O Parto da Abrilina

O PARTO DA ABRILINA

E começou o maior fuzuê já de madrugada na casa do Apolônio. Acontece que Abrilina sua esposa estava em final de gestação e os primeiros sintomas do primeiro parto estavam a caminho. .

Abrilina, mulata cafuza, conheceu Apolônio durante uma caçada na floresta mais profunda de Jicatinga, a floresta do brejal, uma região perigosa e traiçoeira, repleta de cobras, aranhas, almas penadas, mulas sem cabeça e ninhos de morcegos. Tinha sido criada pela natureza, sem qualquer instrução. Era brava como um javali acuado, um bicho do mato e não suportava qualquer sofrimento. Magrinha, ventas arreganhadas, testa sempre franzida, não permitia aproximação. Tinha “pavio curto”, respondona, malcriada, palavreado chulo aprendido com os caboclos da região. Era mais agitada que um saco de capetas. Não suportava sentir qualquer tipo de dor. Por isso, à medida que as cólicas começaram, começaram também os gemidos de Abrilina. E que gemidos! Até as janelas tremiam tamanha a força dos gritos. E a coisa só estava começando! Abrilina andava de um lado para outro com as mãos nas cadeiras gemendo e chamando o marido nestes termos:

- Vem cá sem-vergonha, vem sentir também descarado, não fuja seu safado. Ocê ajudou a fazê, agora ajuda a pô pra fora. E percorreu a casa até encontrar o marido no qual deu um tapa tão denegrido que Apolônio foi se refugiar atrás do chiqueiro, junto do Aurito, seu porco Duroc de estimação e lá do fundo sussurrava com voz miúda: - “quem prenhou é que tem que parir. Eu já fiz minha parte!”

Mandaram Canegundes, um “portador” esperto chamar dona Virgulina, mãe de santo e parteira de longo curso. Era uma mulher de seus 70 anos e chegou parecendo uma assombração: vestido cheio de remendos coloridos tipo roupa de cigana, com as orelhas esticadas até o pescoço pelo peso de dois brincos enormes. No rosto um pó vermelho. Boca desenhada com baton roxo e um turbante também vermelho cobria a cabeça. Parecia uma alma do outro mundo. Diziam que quando a gestante via chegar aquele espantalho a criança dentro da barriga começava a pular e nascia rapidamente. Tomou conta do ambiente cheia de mandonismo, afinal se considerava a pessoa mais importante no momento e foi logo dando ordens:

- Esquenta água, trais bastante toaia, jarra de louça, sabão cheiroso e óleo de mamona pra untar as partes da Abrilina pra mode a criança escorregá. Vamo gente, vamo ligero.

A gritaria chamou a atenção do Clidorlindo, bicheiro viajante que passava toda semana por Jicatinga fazendo jogo de bicho. O povo começou a juntar na porta da casa do Apolônio. Apareceu vendedor de pipoca, de churros e de algodão doce. Tinha até bandeirinha do Brasil à venda. A turma perguntava: - o Brasil foi campeão?, o Brasil foi campeão? Clidorlindo deixou o jogo do bicho e bandeou para apostas no parto: quanto tempo demoraria, qual o sexo e a cor da criança e muitos outros tipos de apostas. Enquanto isso lá dentro a confusão era geral.

“Criança garrada, criança garrada”, não dá pra saí! gritava Virgulina com a cara empastada de suor e rouge. Chama a Olestária, ela tem a mão pequena, dá pra puxar. Olestária chegou e do jeito que estava pôs mãos à obra. Não resolveu. A coisa escorregava e não dava pegada. “Jaciro pé de cana” com um tubo de super-bonder nas mãos gritava: - passa isto aqui nas mãos da Olestária e depois ela puxa. Se precisar tem também junta de boi! - Foi uma risadaria geral.

Nisto chegou “seu” Arnóbio, respeitável chefe da agência do correio com o Dr. Tanaka que expulsou da casa aquela turba e extraiu a criança em boas condições. Apolônio saiu de traz do chiqueiro, Tanaka foi embora com Saddam que carregava sua maleta nos dentes e Clidorlindo fugiu de fininho com o dinheiro das apostas.

Cassec
Enviado por Cassec em 14/06/2011
Código do texto: T3034863
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