JERICÓ II & MAIS

JERICÓ II

esta é expressão que sempre me assustou:

"um beijo no teu coração..." horrível,

como a furar a barreira intransponível

do meu esterno, que sempre me escudou:

inquietação,

na expiração,

suor na mão

e um arrepio...

esse tipo de beijo é mais pungente,

mesmo que seu sabor seja vazio,

de certo modo, me deixa em corrupio,

embora um beijo real seja mais quente.

talvez sejam como beijo de vampiro

esses teus olhos... e até mesmo miro

os dois buracos abertos bem na frente!

OBLÓQUIO [ruído na comunicação]

(para Claudiomar Barcellos)

Era um casal de velhinhos. Todo dia

a esposa passava o miolo do pão

para o marido e na casca, sem paixão,

punha manteiga e logo então comia.

Certa manhã, sem saber o que fazia,

ela estendeu a casca, com a mão,

para o marido, com tão meiga expressão,

que, de imediato, o velho já engolia...

Lambeu os beiços e lhe agradeceu...

"Que bom, querida, há anos que eu queria

comer a casca, para meu consolo..."

Essa notícia à senhora surpreendeu:

"Mas eu comia a casca e não sabia!...

Logo eu, que sempre quis comer miolo..."

RÁDIO-PATRULHA

Um cara viu que arrombavam a sua casa;

para a polícia telefonou com pressa:

"É um assalto, venham bem depressa!..."

"Não temos gente e não temos viatura..."

Então o fulano, numa mentira, arrasa:

"É que eu matei os dois, a coisa é essa!

Estou com dois defuntos nesta peça,

mas a parada foi bastante dura..."

Veio a polícia, quase imediatamente

e prenderam em flagrante dois ladrões.

"Você não disse que tinha morto os dois?"

"E você não disse que não tinha gente?

Pois eu disse que matei os bandidões

e a viatura apareceu logo depois..."

CALÇAS SUJAS (para Cláudio Albano)

Saiu do aeroporto um avião;

Logo a seguir, informou o comandante:

"Senhores passageiros, neste instante,

sobrevoamos uma vasta cerração;

estamos a mil pés e a navegação

transcorre muito bem... E logo adiante

vou repassar informação interessante

sobre este nosso voo e.... NÃÃÃÃÃO!..."

Logo a seguir: "Senhores passageiros,

desculpem pelo susto... Eu derramei

café quente na bragueta... Ai, meus filhos,

eu me queimei, por isso meus berreiros..."

Respondeu um: "Eu também me sujei!

Precisa ver como ficaram meus fundilhos..."

O SIGNIFICADO

Sherlock e Watson foram acampar.

De noite, o detetive se acordou

e, calmamente, as estrelas observou.

Sacudiu Watson para o despertar.

"Meu caro Watson, eu queria lhe mostrar

essas estrelas..." logo lhe falou.

"O que elas significam?" -- indagou.

Em meio ao sono, fica o médico a cismar:

"São mil sóis que rodeiam nossa Terra..."

"Não, Watson, têm um outro significado."

Disse Watson, o militar aposentado:

"Se têm planetas, podem estar em guerra!"

"Não, Watson, você é burro, não se ofenda:

Significa que roubaram a nossa tenda!..."

COMENTAIRÔNICOS VIII

Esse meu pai era cheio de manias;

nada fazia que demonstrar riqueza

pudesse aos olhos de sua congregação:

mais que tudo, importante era humildade.

Um tratamento ortodentário, em realidade,

pareceria a seu olhar ostentação,

ofenderia aos pobres, com certeza!

Uma coisa imperdoável nesses dias...

Assim, meus dentes permanecem tortos

cinquenta anos depois e eu mal sorria

da adolescência sensível no momento...

Pior seria que, surgido dentre os mortos,

ele me abrisse a boca (e é o que faria!),

para mostrar-me precisar de um tratamento!

NOTICIOSO (para Tristan Riet)

A Argentina legalizou a homossexual

união, por casamento indissolúvel,

tanto quanto um matrimônio, esse volúvel

contrato de valor só material,

possa ser permanente e não casual.

Uma união homossexual é tão solúvel

quando o mistério humano é insolúvel:

tantos contratos são rompidos, afinal.

Mas a Igreja e a Sociedade se alevantam,

em mil protestos contra a decisão

de permitir tais contatos libertinos...

Eu, na verdade, nem sei porque se espantam,

pois tem seu lado bom, que dessa união

não poderão nascer mais argentinos!...

CALOR DE GATO II

Minha amada era agridoce,

por vezes, puro amargor;

e com todo o meu amor,

quando dela tomei posse,

esforcei-me que então fosse,

por ação de meu calor,

abandonando essa dor,

pois só doçura lhe trouxe...

E a meta foi alcançada:

sua tristeza abandonada!...

Pois recordo, em minha paixão,

o sabor de minha amada:

ficou tão açucarada

que, no fim, virou pirão!...

ABELHAS E ARANHAS I

Eu hoje almocei tarde e fiquei lavando versos,

com detergente e esponja, na pia da cozinha:

a cada dois minutos, eu esforçar-me tinha

para das mãos secar os argumentos dispersos.

Pus cartões no escorredor dos rascunhos imersos,

a pingar as ideias com que a mente engalfinha:

ensaboados os dedos, nessa missão mesquinha,

fui empilhar mil linhas nos cantos submersos.

Por isso, é justo agora que abra minha torneira,

para limpar palavras no fio de água da pia,

deixar que ideias tolas se escoem pelo ralo.

Melhor borrar a tinta que imagem rotineira

incluir nesses cantos que a mente me trazia,

enquanto passo a toalha e em meu cismar resvalo.

ABELHAS E ARANHAS II

Havia uma mulher que colecionava dores,

e as conservava dentro de frasquinhos de esmalte;

mas arranjou uma pipa, que espaço não lhe falte

para guardar as penas de tantos doadores.

Ali ela amontoava as dores, sem cuidado,

até encher da barrica bem mais do que a metade;

um dia, num momento de impulsividade,

o tonel destampou e descobriu mofado,

em parte, o conteúdo de sua coleção;

teve de jogar fora as dores pelo mundo:

elas andam por aí, à espreita e à tocaia...

Hoje ela tem um armário e mostra com paixão

as dores às visitas, em seu prazer profundo...

E as outras por aí? Só esperam que alguém saia!

AVEJÃO

Vassoura nova varre bem. Depende:

a ponta torta penetra nos cantinhos,

as palhas velhas em fresta e buraquinhos,

onde a sujeira preferir se estende.

Já as novas de plástico, se entende

que tenham menos força nos espinhos,

pois se destinam a só fazer carinhos

nesse lustro com que o parquê se atende.

Assim não têm a mesma duração:

suas cerdas se enroscam e assim vão

ser incapazes da mesma serventia

que a da velha vassoura de piaçava,

cuja função raramente terminava

e que depois no céu voar se via!...

BRAVURA

O governo da Argentina declarou

uma guerra à República da China,

como se fosse a distância pequenina:

um inimigo externo assim buscou.

Pois a China prontamente contestou

à presidente da República Argentina:

"Declaração aceita" e, com estima,

as suas tropas logo enumerou:

"Temos quinze milhões na infantaria,

mais de mil porta-aviões, em que esconde

imensa frota de novos bombardeiros!..."

Desculpou-se a Argentina da ousadia:

"Declaração retirada, pois não temos onde

alojar tantos milhões de prisioneiros!..."

William Lagos
Enviado por William Lagos em 19/03/2011
Código do texto: T2856930
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