O PADRE QUE GOSTAVA DE JOGAR BARALHO

O padre Gouveia era um padre exemplar. Caridoso, atencioso, era muito querido naquela pequena cidade mineira. Como ninguém é perfeito tinha lá seu defeito: gostava de um carteado. Ele ficava horas e horas na banca de dona Etelvina jogando os mais variados jogos. Ele não se envolvia em politicagem, mas tinha suas simpatias por um partido. O prefeito atual não gostava dele, pois ele vivia cobrando do prefeito maior assistência aos pobres. Quando o prefeito não atendia seus pedidos ele o atacava em seus sermões na igreja aos domingos que ficava sempre lotada.

Era época de eleição, o prefeito atual, candidato a reeleição ficou preocupado, não querendo ter o padre como adversário, mandou algum de seus correligionários contar ao Bispo que o padre estava negligenciando seu trabalho pelo carteado, pensando em uma transferência do padre para outra cidade. Uma tarde o padre entretido em um jogo, esqueceu-se da missa noturna no domingo, a mais concorrida. Alguém o lembrou, e ele apavorado saiu no meio do jogo em direção à igreja. Ele gostava de uma batota, isto é: pequenas trapaças, levava na manga da batina um baralho previamente preparado com as cartas em posição estratégica.

Ao chegar esbaforido na igreja, o sacristão disse que o Bispo havia chegado e estava esperando-o. Apavorado, ele nem vestiu os paramentos, subiu ao altar como estava. Ao ver o Bispo, ele cumprimentou-o e apresentou-o aos fieis. Começou a missa e na hora do sermão, entusiasmado, fez um gesto brusco com as mãos e as cartas do baralho que se encontrava em sua batina se espalharam pelo altar. O Bispo arregalou os olhos, o pessoal na platéia olhava uns para os outros sem entender o que estava acontecendo. O prefeito ficou feliz como o gato que acabou de comer o peixinho do aquário ao ver o imbróglio do padre.

O padre, impassível, pôs-se a catar as cartas. Um silêncio sepulcral tomava conta da igreja. Após reunir as cartas, chamou um menino de cerca de nove anos ao altar. Pegou aleatoriamente uma carta do baralho e perguntou:

-Você sabe que carta é essa?

O menino sem titubear disse:

-É Sete copas!

Pegou outra carta e perguntou:

-E esta qual é?

-É o Zape!

-E esta?

-Ás de ouros!

E aí o padre disse:

-Reze o Credo para nós.

O menino falou:

-Não sei rezar o credo.

O padre mandou o descer e chamou outro menino de cerca de onze anos. E mostrou uma carta e perguntou qual era. O menino acertou. Pegou outra carta e perguntou qual era. Resposta certa. Pegou uma terceira e o moleque também acertou. Ele disse:

-Por favor, reze para nós a Oração de São Francisco.

O menino falou que não sabia. Ele mandou que ele descesse e chamou outro de 13 anos, que por acaso era filho do prefeito. O prefeito só faltava ejacular na cueca, tão grande era seu prazer pensando na punição do padre. Ele perguntou ao filho do prefeito, mostrando uma carta:

-Que carta é essa?

-Valete de copas!

-E essa?

-Sete ouros!

-E essa?

-Reis de paus!

-Por favor, reze para nós uma Salve Rainha.

O moleque falou que não sabia. Ele mandou-o descer e disse:

-Eu trouxe esse baralho para mostrar a vocês, o quão baixo está o ensino religioso de seus filhos, eles não sabem rezar uma simples oração, mas conhecem de cor e salteado todas as cartas do baralho...

Foi aplaudido de pé, inclusive pelo Bispo...

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