TROCA & MAIS
A TROCA I (para Wilma Pérez)
(Salve, Apuleio! Viva, La Fontaine!)
Um camponês cansado adormeceu
à sombra de uma árvore, seu burro
preso por uma corda, cada zurro
alertando seu dono: aqui estou eu!
Ele mal abria os olhos: -- Burro meu,
pasta com calma, que eu nunca te surro;
eu sou um dono bom -- até te empurro,
quando subida mais dura apareceu...
E voltava a dormir. Logo depois,
se aproximaram dois espertalhões,
que decidiram o camponês lograr.
No pescoço, pôs a corda um dos dois
e o outro levou o burro, aos empurrões:
com um bornal de milho o fez calar!
A TROCA II
O camponês acordou, sobressaltado,
dando falta do burro, incontinenti:
-- Quem é você? O que faz aqui presente?
Cadê meu burro? Por que está amarrado?
-- Patrão, eu sou um homem encantado
por um bruxo malvado, em Deus descrente;
mas o feitiço não era permanente,
passou-se o tempo e já fui libertado!...
O camponês pensou um pouco e disse:
-- Eras meu burro; agora, és meu escravo!
A conclusão é mais que natural...
Paguei por ti -- embora me iludisse...
Abaixa o lombo e nem tentes ficar bravo!
E colocou-lhe a carga do animal!...
A TROCA III
Ao ver que o camponês era mais forte,
o vigarista aceitou a situação,
mas não tinha a robustez e a mansidão
desse burro com quem trocara a sorte!
-- Meu nome é Lúcio, patrão, não tenho porte
para levar essa carga sem razão!...
Por favor, mostre ter bom coração,
não use esse chicote e nem me corte!...
Levada a carga, o dono o libertou:
o sem-vergonha bem depressa se escapou
e o campônio acreditou nele, afinal...
Chegando à feira, seu burro lá encontrou.
-- Quem não te conhece, que te compre! -- sussurrou
e foi ligeiro a comprar outro animal!...
ÜBERMENSCH
O super-homem Nietzscheano era poeta,
um filósofo, um sábio, um pensador,
capaz, em seu platônico esplendor,
de governar o mundo como esteta...
Porém fizeram dele esse pateta,
reduzido à aparência do exterior,
revoluteando da guerra no esplendor:
o mundo a conquistar era sua meta...
E do outro lado do oceano, delirante,
foi transformado em um pequeno deus,
a proteger o mundo material!...
Nem um, nem outro, o homem triunfante:
um se ocupando a exterminar judeus,
glorificado no outro um policial!...
EOLUROFOBIA [horror a gatos]
Não quero me queixar: eu vivo bem:
trabalho dezesseis horas ao dia,
mas nem quero dormir; a fantasia
escorre de meus olhos; e também
no devaneio me perco, quando vêm,
sabe Deus donde, os sonhos de harmonia,
tal qual se a própria Terra me diria
que outros tesouros preparados tem.
Mas é que eu vejo tanta indiferença.
sem que razão pudesse dar sequer,
sem ver motivo de ser tratado assim...
Mesmo perplexo com tanta malquerença,
o que fazer, se vivo com mulher
que cuida mais dos gatos que de mim...?
RIMAS PARALELAS I
Neste momento, eu sinto nas narinas
que toda a inspiração que me destinas
transformou-se em coriza e mais defluxo...
Expectoro e transnuto todo o influxo
que de ti venha... É quando amor percebo
tal qual virose e os versos um placebo...
Eu sei que tive meus predecessores
a descrever pulmões em seus humores...
Não ressumbro de nada assim romântico:
não sou tuberculoso ou rabdomântico.
Transito apenas pela fase nova,
que nem sequer espero te comova,
de alguém que se acamou e, preso ao leito,
busca, afinal, tirar algum proveito
desses sintomas pobres, corriqueiros,
de um resfriado tomado de terceiros...
RIMAS PARALELAS II [julho de 2007]
Pois foi assim: a meu redor eu via
o povo a desfrutar da meiga nostalgia
dos espirros, da tosse e da coriza
de um resfriado trazido pela brisa!...
Só eu que não pegava... Que saudade!
O último em novembro e é bem verdade
que nove meses dura a gestação,
enquanto a gripe acometia a multidão
e eu não era aquinhoado... Que injustiça!
Até junho me fugia essa noviça
epidemia que a todos derrubava,
porém de mim ainda se esquivava...
Então, a persegui, em minha loucura,
como um amante empós a luz mais pura...
Sentia-me excluído, até que a achei
e em casto beijo a gripe enfim peguei!...
[Asneira minha!... Fui me vacinar contra e gripe e depois dessa, peguei mais três até setembro de 2007. Depois disso, não me vacinei mais e já fazem 26 meses que não pego outra!...]
BOÊMIO (para Adhemar J. Barros) 22 fev 10
Quando chego em meu lar, às onze horas,
ou um pouco mais tarde, porque horários
não são tão fixos como os calendários
e os lá de casa adiantam minhas demoras,
(do mesmo que as taças que bebi,
quando em presença de minha senhora esposa,
metade são que os copos que a formosa
calculou que no jantar eu consumi...),
aberto o colarinho e minha gravata
desatada em posição mais confortável,
ela me acolhe com seu olhar contrito
e me diz: "que bonito!" em tom que mata...
E é por isso que consumo o vinho amável:
para que ela ainda me chame de bonito!...
ALÍVIO I [para Liège Gischkow]
Um pobre garotinho venezuelano
chegou da escola, sem ganhar merenda.
Viu a mãe remendando uma fazenda,
com retalhos retirados de outro pano.
Passando fome já há mais de um ano,
pediu à mãe: "A senhora não se ofenda,
há algo de comer em nossa tenda?"
E ela lhe disse, em tom de desengano:
"Não, meu filho, a comida já acabou..."
Ele viu o papagaio em sua gaiola,
a pata presa por uma correntinha...
Então uma nova ideia perpassou
(talvez achasse antes que era tola),
pelos meandros de sua cabecinha.
ALIVIO II
"Mamãe, quem sabe, papagaio com arroz?"
"Nós não temos arroz, pobre filhinho,
o de ontem nos deu nosso vizinho,
não tinha mais para nos dar depois..."
"Mas a senhora não pode assar no forno?"
"Não, filhinho, o gás também faltou..."
"E na assadeira elétrica?" -- falou.
"A luz cortaram, o tempo hoje está morno..."
"Mamãe, não dá para fritar o papagaio?"
"Mas como, filho, não temos mais azeite...
As coisas ficam cada dia mais graves,
pra cozinhar, só se nos cai um raio..."
E gritou o papagaio, em seu deleite:
"Longa vida ao Presidente Chávez!..."
PROPOSTAS I (para Cláudio Albano)
Foi aberta em Brasília a concorrência
para a nova construção de instalações,
a fim de dar abrigo às multidões
que dos Jogos Olímpicos à assistência
chegariam ao Rio, com impaciência,
esperando usufruir mil emoções;
ou dos atletas as acomodações
ao grande evento de geral frequência.
Apresentaram-se três grandes empreiteiros,
um deles japonês, um outro, americano,
outro escolhido dentre os brasileiros.
O japonês apresentou à licitação
um orçamento honesto sobre o pano:
"Por três milhões eu faço a construção."
PROPOSTAS II
Explicou honestamente o empresário:
"Com dois milhões eu pago o material
e a mão-de-obra. E ganho, no final,
meu lucro de um milhão em numerário."
Declarou o americano: "É necessário
desembolsar seis milhões. É natural,
eu pago o dobro para o meu pessoal,
mas faço obra de primeira nesse páreo!"
E apresentou seu orçamento o empresário
que era brasileiro: "Serão nove milhões!"
"Esta é a mais cara das licitações,
como se explica?" -- espantou-se o funcionário.
"É simples. Três pra mim, pra você três
e, com os outros, eu contrato o japonês!..."