DITADOR & MAIS
DITADOR
Ao se abrir computador, cada vez mais,
surgem problemas de todo inesperados:
programas são sem ordem encerrados,
outros se abrem sem se chamar jamais.
Bem longe dos teclados naturais
em datilografia utilizados...
Os erros facilmente eram achados
sem precisar conhecimentos anormais.
Mas isso em que agora nos movemos
é uma entidade soturna e demoníaca,
que nos governa sem que seja governada
e até nos determina o que fazemos,
em horoscópica atuação zodíaca,
onipotente, que nos reduz a nada!...
ECONOMIA I
Morreu a mulher do turco e no jornal
foi por um anúncio. Pra ser baratinho,
"Samira morreu", escreveu num papelzinho,
que entregou com o ar mais natural...
"Não vai botar mais nada?" falou o rapazinho
encarregado dessa seção fatal,
que chamam de obituário... "Olhe, afinal,
existem muitas Samiras..." "Meu amiguinho,
Salim quer pagar pouco..." "Dez reais
é o preço mínimo, mas pode colocar
até cinco palavras por verbete..."
Falou o turco: "Então, Salim põe mais,
pra aproveitar o preço... Vai botar:
"Samira morreu, vendo Monza 87!"
ECONOMIA II
Em seu leito de morte, a casa cheia,
cuidado apenas pelo seu netinho,
agonizava um infeliz velhinho,
bem no final de sua vida a teia...
Mas então, um tremor lhe corre a veia:
sentira o cheiro que entrava de mansinho...
E então, fez um pedido bem baixinho,
que seu netinho lhe trouxesse meia
fatia daquela cuca deliciosa
que a vovó estava preparando,
melhor do que as compradas num empório...
Voltou o menino, com cara desgostosa:
"A vovó disse que é pra eu ir esperando,
que vai servir essa cuca em seu velório..."
CUPINS DE VENTO I
Andam falando que existia uma camada
feita de ozônio e que não existe mais,
na nossa zona, que esquenta até demais
o Sol agora, já que nem de madrugada
a gente se refresca, sem mais nada,
só com ar condicionado, ventilador, que mais?
Mas essa gente se esquece de jamais
lembrar cupins de vento em revoada...
Durante o inverno, ao frio não estão "afins"
e o vento sopra gélido e fininho:
até nos ossos consegue penetrar...
Mas no verão, renascem os cupins:
o vento sopra todo furadinho!...
Quase não chega pra se refrescar!...
CUPINS DE VENTO II
E quando fica muito quente, a seca,
evaporando em tudo que é lugar
a água dos rios, lagoas e do mar,
leva consigo, ao nos deixar careca
a terra inteira, porque tudo resseca,
até as ovas de peixe para o ar!...
Lá elas ficam, nas nuvens a flutuar,
até que muda o tempo e nos defeca
uma tremenda chuva de verão:
dor de barriga do céu, como se sabe!...
É que as ovas descascaram e cresceram,
durante todo o tempo em que lá estão:
seu peso sobre as nuvens já não cabe,
por isso os peixes sobre nós choveram!...
CUPINS DE VENTO III
Eu sei que é proibido, mas um dia,
fui pescar caturritas escondido,
durante a piracema. Igual bandido,
fui com anzol e rede, em fantasia
de na cozinha encher uma bacia
com vinte e tantas caturritas, no sentido
de fazer passarinhada... É bem sabido,
depois de depená-las sobre a pia!...
Elas subiam pelo rio depressa
e a corrente me empurrava em desfavor:
da minha rede nenhuma se aproxima!
A força da torrente nunca cessa...
Mas fui esperto: eu reverti o motor
e fiz o rio correr coxilha acima!...
CUPINS DE VENTO IV
Mas enquanto eu depenava as caturritas,
naturalmente, após partir o pescoço,
já preparado para um bom almoço,
guardando as penas, que são tão bonitas
para trançar um chapéu, cheio de fitas,
que levaria, mais cheio de alvoroço,
pra minha china, presente bem de grosso,
uma me fez uns olhos de bolitas...
E me pediu: "Misericórdia, senhor, tenha piedade!
Eu sei lavar, passar, varrer e cozinhar
e, se o senhor esperar até eu crescer,
até sua namorada eu posso ser..."
Fiquei com pena do bicho, de verdade
e fui buscar uma caixinha pra guardar...
CUPINS DE VENTO V
E a caturrita se criou comigo...
Dava gosto de ver! Com o rabinho
varria o chão e espanava direitinho
e com o bico retirava o pó antigo
que se juntava por qualquer cantinho...
Fazia a comida e até geleia de figo:
era tão boa que nem contar consigo!
Me fazia cafuné e mais carinho...
Depois, ela cresceu, ficou bonita,
fez uma plástica, pra tirar o bico,
usava calça jeans e salto alto!...
Até no vídeo ela ia buscar fita...
Mas de braço com ela, eu pago mico:
é mulher verde andando pelo asfalto!...
CUPINS DE VENTO VI
Passou o tempo e a gente se ajeitou:
sem o bico, ela beijava muito bem...
a penugem verde me aquecia também:
nenhuma mulher igual que ela me amou...
Só a voz esganiçada não mudou...
A comida era excelente, com um porém:
nunca fez uma omelete pra ninguém,
e nem sequer um ovo me fritou...
Mas um dia, notei a diferença,
depois que nos casemo no cartório:
vi ela sentada no cantinho de um armário!
Tinha feito um ninhozinho e estava tensa...
Será que demudou após nosso casório?
Abracei com carinho e levei ao veterinário...
CUPINS DE VENTO VII
Chegamos lá e nem sei porque essa gente
nos olhava com um jeito tão estranho:
decerto caturrita do tamanho
da Kátia Rita não se via frequente!
O veterinário examinou com lente
as partes dela... Tinha tomado banho
antes de vir... Vou contar e não me acanho
que um cheirinho de galinha a gente sente...
Ele falou: "O sr. está de parabéns,
porque essa ave é de uma espécie rara,
mas está choca e logo vai por ovos...
Dê muito alpiste, alface e azevéns..."
Guinchou a Kátia Rita, que até então calara:
"Ah, não, doutor! Quero só frutinhos novos!"
CUPINS DE VENTO VIII
O veterinário até arregalou os olhos,
engoliu em seco e disse, num gemido:
"Seu dono lhe dará o alimento preferido,
mas precisa comer cenoura aos molhos..."
A Kátia Rita soltou um áspero grasnido:
"O senhor pensa que sou uma ave à toa?
Saiba que venho de família muito boa!
Não tenho dono, este aqui é meu marido!..."
O veterinário fez depressa uma receita,
com o regime que devia ser seguido,
para os ovinhos não gorarem no meu teto
e ia me entregar, mas ela foi direita:
pegou com a boca o papel que tinha lido:
"Deixe comigo, que o João é analfabeto!..."
CUPINS DE VENTO IX
É verdade que eu comprei uns documento,
mas fiz o supletivo e não assino mais de cruz,
só que a minha letra, ai meu bom Jesus!
Só minha caturrita entende os meus intento.
Ela escreve tão bem com a ponta das patinha,
só tenho de ajudar para ficar de em pé...
Quando tira o sapato, sinto um cheirinho até,
mas põe desodorante embaixo das asinha...
Levei a Kátia Rita de volta para casa,
em vez de ir pra cama, se enfiou no armário:
a cada dois minuto, depressa ela se agacha
e põe mais um ovinho na prateleira rasa,
com muito mais carinho que pássaro ordinário:
fez ninho bem macio usando umas bombacha!
CUPINS DE VENTO X
O chato foi que se passou uma porção
de dias sem querer sair do ninho:
ficou chocando os ovos, com carinho;
levava alpiste pra me comer na mão...
Depois alface ou sanduíche, leite e pão...
Quando saía do armário, de mansinho,
fechava a porta, bem devagarinho,
para eu não ver como ia a incubação...
Quando quis tomar banho, me pediu
para ligar bem quente o secador
e ficar assoprando sobre o ninho...
Deixou os ovos tapados com um paninho...
Quando voltou, insistiu: "Mas tu não viu?
Eu te pedi para esperar, querido amor..."
CUPINS DE VENTO XI
Eu garanti que nem tinha espiado...
Ela sentou de novo, pra chocar;
daí a uns dias, ouvi alguém piar:
nosso primeiro ovo tinha chocado!...
Ela me deu pra segurar. Tive cuidado:
caturritinha branca de arrepiar!...
Mas depois, começaram a descascar
uns machinhos que puxaram do meu lado...
Tivemos seis. Os piás não tinham penas,
só no biquinho que eram iguais à mãe...
As prendinhas tinham penas bem branquinhas
e só o bico elas não tinham, apenas...
Eu dava leite e esmigalhava pães,
todo orgulhoso das criaturinhas...
CUPINS DE VENTO XII
Mas um dia eu cheguei e os três piás
tavam catando minhoca no jardim...
"E a mãe de vocês?" -- eu perguntei, assim
e eles disseram: "A mamãe voou...
A mãe e essas três gurias más
foram embora. Estão voando por aí..."
E eu fiquei desesperado aqui:
"Será que a Kátia Rita me deixou...?"
Mas umas horas depois, ela voltou,
mais as prendinhas, com cestas nos biquinhos:
tinham ido pescar peixes pelo ar!...
E mais cupins de vento me mostrou,
que ia fritar para nossos garotinhos,
sem nem sequer pensar em me deixar!...