aeromoça coloca no copo de uisque do coronel uma pedra de gelo.

O coronel olhou duro pra ela e nem agradeceu.

Pouco depois chama ela novamente:

"Me traga mais um uisque com gelo".

"Mas coronel..." - disse gaguejando a mocinha.

Nem terminou a frase, porque o coronel espinafrou:

"Nem mas, nem menos. Quero com gelo e você vai me trazer com gelo."

A aeromoça voltou toda ressabiada, com mais um uisque com gelo.

Durou pouco.

O coronel pediu mais um uisque com gelo.

E foi assim, durante a viagem.

O coronel pedindo gelo no uisque, a mocinha respondendo que "gelo não tem", e depois trazendo mais um copo do líquido escocês com a pedrinha do polo norte.

Até que, já no meio do caminho, (naquele tempo o vôo Manaus a Rio de Janeiro durava uma eternidade), o coronel pediu mais um uisque com gelo.

A aeromoça enfim criou coragem.

Respondeu que "uisque tinha, mas gelo não e acabou-se".

O coronel deu-lhe uma bronca de fazer o demônio virar geléia.

Mas a mocinha aguentou firme e respondeu encerrando a conversa:

"Coronel, gelo não é mais possível. O defunto já está fedendo e, se eu tiro mais uma pedrinha, ele chega podre no Rio de Janeiro."

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Sajob - agosto / 2011