FEIRA LIVRE / XEROQUINHAS
FEIRA LIVRE (2008)
Não sei se pretendo abrir um leque
para os dias de canícula abanar
e meus beijos suarentos te enviar...
Ou se atiro de bodoque qual moleque,
o meu amor qual pedrinha a projetar,
para teu peito, certeiro, perfurar...
Não sei se me refaço em bilboquê
e me lanço após ti, preso em cordel,
tentanto me encaixar em menestrel,
jograis cantando sem nem saber porquê.
E é nessa dúvida potente que se lê,
no balouçar de carrinho de bebê,
qual hipnótico soldado sem quartel,
nessa doçura que se prende ao fel
a única certeza em que se crê:
que o olhar coberto em leque tudo vê.
FEIRA LIVRE II (17 ago 11)
Não sei se pretendo armar archote,
com galhos de pinheiro e alcatrão,
mais as painas que tirei do coração.
Ou se reúno sonetos, sem fricote,
se os amarro com perfeita educação
e jogo todos dentro do fogão...
Nem sei para que servem tais sonetos,
que poucos leem, ainda que os envie:
que a maioria provavelmente adie
tal leitura para instantes irrequietos...
E simplesmente permanece adiando,
deixam que a tela continue se empoeirando,
sem se darem ao trabalho de espanar...
E assim ficam enxovalhados os poemas,
até que sirvam como esfregão, apenas,
para a sujeira de um gatinho retirar!...
FEIRA LIVRE III
Não sei se um comércio quero abrir,
para anunciar sonetos a granel,
a serem usados durante a lua-de-mel...
Ou quem sabe uma indústria construir,
para vender sonetos-guardanapos,
de restaurante acompanhando os pratos...
Assim como os biscoitos que leem sorte,
que oferecem tantas vezes os chineses,
para troçar às costas dos fregueses,
cuja dentada algum bilhete corte...
A Feira do Livro até pensei ir espiar
e nela abrir de sonetos barraquinha,
escrevendo igual que maquininha,
segundo o tema que o cliente encomendar,
gastando só retalhos de minha pele,
sem que por isso o coração congele.
FEIRA LIVRE IV
Mas não sei se vou abrir o coração
para dizer quanto sinto ainda por ti:
já desgastei as válvulas daqui...
De tanto as apertar, com emoção,
a cada vez que um poema terminava
e para o esgoto do mundo o ejetava...
Desgastaram-se a tricúspide e a mitral:
tenho um depósito de calcário e tinta
em um de meus ventrículos, que pinta
meu sangue em tom de negro natural.
Correm nas veias fragmentos de papel,
que meus rins ainda se esforçam por filtrar,
formando histórias que nem sei como contar.
Só sei que amor se assemelha a cascavel,
advertindo firme, em seu chocalho,
sobre o veneno dos versos que eu espalho.
XEROQUINHAS I (2008)
Não sei por que tão importante é a moda
para as mulheres. Isso será, talvez,
por espírito de grupo, a insensatez
do uniforme, em coro ou coda
que repetem, sem querer, por altivez,
ficar para trás, na mesma roda
que faz a ovelha seguir a tropa toda
a repetirem tão só o que a outra fez!...
E se escravizam assim à dominância
dos estilistas, cuja glória foge
e que amanhã totalmente se perdeu...
E as vejo andando, assim, sem elegância,
nessas calças apertadas que usam hoje,
deixando as mais esbeltas com pneu!...
XEROQUINHAS II (18 AGO 11)
Há muito tempo, usavam-se as anquinhas,
para deixarem mais largos os quadris;
e provocando palidez de giz,
os espartilhos apertavam cinturinhas...
Havia anáguas, também e as senhorinhas,
usavam seis ou sete, como quis
moda hibernal oriunda de Paris...
Houve a época dos leques e sombrinhas...
Passou-se o tempo e as saias encurtaram,
concordo, mais de acordo a nosso clima,
depois as calças masculinas imitaram,
enquanto seus maiôs minimizaram...
Ninguém dirá que ao recato se destina
o fio dental que tantas já adotaram!...
XEROQUINHAS III
Sempre é uma forma, afinal, de salientar
os dotes femininos atraentes...
Mas esses costureiros, tão potentes,
como meninos as vêm apresentar...
E a moda permanece em oscilar,
mostram os ombros a menear contentes,
mostram as coxas, bastante indiferentes,
e de assédios sexuais vão se queixar...
Ainda prefiro esse vestido inteiro
ou saia e blusa, balançando ao vento,
como o ícone da pobre Marilyn...
Pano oscilando, austero, mas brejeiro,
muito mais sugerindo, num momento,
do que ocultando ou me mostrando assim...
XEROQUINHAS IV
Entre as cretenses o costume era ostentar
os seios orgulhosos, totalmente...
Na Idade Média, por entre a nobre gente,
voltou tal moda brevemente a imperar...
E eu dizia, apenas a brincar,
que logo surgiria, abertamente,
um vestido bem fechado pela frente,
mas com buraco para as nádegas mostrar!
E vejo agora a nova moda do Japão!...
Não andam seminuas, certamente,
porém as nádegas pintam nos tecidos...
Logo em país de tanta tradição:
até calcinhas caídas, frouxamente,
com as verdadeiras cobertas por vestidos!