ODEIO PSICOLOGO!

Quando eu era pequenino minha mãe me mandava lavar as mãos antes das refeições, lavar atrás das orelhas toda vez que ia tomar banho e lavar também as solas dos pés. Ao deitar tinha que fazer minha pequena oração ao meu anjo da guarda.

Pedia a benção ao meu pai e à minha mãe antes de deitar e quando queria alguma coisa perguntava se podia pegar, agradecia por poder pegar e dizia com licença ao pegar.

Aos mais velhos chamava de Senhor e Senhora e sonhava em quando fosse a minha vez de envelhecer, ser presidente ou então padre, ser respeitado pelos meus cabelos brancos e pela minha sabedoria.

Brincava com meus amigos, bolinha de gude, fazendo as caçapas com o calcanhar, rodava pião e ficava com ele girando nas mãos; roubava goiaba nas goiabeiras carregadas dos terrenos dos nossos vizinhos que as plantavam para que roubássemos e quando confraternizávamos com as meninas a gente estraçalhava pulando corda a mil por hora ou então detonando costas frágeis na queimada.

Fui crescendo e as responsabilidades foram aparecendo: estudos em colégios masculinos, educação física, basquete, voley, futebol, handebol, coisas que só os meninos faziam; no final das aulas uma corrida até a porta do colégio das meninas e o flerte diário, a labuta em querer aparecer qual pavão com suas penas abertas e exuberantes em busca de sua fêmea.

Final de semana já era compromissado com festas e aniversários – quem convidou quem e se não convidou quem poderias me levar, porque lá iria estar aquela garota que cerquei a semana inteira na saída do colégio.

Vitória!

Consegui ir a festa e com a coragem exacerbada pela Cuba Libre, aquela mistura explosiva de rum com coca-cola, ou Hi-Fi, mais explosiva ainda com Vodka e Crush, aproximávamos da garota e tirávamos para dançar e começávamos a estabelecer um contato mais íntimo. Se dançássemos mais de uma musica então, vitória completa; senão... uma musica só e era melhor esquecer e procurar outra menina pois afinal de contas aquela não era lá essas coisas, digamos que nos enganamos e saíamos de fininho.

Cresci um pouco mais ainda e um dia senti que alguma coisa estava errada comigo!

Não estava mais conseguindo me relacionar com ninguém. Havia anos que dançava mais e nem conseguia trocar umas idéias com pessoas do outro sexo que não fossem na cama.

Recomendaram-me como solução final para essa crise de idade, não sei se de meia idade ou inteira, nem sei se de identidade, recomendaram ir a um psicólogo.

O único ser na face da Terra que poderia me ajudar.

Pouco a pouco vou descobrindo um mundo novo, um mundo no qual havia vivido, mas, que agora percebia que não prestara atenção em nada à minha volta nem no que me acontecera durante minha infeliz infância, infeliz adolescência e infeliz idade adulta que agora começava a cobrar um preço altíssimo pela minha invigilância.

Como pude me deixar reprimir por aquela mãe castradora que não estava interessada em me educar para o mundo real e cruel no qual cresceria. Humilhava-me e me submetia a ritos arcaicos para uma futura manutenção de um status quo social no qual ela fora castrada.

Agora seria a hora de sua vingança; vingança da sociedade machista que a transformara em procriadora e domestica. Eu, pobre criança em suas mãos, agora sofria as conseqüências desses desmandos e era treinado a obedecer sem questionar, chamar qualquer desconhecido de Senhor apenas por causa de um punhado de cabelos brancos – no fundo são iguais a mim!

Meus objetivos a serem alcançados, o presidente ou o padre, agora não passavam de apenas um político corrupto que foi capaz de qualquer coisa para chegar através de aconchavos e conluios ou ainda um pedófilo em potencial, quando não em energia.

Meus amiguinhos, com nossas brincadeiras de cunho homossexual, repudiando aqueles seres repugnantes do sexo oposto, com a eterna desculpa de que nossas brincadeiras eram coisas de homem, com pensamentos discriminatórios. Quando jogávamos bolinha de gude na realidade brincávamos com nossos diminutos testículos tentando encaçapar em ânus terrestres abertos em distancias medidas em palmos.

Subir em goiabeira então, não existe coisa mais boiola, hoje eu sei, a não ser talvez “pular carniça”. Deveríamos dar mais atenção aos bailinhos, com os meninos de um lado e as meninas do outro, como que entrincheirados numa disputa territorial, cada um querendo tirar uma lasquinha ou então roubar um beijo...

Talvez começar um relacionamento, um namoro que poderia acabar em casamento, mas sem nunca perceber a real dimensão das intenções cruéis das meninas, aquelas vampiras disfarçadas, treinadas por suas mães, querendo cercear nosso bem mais precioso, nossa liberdade, nos agarrar através do sexo, do estomago, para garantir seus futuros como verdadeiras donas de casa, esposas e mães.

Antes que elas se aproveitem de mim, tenho que tirar o máximo proveito possível delas. E cair fora.

Minha vida inteira foi sob o jugo feminino materno que sempre se achou no direito de fazer comigo o que bem entendesse como se estivesse ainda comigo no útero.

Agora a vingança é minha! – vingança não, mas o exercício dos meus direwitos como homem.

De agora em diante, iluminado sob os holofotes da moderna psicologia, seria um novo homem!

Nunca mais seria um homem submisso, rastejante, concordante, nunca mais!

De agora em diante seria incongruente, tangente, secante, imperativo, dominador, seria eu em toda minha plenitude: um Homem com aga maiúsculo.

Chega de ser gentil, amável, educado, dizer sim senhor, com licença, chega de ser mandado – um Homem com AGA maiúsculo!

Mas e o meu lado feminino? Reprimido durante todos esses anos desde a mais tenra infância?

Será que nunca havia reparado que por trás daquelas brincadeiras masculinas, daquelas erradas ao pular carniça, as toalhas molhadas estalando na bunda dos amigos nos banheiros do dos colégios e dos clubes, das competições de mijo a distancia, na verdade o que interessava era o tamanho do pênis do meu coleguinha?

No fundo, bem lá no fundo, eu era gay e não sabia!

Gay? Antigamente era viado, boiola, bicha!

Precisei do psicólogo para poder botar pra fora aquela bicha enrustida que vivia dentro de mim. Ora direis, sair do armário e assumir o verdadeiro Eu! O Eu feminino que fora sufocado durante anos a fio...

Chega de mulheres cobradoras que apenas nos usam e nos deixam morrer enfartados quais abelhas rainhas em suas colméias cheias de casulos e tramas.

De hoje em diante só vou me relacionar com aqueles que me entendem de verdade, que tem as mesmas necessidades e angustias que eu, que vai me dar carinho por que gosta realmente de mim, um barbado igual a mim.

Pois então, foi assim que cheguei a conclusão de que ODEIO PSICÓLOGO!

Quando eu imaginei aquele rala enrola de barba eu não agüentei. Matei meu psicólogo!

Sim senhor, Meritíssimo!

Alego legitima defesa pois estava totalmente dominado por aquele boiola diplomado, proibido de dizer que boiolice é doença e se o Senhor me der licença, gostaria de saber se posso telefonar para minha mãe pois quero agradecer a ela a educação que ela me deu e todo o sacrifício que ela fez por mim e para fazer de mim o Homem, verdadeiro Homem que sou hoje, com AGA Maiúsculo!

Quase me tornei gay!