Estória de Cantador
Dia de feira em Tabuleiro, dois cantadores desses que ficam com o chapéu no chão esperando uma moedinha aqui e outra acolá enquanto dedilham na viola seus versos improvisados, quando então chega um sargento com dois soldados, um dos cantadores olha pro outro e fala:
- olha aí, tá chegando um sargento, vamos promover ele.
- Vamos compadre, vamos promover ele a Tenente.
E principiou:
Minha gente amiga
Agora aqui presente
É chegado o momento
De botar mais um galão
No ombro desse Tenente
E o Sargento enfurecido olhou pros dois e disse:
- Vão pra puta que pariu que nem de porra de cantador eu gosto!
O outro cantador aproveitou para responder ao desaforo e soltou:
Mas o galão que ele merece
É um galão bem diferente
É um pau com duas latas
Uma atrás, outra na frente
Acabou a feira pros dois e se não fosse a intervenção de alguns populares por pouco não foram presos, recolheram os minguados trocados e acabaram indo pernoitar na pensão de Dona Eulália, lá chegando com o bucho encostando nas costas, um deles pergunta:
- Dona Eulália, o que é que tem aí pra forrar o estomago?
Dona Eulália responde:
- Viche meu filho, acabou toda comida, mas tem na geladeira umas salsichas e se vocês quiserem eu posso preparar dois cachorro quente.
O outro diz:
- Olhe com a fome que eu to, como até um cavalo frio, que dirá um cachorro.
E foi a Dona Eulália preparar os cachorro quente, trouxe para a mesa sem muita demora, os dois pegaram avidamente e quando estavam se preparando para morder, um deles tentando se acomodar melhor, não percebeu o cachorro da Dona Eulália debaixo da mesa e acabou pisando em cima da pata do coitado que mais por instinto que por defesa cravou os dentes no calcanhar do desavisado. O outro vendo aquela cena disparou no ato seu talento de improviso com os seguintes versos:
Na pensão de Dona Eulália
Vejo coisa bem diferente
Embaixo cachorro frio
Em cima cachorro quente
O de cima a gente morde
E o de baixo morde a gente
Pernoitaram e na manhã seguinte, resolveram ir pra Limoeiro, pois não queriam cruzar novamente com o Sargento, como não tinham arrecadado dinheiro suficiente para o transporte, foram a pé admirando a paisagem e fazendo versos, um disparou:
Eu admiro a natureza
Que o coqueiro criou
A palma cresceu pra cima
E o coco dependurou
Com a quenga cheia d água
Sem saber por onde entrou
O outro respondeu:
Admiro o pica-pau
Na madeira do angico
Toque , toque, toque, toque
Tico, tico, tico, tico
Não sente dor de cabeça
Nem cega a ponta do bico
Ao passarem pela Estiva viram varias mulheres lavando roupa e um deles se inspirou e soltou essa perola:
Pra tudo é preciso sorte
Pra lavar roupa tambem
Se o sol não tiver forte
A roupa não quara bem
O cabra quando ta mole
Da um peido e a merda vem
E vai chegando o entardecer, quando um deles vendo o crepúsculo por trás da chapada do Apodi começa o verso:
A lua vem surgindo
Por detrás daquela morra
Para e fica um pouco sem jeito pela enrascada que se meteu, o outro fica esperando sabendo que o companheiro tinha infelizmente trocado o morro por morra, quando o amigo se sai com essa:
Quase não encontro rima
Pra terminar com essa porra
Pois quando cantador erra
Não aparece quem socorra