INVASÃO DE PRIVACIDADE

Nunca pensei que uma coisa tão simples fosse causar tanto constrangimento. Para início de conversa a gente se prepara um mês antes, até parece casamento. A única vantagem é que no exame de próstata a invasão de privacidade normalmente acontece uma vez por ano e ao sair do consultório tem-se a opção de esquecer o ocorrido até o ano vindouro.

No meu caso levei pelo menos uns três anos para criar coragem de marcar a consulta. Tive que remarcar várias vezes, pois sempre me esquecia da data (por inibição, é claro).

Finalmente tudo resolvido, chegou o dia. Desta vez estava decidido, faria mesmo o tal exame.

Na saída de casa minha filha pergunta:

_ Pai, aonde você vai?

Pensei meia hora, esperei que ela desistisse da resposta. Assim que percebi que ela havia se esquecido saí de fininho.

Abri o portão da garagem bem de mansinho, o malvado fez um barulho dos infernos. Veio a esposa correndo:

_ Pera aí, amor, vou com você!

Olhei pra ela com raiva e acenei atravessando o dedo na boca:

_ Pssiu!

Arranquei o carro e fui embora.

No trajeto, em um ponto de ônibus avistei um amigo que inquieto esperava o lotação que já estava atrasado. Fingi não tê-lo visto pedindo carona.

O miserável pulou na frente do carro feito um suicida. Ou eu parava ou passava por cima do infeliz.

Dentro do carro, alojou-se como faz todo carona, folgado que dói. Não havia andado vinte metros e já veio a primeira pergunta idiota:

_ Tá indo pra onde?

Dei vontade de xingar um palavrão, embora nunca o faça. Fingi não ter escutado. A esposa muito educada respondeu prontamente:

_ Ao consultório do doutor Alberto!

Notei que o safado gargalhou por dentro.

Quando ele desceu do carro a mulher disse:

_ Cabra curioso! Ainda bem que não falei o que você ia fazer!

Como se todos na cidade não soubessem da especialidade do ilustre doutor!

Parei o carro na porta do consultório e foi como se chegasse o Presidente da república. Fiquei pasmado com os olhares curiosos. Ao passar perto dos outros pacientes senti-me feito uma modelo na passarela, os olhos pareciam dizer:

_ Já vai ele! Coitado!

Fiquei de frente com a atendente, falei em tom baixo e educado:

_Tenho uma consulta para as dez horas.

Pensando que eu fosse surdo ela indagou em alto e claro português:

_Qual o médico?

Fechei a cara baixei o rosto perto do ouvido dela e murmurei quase inaudível:

_Dr. Alberto!

Acho que ela não ouviu direito, ou não sei se para irritar-me:

_Por favor, senhor, pode repetir:

Minha mulher irritada gritou:

_ Doutor Alberto! Parece que está surda!

Aí todos os presentes entreolharam-se como se assinassem minha sentença de morte.

Preenchida e assinada a ficha de atendimento, fiquei aguardado minha vez.

Depois de mim chegaram mais uns quarenta. A fila estava enorme. A secretária gritava feito locutora de rodeio o nome de cada paciente na hora da entrada ao consultório.

Quando gritou o nome do senhor à minha frente o cara quase sofreu um colapso, correu entrou antes que ela acabasse de pronunciar seu nome.

Nem o Airton Senna chegou a ser tão rápido nos bons tempos de fórmula um. Quando saiu da sala do médico o sujeito passou tão de fininho que ninguém percebeu.

Fiquei pronto para entrar ainda mais rápido que ele o fizera.

Quando a secretária gritou:

_ Senhor...

Entrei correndo no consultório. Pude ouvi-la terminar a frase:

_Representante farmacêutico!

Tentei fechar a porta depressa para evitar o ridículo. Ouvi a voz do tal representante em tom irônico bem atrás de mim:

_Não fique tão eufórico, aguarde sua vez!

Esbocei um sorriso sem graça, saí cabisbaixo, sem olhar pra ninguém e sentei-me de novo no banco de espera. Minha mulher, não sei por que, fingiu que nem me conhecia.

Meia hora depois o vendedor saiu todo sorridente apertando a mão do doutor:

_ Foi um prazer! Até a próxima!

Foi o primeiro que ouvi dizer isso ao sair.

Após tanta espera chegou a minha vez. A secretária bradou ainda mais alto que nas vezes anteriores e nem fez questão de usar o senhor, foi direto ao nome. Levantei-me e dirigi-me à porta. Ouvi a voz da minha esposa:

_ Posso entrar com você?

Fechei a cara em discordância.

O Doutor respondeu lá de dentro:

_ Eu não me importo se ela o acompanhar!

Olhei pra ele com uma cara feia!

_Quem é que tá te perguntando!

Ele sorriu sem graça:

- Brincadeirinha!

Nem me atrevo a contar o que houve Lá dentro. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas cada segundo pareceu-me uma eternidade.

Na saída todo acabrunhado procurei não dar alarde, levantei-me abri a porta e saí. Antes de fechá-la pude ouvir o doutor dizer:

_ Some não viu!

Não sei por que, mas na fila de espera foi uma gargalhada infernal.

Fiz questão de ir calado até o estacionamento tudo o que menos queria era falar sobre aquilo.

De repente ouvi aquela voz macia e inoportuna:

_Meu bem... Se quiser falar sobre o assunto...

Respondi irado, para que ela parasse com aquele papo:

_ Tudo bem, mas primeiro vamos falar sobre o divórcio!

Pensei que o papo fosse acabar por aí.

Ela retrucou em tom irônico:

_ É... O doutor deve ter sido mesmo Convincente!

É por isso que agora quando vou fazer esse bendito exame sempre digo a ela que estou indo a um joguinho de futebol. Só fico irritado quando chego em casa e ela diz meio que sabendo onde eu estava:

_Ei amor, tá arrebentado heim?

_O jogo deve ter sido mesmo cansativo. Ce tá um bagaço!

Saulo Campos

Itabira MG

Saulo Campos
Enviado por Saulo Campos em 13/05/2011
Reeditado em 26/12/2013
Código do texto: T2967210
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