A Saga de Rubão
Meio em desarmonia com a evolução tecnológica Rubão,
( assim chamado pelo avantajado porte físico que o assemelha ao termo popular identificado como armário), dia destes precisou usar o tal disque 0800 para reclamar de um televisor que mal acabara de adquirir e do nada parou de funcionar.
Passavam das sete da noite quando, exausto após o rotineiro trabalho na entrega e montagem de móveis mais o desafio das quatro conduções diárias chegou em casa.
Beijou rapidamente a mulher e a renca de filhos - seis ao todo.
O maior deles com oito anos de idade, o sétimo ä caminho.
Pediu silêncio para a galera porque precisava resolver o problema do televisor - mal acabara de comprar e do nada parou de funcionar.
Rubão queria mesmo era um banho, comida quente, brincar com os filhos, ver o jogo do timão.
Só que o televisor, nada de funcionar.
Acomodou-se na apertada poltrona ao lado do telefone.
A pouca renda não permitira contratar canais pagos.
Nada de especial somente os canais convencionais, e a cabo - quando a imagem ficava meio que estremecida, pegava a
vassoura e com o cabo virava a a antena. Só que no momento,
tudo apagado.
Rubão pensou que seria fácil resolver o problema do televisor. do mesmo modo que foi para o vendedor empurrar o “exemplar do mostruário”.
Rubão queria assistir televisão ainda mais que era dia
do jogo do timão.
Procurou o número do disque atendimento.
Precisou emprestar os óculos da mãe de tão pequenas
que eram aas letras do manual.
- Será que é para não ligar que colocam assim?
Pensou ele.
De número marcado no envelope das faturas de cartão fez a tal da ligação.
Educado disse boa tarde.
- Que nada!
Escutou a voz que invadia sua cabeça:
- Por medida de segurança esta ligação esta sendo ( não se entende porque esta sendo ao invés da voz robótica dizer: ligação gravada).
O leitor já parou para pensar a quantidade que se usam?
- Está sendo providenciado, “esta sendo atendido”, “está sendo solucionado”, “está sendo verificado”, “está sendo”...
Claro, está sendo de verdade testada a paciência do pobre usuário, todos os dias em milhares de casos idênticos.
Mal acomodado na poltrona estreita enfim fez a ligação.
Neste momento começou a saga - “bem feito porque não viu antes de comprar” .
Discado o número de vinte e nove díditos dígitos, (uma voz impessoal quase que inaudível ) dando início ao teste de paciência ilimitado diz:
- Disque 1 se for cliente.
- Disque 2 para informar em que unidade comprou.
- Disque 3 para unidade no Estado de São Paulo.
- Disque 4 para outros Estados.
Rubáo teclou o número 2.
- Digite o número de seu pedido - disse a voz eletrônica.
Neste momento percebeu que não estava com o tal do pedido em mãos.
Estressado desliga o telefone revira a casa até encontrar a cópia da nota fiscal atrás do forno microondas.
A mesinha estreita na qual o telefone está apoiado não permite que o documento fique acomodado.
Com uma das mãos Rubão segurou a nota fisca. Com a outra a caneta para anotar possíveis informações.
Apertou o telefone entre o ouvido e o ombro ao mesmo tempo em que pediu silêncio para a renca de filhos.
Lá vem de novo a voz gelada:
- Disque 1 se for cliente.
- Disque 2 para informar em que unidade comprou.
- Disque 3 para unidade no Estado de São Paulo.
- Disque 4 para outros Estados.
- Digite o número de seu pedido.
Rubão digitou pacientemente o número do pedido composto de vinte e nove dígitos mais se parecido com um código de barras.
Ao terminar escutou a voz:
- Número incorreto, nosso sistema esta totalmente ocupado. Favor chamar mais tarde.
Rubão aguardou perto de uma hora.
Discou em seguida o tal do 0800.
- Disque 1 se for cliente.
- Disque 2 para informar em que unidade comprou.
- Disque 3 para unidade no Estado de São Paulo.
- Disque 4 para outros Estados.
- Digite o número de seu pedido.
Já com a paciência zero, digitou o tal do número composto de vinte e nove dígitos no que a voz eletrônica responde:
- Digite 1 para confirmar se produto foi entregue.
- Digite 2 para confirmar se o produto foi entregue adequadamente.
- Digite 3 para defeitos ou avarias.
Rubão digita o 3 para em seguida ouvir:
- Se comprou um produto linha branca digite 1.
- Se comprou CDs e DVDs digite 2.
- Para pedidos de ferramentas e implementos digite 4.
- Perfumes, cosméticos e produtos para higiene pessoal digite 5.
- Digite 6 para móveis e utensílios domésticos.
- Digite 7 para eletro eletrônicos.
- Digite 8 para listas de casamento.
- Digite 9 para cama, mesa e banho.
- Digite 10 para retornar ao menu inicial.
Desesperado com a demora sentindo torcicolo de tanto comprimir o telefone com o ombro, observou que já havia se passado muito tempo, digitou o 7.
A indefectível voz eletrônica prosseguiu sem a menor pressa indiferente ao nervosismo que tomava conta de Rubão.
- Digite 1 para TVs LCD.
- Digite 2 para TV de plasma.
- Digite 4 para TV convencional.
Com a paciência e o humor zero digitou 2.
A voz continuou:
- Digite 1 para TV 17 polegadas.
- Digite 2 para TV 21 polegadas.
- Digite 3 para TV 29 polegadas.
- Digite 4 para TVs de 32 ou mais polegadas.
Rubão digitou 2 - foi a única que deu para comprar.
- No desespero, cansado, com fome, vontade de banho, filhos ao redor e o jogo do timão para começar escutou a voz impessoal lhe dizer:
- Para reclamar sobre o atraso na entrega do pedido
digite 1.
- Digite 2 para apresentar queixa sobre o produto.
Aos poucos os filhos dormiram amontoados no sofá-cama, a mulher com dor de cabeça também se recolheu.
Rubão ficou só. Torcicolo e a paciência zero por companhia.
Digitou 2 e ao mesmo tempo que pensou:
- Até que enfim serei atendido.
- "Todos os nossos atendentes se encontram ocupado no momento, favor chamar mais tarde" – diz a voz robótica.
Movido por um acesso de raiva arremessou o telefone contra a TV.
Viu o horário. Jogo terminado, filhos dormindo, mulher com dor de cabeça, torcicolo, comida fria, poltrona apertada, vontade de banho.
De repente escutou o som do telefone e pensa:
- Até que enfim eu serei atendido!
Que nada! Era o despertador que o chamava para mais um dia de trabalho - passavam das cinco da manhã.
Nada de resolver o problema do televisor, nada de ver o jogo, nada de comida ou banho, o saldo um torcicolo danado mais as quatro conduções que teria de enfrentar até chegar ao trabalho.
Antes de sair colocou a nota fiscal na mochila disposto ao final de mais um dia de trabalho comparecer na loja reclamar.
Haja paciência!
Ao invés de voz robótica na loja precisou retirar uma senha.
Foi o último a sair do estabelecimento, passavam das dez da noite saiu da loja levando consigo com a promessa de que o problema “estará sendo verificado”, estará sendo resolvido”.
Rubão chegou em casa, se acomodou no apertada poltrona, filhos dormindo, mulher com dor de cabeça novamente, jantar frio, vontade de banho e descanso.
Quanto ao televisor já se passaram meses e nada do “esta sendo resolvido” se concretizar.
Cansou de ir na loja, cansou de telefonar.
Decidiu abrir um processo no Juizado de Pequenas Causas, pois lá as ações tramitam com celeridade.
Passados alguns dias recebeu a data da audiência para tentativa de conciliação – marcada noventa dias após ingressar.
Contando com a data que comprou o aparelho transcorreu aproximadamente um ano.
Enquanto isso Rubão que cansou de se desesperar espera.
Continua pagando o carnê sem ter a TV, pois como bom cidadão não admite ter “nome sujo”.
Rubão só queria ver funcionar a televisão que comprou à prestação.
Sua paciência ao que se sabe ainda “está sendo testada” ou “estaria sendo verificada"? Ana Stoppa