Macho Man da Rua da Penha

Observar é preciso. Sou viciado em ler o texto da realidade das ruas com as parabólicas ligadas no mundo. Sorocaba está no mapa. O mesmo Sol que some ali no horizonte próximo do morro de Araçoiaba vai acordar o Japão. Ou seja, nem é preciso sair daqui para ter uma sensação universal.

Estava eu pensando nestas coisas, meio afundado em mim na calçada da rua da Penha, quando vejo dentro do carro um motorista velho batendo as mãos ritmadas no volante, mexendo o corpo, no maior agito. Olhei melhor. Não, ele não estava protestando contra a lentidão do trânsito naquele calorão de perto do meio-dia. O homem ouvia no aparelho do carro a música Macho Man. E cantava junto, na maior, muito na sua, fazendo mímica, sem dar a menor importância para as pessoas que passavam. Um coroa atacando de Village People em plena Penha parada, às onze da manhã, numa quinta-feira, é o máximo do flagrante de macheza explícita.

O trânsito andou e lá se foi o herói de si mesmo, feliz da vida, embalado no sucesso do final dos anos 70, sem qualquer sinal de estresse. E daí? Daí mais nada. O cara seguiu em frente e eu fiquei ali, paradão. Nem imaginei coisas sobre a vida do sujeito, porque outra situação de trânsito me roubou a atenção: um carro meio sujo, cheio de gente, já com sinal de uso, ainda com o plástico original nos bancos dianteiros. Eheh. Claro que ele não tinha acabado de sair da concessionária. O dono fazia questão de manter a capa transparente como prova ambulante de que possuía um veículo novo. Prova mais do que provada de que esta é uma sorocoisa sorocoisuda e sorocoisenta...

Fico imaginando o calor dentro do carro, o suor provocado pelo plástico e as costas deslizando sobre o banco. Mas o que eu tenho a ver com o gosto e a preferência dos outros? Sapo abelhudo!

Nisso, de dentro de outro carro no trânsito entalado, uma menina mostra a língua para mim e lambuza o vidro. Lá atrás, alguém buzina sem parar, como se isso fosse resolver a encrenca do trânsito-labirinto do centro. Previsível, alguém grita Cheire o dedo, outro, irritadíssimo, emenda com Passe por cima! Estacionado, tentava uma brechinha para ficar no jeito de sair e ganhar o fluxo, e ninguém deixava. Só faltou buzina imitando boi, galinha, cavalo. Volta-me a antiga idéia de instalar sistema de som sobre os veículos, para que um motorista possa xingar o outro no trânsito.

A vida é o livre exercício do ridículo sem complexo de culpa. Prosaica na sua falsa seriedade. Óbvia e repetitiva. Até nesta constatação. Andar pela cidade e sentir a sua pulsação é um exercício de humor e de reconhecimento da fauna humana. Fauna no bom sentido, ecológico, claro. Pulei de banda.

Celso 'Marvadão' Ribeiro

http://www.jcsol.com.br/2006/12/03/sapo.php

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 03/12/2006
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