O FATO DO FATO & MAIS
O FATO DO FATO
Eu me lembro de usar antes gravata,
casaco e até colete; e uma bengala,
que foi de meu avô, estranha gala
para quem, a contar da vida exata,
nunca ia a festas. A roupa era sonata
tocada sem piano... Um som de fala,
com a língua desligada. A triste escala
de uma vida mais vazia que abstrata.
Depois lembro desistir, a pouco e pouco:
primeiro da bengala, que guardei,
dos coletes depois, porque engordei
e usá-los sem botões, somente um louco.
guardo as gravatas como um malmequer
e hoje... nem casaco uso sequer!...
BALANÇO
A senhora já era bem velhinha:
no aniversário, sentaram num sofá.
Inclinou-se para um lado e veio já
alguém que a colocou bem direitinha.
Caiu para o outro lado e depressinha
veio gente e a endireitaram lá.
Ela fica bem reta, mas está
com expressão bem aborrecidinha.
Veio o bisneto e pergunta como estava,
se precisava de almofada ou de algum
refrigerante ou atenção daquele povo.
"Está tudo bem," respondeu-lhe, meio brava,
"mas cada vez que eu quero dar um pum,
alguém me bota no lugar de novo!..."
BATIDA
O passageiro não se sentia à vontade
com o motorista, que ficava olhando
as mulheres que passavam e gabando:
"Olha que gata, cara! A mais linda da cidade!"
Porém o passageiro, sem maldade.
gritou: "Feia! Feia!" -- contrariando.
O motorista, da resposta não gostando,
respondeu: "Cara, essa é gata de verdade!..."
Foi nesse instante que o táxi bateu
num caminhão que o havia fechado...
"Ô, cara, por que tu não me avisou?"
queixou-se o taxista. "Tu quase morreu!"
Mas disse o passageiro, indignado:
"Eu guitei: Feia! Feia! Tu que não feiou!..."
VERTENTE
Um cara, que era muito suador,
foi no forró e tirou uma mulher,
para dançarem música qualquer,
de passo rápido e de muito ardor...
Mas fazia no galpão muito calor
e logo o cara começou a escorrer
o suor, que não parava de verter,
quanto mais se esforçava o dançador...
A mulher, em seguida, se enojou,
envolvida numa nuvem de fedor,
porém o cara nem sequer notou...
Ela falou: "Mas você sua, hein?..."
E o cara, pensando que era amor,
disse: "Ai, que bom! Eu vou ser seu também!..."
DESINCHOL
Um charlatão inventou o "Desinchol",
um remédio que prometia emagrecer
esse povo que deseja aparecer
pelas praias e mostrar-se à luz do sol...
Ele vendeu do seu remédio um rol!...
Toda essa gente quer peso perder,
sem exercício e podendo ainda comer
o dia inteiro, desde o arrebol!...
Só tem que a droga engordava ainda mais!...
Logo os clientes conseguiam perceber
e queriam se cobrar desse rapaz...
Mas era muito esperto o tal calhorda:
ele era magro e conseguia correr
bem mais depressa que aquela gente gorda!
PIRATA I
Numa cadeia está um velho pirata;
conta vantagem para os prisioneiros:
"Já tenho mais de setenta e dois janeiros,
mas ganhei muito ouro e muita prata!"
A imaginação dos outros se dilata.
"Meus ferimentos são muito lisonjeiros:
em combate contra muitos marinheiros,
perdi a perna e o braço, sem bravata!..."
"Mas como veio a usar perna-de-pau?",
perguntam os colegas, assombrados.
"Foi num combate contra dez franceses...
depois cortaram minha perna sobre a nau,
porque meus ossos ficaram esmigalhados,
no meu beliche fiquei por vários meses!..."
PIRATA II
"E o gancho?" perguntaram os colegas,
"que você usa no lugar da mão...?"
"Ah, foi quando eu matei um capitão,
depois de longo duelo e muitas pegas...
Eu venci, mas nessa luta às cegas,
um marinheiro me atacou à traição:
meu braço ele furou com um arpão,
mas matei esse covarde nas refregas..."
"Mas e seu olho? Por que usa esse pacho?"
O pirata suspirou, em nostalgia,
enquanto dava uma dentada no seu pancho:
"Vocês sabem... Eu sempre fui bem macho,
mas o meu olho... Eu furei no outro dia...
Não me lembrei que estava com o gancho..."
EVENTOS
É a condição humana, com certeza!...
Depois que chegas à idade do "com dor",
A vida ainda tem igual beleza,
As cores ainda trazem seu calor...
Mas esse nome muito bem descreve
As decadências da carne continuadas:
Pois a troco de cada prazer breve,
Recebes trinta dores demoradas...
Não é que seja a corrupção da idade:
Foi resultado de pura distração,
De tanto maquinar "poesidade",
Levei um tombo e quase quebro a mão;
E como a pôr à prova a própria fé,
Ao sair da farmácia... torço o pé!...
este deve ter sido inspirado pelo Aporelly, o famoso poeta burlesco Aparício Torelli.
ACUSANDO O INOCENTE (para Eurico Salis)
Acusações sempre são desagradáveis.
Acusa-se de roubo, de homicídio,
acusa-se um infeliz de suicídio,
que não deixou despedidas mais palpáveis.
Acusam-se adultérios condenáveis,
menores só um grau que uxoricídio;
acusa-se também de parricídio
quem só partiu a corações instáveis.
Mas eu tenho um amigo acusador,
cujo caráter é eivado de ironia:
julga ridículo todo o sentimento.
E foi assim que, em todo o seu ardor,
só porque meus e-mails não respondia,
ele "acusou-me" o infeliz "recebimento"!...
SOGRINHA
Uma senhora com oitenta anos
foi presa por roubar no armazém.
O juiz repreendeu: "Ora, pois bem!
Na sua idade, comete atos insanos!...
"Pois é, doutor, mas é que eu só roubei
Cinco pêssegos em compota, uma latinha...
O senhor vai me perdoar, eu sou velhinha,
'tava com fome, foi por isso que peguei..."
"Pois eu vou lhe prender por cinco dias,"
disse o juiz. Então o genro apareceu,
suando ainda, os nervos numa pilha...
"A minha sogra tem essas manias,"
acusou, "mas não foi o que aconteceu:
o que ela roubou foi a lata das ervilha!..."
ARTRITE
Um cara entrou na igreja e se ajoelhou:
fedia a canha, tinha manchas de batom
pela camisa toda. E, para pior dom,
fumava sem parar e nem rezou...
Assim que um padre se aproximou,
ele se ergueu do banco e fez um som
que não se faz em lugares de bom-tom
e ao ver o padre, nele se abraçou...
"Ô, seu padre, o que é que causa artrite?"
"É uma vida desregrada e imoral,"
disse o padre, desamassando a capa.
"É bebedeira, cigarro ou é quem se agite
com qualquer mulher." "É que eu li no jornal
que quem andava com artrite é o Papa!..."
SEPULCRO [20-4-2010]
(para Cláudio Albano)
Durante uma visita à Palestina,
morreu a sogra de um certo cidadão;
não nos importa qual seja a razão,
foi morte natural, era a sua sina.
A autoridade sanitária determina:
"Se quiser enterrar esse caixão
aqui em Jerusalém, as custas são
de mil dólares, por sepultura fina;
Mas se para o seu país quiser levar,
isso vai lhe custar cem vezes mais."
Trazer para o Brasil ele optou...
"Já vi que muito o senhor a deve amar,
para gastar assim..." "Ah, não, jamais,
mas foi aqui que Jesus ressuscitou!..."