BRANQUELA, QUEM, EU?

Antes de começar minha crônica já esclareço que vou falar de mim, pois vai que alguém mais colorido ou mesmo " mais descolorido" que eu argumente que o meu assunto é preconceituoso.

Bobagem, não é não!

Aliás, essa coisa de "preconceito" esbarra num relativismo tão grande que, hoje em dia, basta se ser algo descorado para também já se correr o risco de bullying.

Quando eu era criança, se alguém queria me ferir, ah, não tinha outra, logo me deflagrava um "sua branquela!" e eu, claro, tinha que acatar aquela verdade...que continua até hoje verdadeira.

Ultimamente tal atitude poderia ser até crime inafiançável, é o que dizem, embora duvide eu que alguém possa ser autuado por tal denotação tão incolor.

E mesmo que os tal adjetivo tivesse a maldosa conotação preconceituosa, ora, para mim seria, digamos, quase um "autopreconceito" de brancura, assumido mesmo e até "auto autuado", afinal, num país tropical e de tanta miscigenação racial, basta se ter descendência nórdica para que nos sintamos bem diferentes...quero dizer, um tanto quanto pálidos, quase de aspecto meio doentio, principalmente sob o sol das nossas tão belas praias, que nunca é dosado para atuar sobre nós branquelos e aonde tudo é muito coloridamente bronzeado.

Afinal, como acho bonito aquele tom amorenado mais natural ,de raça, apenas abrilhantado pelo sol, aquele artístico resultado de tanta fusão gênica, cuja sensualidade nos dá um toque tão caracteristicamente tropical...

E depois deste blá blá blá descorado, dia desses dei de cara com um creminho que se denominava "autobronzeante", duma renomada composição dermocosmética vinda lá de fora..ah, e ainda numa oferta irrecusável. Quem resistiria? Com certeza não seria eu que adoro um creme...

Bem, o verão já está se indo, e mesmo os branquelos como eu, na alta estação, conseguimos uma tonalidade razoável mesmo fugindo (como é o meu caso) dos nem sempre tão embelezadores raios UVA/UVB. Depois da brancura vem o foto envelhecimento que não falha em cor alguma.

Quem sabe, ali eu encontraria minha solução.

"Meus autopreconceitos finalmente acabaram" pensei.

Senti o perfume suave do tal creme, a sua textura leve e hidratante e a sua cor bem branquinha...e de fato, me apaixonei por ele, mesmo sendo um creme branquelo.

Parecia inofensivo, "isso não está com cara de colorir nem numa aquarela!", pensei.

Mas arrisquei.

Untei apenas as pernas com o tal produto milagroso e esperei pelo resultado, posto que achei mais prudente não me autobronzear por inteiro...afinal , já passei tanto tempo na brancura mesmo...poderia muito bem passar mais um pouco em branco.

No dia seguinte...ainda tudo muito alvo!

Não desanimei e continuei.

Progressivamente fui notando algo diferente, num tom meio acobreado de pele, diferente mesmo e, claro, fui me animando. "Deve ser a cor do bronzeado dos branquelos, " deduzi.

Aquilo parecia mágica...ainda tomei um "solzinho" da manhã sobre o creme, hum, parecia dar resultado, sim.

Em três dias confesso que eu já não era mais aquela branquela tão uniforme de antes: eu era duma brancura meio bicolor, meio manchada.

Tudo bem, estava valendo, e eu me sentia no máximo do "bronze" que um branquelo poderia chegar sem tomar sol. Não é incrível? Eu era outra! Finalmente no mundo dos coloridos!

Nem parei para pensar como aquilo agiria nas células, melhor nem pensar muito, às vezes pensar só atrapalha a vida da gente.

Foi quando, de súbito, encontrei uma amiga.

"Menina!"-me exclamou ela.

Como me senti orgulhosamente importante. Aquela "menina!" me fez sentir rejuvenescida de todos os brancos da vida!

O tal creme francês era milagroso mesmo. Além de autobronzeante era autoremoçante. Perfeito! Agora sim, minha aparência venderia saúde!

Fiz que não tinha entendido nada e lhe perguntei: "o que foi?".

Ela de olhos arregalados me fez o mais esdrúxulo dos diagnósticos:"Caramba, desde quando você está com hepatite?" e ainda arrematou: " olha, é melhor correr, esta hepatite deve ser diferente, começa pelas pernas!".

Nem sei o que lhe respondi.

A bem da verdade, acho que nem preciso relatar mais nada.

E de agora em diante, sou brancura assumida. Nada de sol e nada de cremes autobronzeantes.

E não abro mão dos bloqueadores solares!

Todavia, se me chamarem de branquela...eu processo!- e nem me venham com chorumelas.