O MATUTO DO FERRO-VELHO

Pois bem. Era um sofrimento ir às fazendas rezar missa. Ficava atolado com tempo chuvoso, engasgava pela poeira na seca e na maioria das vezes ficava sem combustível por defeito no marcador.

O padre se valia de uma varinha que lhe dava mais ou menos a medida do tanque, mas, isto nunca dava certo. Sabendo dos problemas, os fazendeiros já mandavam uma charrete correr a estrada e encontrar o sempre defeituoso Ford e o Reverendo a dizer impropérios.

Em certo socorro prestado, um matuto mostrou interesse no carro do sacerdote e negociaram troca. O padre então voltou feliz pra casa, a bordo de uma velha charrete e um cavalo mais velho ainda. Livrou-se de um tormento.

Porém, ao amanhecer não encontrou o cavalo, desaparecera na madrugada e o padre se viu sem o carro e com uma charrete sem cavalo a puxá-la. Pensou ter sido roubado.

O sol já se fazia alto quando o padre viu pela janela da casa paroquial, do outro lado da rua, um rapaz que calmamente enrolava um cigarro de palha a assoviar absorto em sua tarefa.

O padre estava desolado. Sem o carro era aceitável, mas a charrete sem o cavalo? De nada lhe serviria. O rapaz então, atravessou a rua e foi ter com o padre. Propôs a troca da charrete por um cão de guarda eficiente, ninguém mais roubaria o padre. Já estava com o cão amarrado ao lado de um cavalo preto e velho, tanto quanto o branco que o padre perdera. O padre então aceitou. Já não sentia remorso, nem saudades do velho carro. De nada lhe serviria a charrete. Já o cão... O rapaz então ligou a charrete ao cavalo e foi embora, assoviando e dando suas baforadas.

Estranho...Na verdade, em diversas localidades próximas esta ocorrência era idêntica. Muitos carros e outros bens, trocados por charretes, muitos cavalos desaparecidos. Em tempo, os cães também se escafediam.

Então teve um dia que o carro do prefeito quebrou e era difícil encontrar peça de reposição. Mandou então um funcionário a uma cidade vizinha a procura de solução. Foi indicado um ferro-velho onde um matuto o atendeu e providenciou o que era preciso para socorrer o prefeito.Tinha de tudo naquele ferro-velho, de vitrolas a automóveis.

Um bom homem que explicou ao funcionário do prefeito o quanto lutou pra ter tão bem abastecido estabelecimento. Ao seu pé um velho cão que por mais longe que fosse deixado sempre voltava pra casa. No fundo do ferro-velho uma charrete e um rapaz, filho do velho, que calmamente, entre assovios e baforadas num cigarro de palha, passava carvão nos pêlos de um cavalo branco, um velho pangaré. O velho dizia que espantava as moscas se o cavalo ficasse preto de carvão, depois lavava. Cuidava bem dos bichos que tinha e da charrete porquê simbolizavam o honesto sucesso que teve na lida. O cavalo, como o cão, nunca o abandonou, sempre voltava, mesmo que fosse roubado...

Paulo de Tarso
Enviado por Paulo de Tarso em 04/12/2006
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