Sonsinho pede o divórcio

--- Quero o divórcio – disse Sonsinho à Madame Preciosa, cabisbaixo e trêmulo de emoção.

A mulher explodiu:

--- Que porra de divórcio, seu merda, se nem somos casados!

Seguiu-se mais uma série de impropérios, que Madame Preciosa tem problemas com o sistema nervoso e fica descontrolada de vez em quando. Descarrega no pobre do Sonsinho.

--- Quem ta botando ideia de jerico nessa cabeça de melão? Por acaso você ta de olho em alguma rapariga por aí, e quer se mandar sem pagar o que me deve? São cinco anos de casa, comida, roupa lavada e foda mal dada. Fora despesas com médico para seu problema crônico de gases e impotência precoce. Portanto, se quer se ver livre de mim, trate de reembolsar sua dívida.

Sonsinho é uma espécie de cativo daquela mulher enorme, de personalidade vigorosa. Ela já experimentou o amor com todos os tipos de homens. Atualmente tem um caso com um Pai de Santo de Itabaiana. Mas sua obsessão é arreliar o seu empregado, que é obrigado a fazer amor com ela nos intervalos de suas bacanais. Esse amor irrealizado transformou-se em ódio. O destino terrível jogou essa pobre criatura nos braços de Madame Preciosa, uma loba no cio, um vulcão que a tudo derrete.

Agora Sonsinho tomou coragem e quer levantar voo da tenda mágica. É uma história cotidiana e suburbana. Como boa história, tem sexo, mistério, desencontros e baixa magia, além de uma pitada do Direito Civil aplicado e novas fronteiras do direito individual.

Sonsinho já havia se resignado às maldades e loucuras de sua patroa, que no fundo não era uma pessoa má, apenas ligeiramente perversa e sádica. A megera até nem conseguia mais insultar seu criado com convicção, reduzindo ultimamente suas ofensas a amenidades como “Esse veado é tão imprestável quanto dois deputados, um senador e dez vereadores juntos”. Uma vez ela conseguiu balbuciar “eu te amo” na hora do gozo. Exercícios, sessões de sexo bem planejadas e boa imaginação livraram-na desses rompantes de amorosidade gratuita que empanavam sua fama de mulher difícil.

Ela não sabia que Sonsinho, com aquele exterior de manemolência e imbecilidade, encobria uma mente astuta como o Diabo. Há muito que esse homenzinho construía um dossiê com as mensagens ameaçadoras e ofensivas de sua cruel dominadora. Ela o fez confessar até a senha de sua caixa de correspondência eletrônica e redes sociais.

Tomou coragem, imprimiu os documentos e entregou à Madame Preciosa.

--- No Brasil, a lei prevê de seis meses a quatro anos de cadeia para quem quebrar o sigilo de comunicação de outra pessoa, seja invadindo o e-mail, o perfil em rede social ou xeretando o celular. Mas as pessoas que chegam a ser processadas por isso são, em sua maioria, condenadas a pagar multas ou indenizações por danos morais. Os valores têm variado de R$ 10 mil a R$ 100 mil, -- explicou, depois de consultar advogado especializado em direito digital.

Ela ficou em silêncio. E de repente sentiu que a situação lhe fugia ao controle racional.

--- Lúcio – esse era o nome oficial de Sonsinho – não me entenda mal. Você não me deve nada e pode desaparecer de minha vida para sempre.

Mesmo com toda sua sabedoria na ciência oculta, ela não sabia, mas Lúcio é um dos 128 nomes com que se designa o Demônio, o Anjo Lúcifer.

Agora ele fica ligando a cobrar para o celular da Madame.

--- Quem é? – grita Preciosa, aperreada.

--- Eu sou seu pior pesadelo... – murmura Sonsinho, interpretando Arnold Schwarzenegger.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 10/01/2011
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