CHULÉ DE DEUS

C H U L É D E D E U S

Nada de mais nem a estranhar, mais uma vez acontece dentro de um ônibus coletivo, e acontece algo insólito com NORMALYSON e outros coadjuvantes. Desta vez o destino é o trabalho dele. Linha 020 – Cruzeiro/Izidória/Praça da Bíblia.

Pois bem, uma senhora, bem apessoada, aparentando desenvoltura, trajada estilo dona de casa, de idade indefinida, talvez acima dos cinqüenta. Sentada no banco do lado do corredor, no ônibus coletivo, começa a reclamar:

- Que catinga de chulé!

Normalysson está sentado do lado dela, quase na traseira, pelo lado de dentro dos bancos, ou seja, junto à janela. Ele também sente o mau cheiro, é verdade que bem pouco. Procura aspirar o ar mais à frente e mais atrás dos assentos, porém parece que o fedor é localizado. Não percebe onde, também não diz nada.

A senhora, não suportando a inhaca, se levanta e vai para a parte da frente do ônibus. No que um senhor já bem idoso, passando dos setenta anos se senta; no lugar agora vago, e vai logo dando com a língua nos dentes:

- Fum! Que chulé!

Normalysson está tranqüilo, o odor não o afeta tanto quanto aos outros, mas se fosse de perfume ele reclamaria de imediato, pois detesta perfumes.

No colo dele vai uma sacola de plástico, tipo daquelas de supermercado, porém opaca, para não mostrar para os curiosos o que vai dentro, uma vez que o conteúdo dela só diz respeito a ele especificamente. Não é segredo, é um par de tênis, é que Normalysson faz Cooper, e vai voltar para casa correndo, e o tênis é próprio para tal, tanto que já está bem usado.

O senhor do lado dele, um pouco mais atrevido, na bucha, pergunta-lhe:

- Esta catinga de chulé não é dos pés do senhor?

Normalysson abaixa-se sobre os joelhos e respira fundo, mas não foi desta vez que detectou a origem da fedentina. E foi categórico:

- Não senhor!

Volta a aspirar o ar sobre os bancos da frente e de trás e novamente dá o veredicto:

- Muito estranho, mas também não é das pessoas à frente nem nas detrás.

O homem continuava a repuxar o nariz, outras vezes levava o polegar de um lado e o indicador do outro e apertava as ventas.

Como ele havia sido franco e direto com Normalysson, ele revidou:

- Por acaso não seria o senhor o dono do chulé?

O velho se sentiu ofendido, rispidamente esbravejou:

- Tomo banho todos os dias e lavo muito bem os pés. E pela manhã passo talco, por isso nunca tive chulé, fique o senhor sabendo!

Normalysson não é de se indispor-me com ninguém. Faz de conta que a justificativa dele era um ponto final na amistosa conversa. Se sentado estava, sentado ele permaneceu.

Naquele momento pensou lá com seus parafusos sem rosca: “Os incomodados que se retiram”. Parece que o senhor estava lendo seus pensamentos, pois ele se levantou bruscamente, pediu licença a uma jovem estudante que estava no corredor e caminhou para frente do ônibus, bem lá onde estava a senhora que havia levantado à lebre.

De cá do seu camarote, Normalysson via os dois conversarem, e pelo visto trocavam palavras nada elogiosas sobre o chulé, mas como estavam distantes, bem uns quatro metros, e dentro de coletivo é sempre uma balbúrdia de enes conversas, principalmente as fúteis em celulares, ele ouvia, mas não entendia nada do que falavam.

Deixou como estava para ver como ficava.

A estudante, que por sinal não era nada bonita, muito mais para era feia, se aproximou do lugar vago, aspirou o ar, fez careta e voltou para onde estava antes. Não quis se sentar do lado de Normalysson..

Havia outros passageiros de pé, todos sentiam o odor maligno, mas não se predispunham a aproximar se dele.

Normalysson não deu bandeira e nem importância para ninguém em função do chulé.

Se pensavam que aquele humor negro era seu estavam redondamente enganados. Haja vista que os dois que haviam sentados com ele não conseguiram identificar a fonte do chulé, muito menos ele conseguiu identificar. Não é que ele sofresse de anosmia (perda do olfato), mas aquele cheiro específico não estava perturbando-o ao ponto de ter que abandonar o banco.

Bem comportada e organizada sobre as coxas de Normalysson estava a sacola com o par de tênis.

Talvez devido à hora 6:40 h da manhã, seria normal o coletivo estar lotado, mas aquele não estava; e o que tudo indicava é que ia outro à frente pegando todos os passageiros possíveis e imaginários. Pois aquele que íam só parava nos pontos para descer, nem uma vez para entrar passageiro.

E assim a viagem prosseguia. Parada aqui, parada acolá e chegaram ao destino final. Terminal da Praça da Bíblia.

Normalysson alegre, feliz e satisfeito, como sempre, desceu do ônibus, saiu do terminal e...

- Puta merda! O sapato de Deus amanheceu hoje no maior chulé!

Sim senhor! Dentro do ônibus fedia, dentro do terminal catingava e fora também.

Eureca!

Caiu a ficha!

O chulé era do seu tênis que estava dentro da sacola que ele levava.

(agosto/2007)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 19/04/2011
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