O Acidente que Vitimou o Semovente

Sábado à tarde costumeira rotina – jornada dupla.
Quando terminava a faxina escuto o telefone tocar.
Atendo em meio ao odor do cloro, rodos, vassouras e mil apetrechos.
Recém formada em Direito,(meados de 1990) sem o mínimo de experiência veio a bomba:
- Ana, você esta formada – dizia minha irmã. Tem um caso aqui para resolver.
Insistiu dizendo que conforme as orientação dos nossos pais eu não poderia furtar-me em atender ao pedido.
Surpresa pergunto do que se trata quando escuto a seguinte história:
- Sabe,, continuou, um caminhão que transporta de bebidas colidiu com uma carroça, quebrou tudo e a égua ta morta, arei meu carro para ajudar - disse com a voz apressada, pois ligava d eum orelhão.
- Venha até aqui, veja o que você pode fazer não se esqueça agora você é formada, precisa ajudar aos outros
Senti-me mais perdida que o dono da tal carroça, porém não pude deixar de atender.
Pensei na importância da ajuda ao próximo, no desespero do pobre homem e lá fui eu sem saber o que fazer
. Lá chegando vi a cena tal como minha irmã havia descrito no telefone.
- A carroça arrebentada e a égua morta com as quatro patas para cima. .
Procurei então a vítima, ou melhor, o proprietário da vítima com o único recurso que dispunha no momento – a boa vontade.
Muito nervoso me explicava o senhor:
- O filho mais novo ä época um adolescente aparentando ter seus 17 anos, tinha uma “fraqueza mental”, e que o animal era muito importante para o rapaz.
Ocorre que justamente naquela tarde de sábado quando ele e o filho faziam carretos o caminhão de bebidas colidiu com a carroça matando o semovente.
Procurei no local dos fatos falar com o motorista quando este forneceu todas as informações necessárias para contato dizendo que sua empresa arcaria com o prejuízo.
Até aquele momento se passaram algo em torno de umas três horas e o animal lá enrijecido em meio a carroça destroçada.
Ao lado o rapaz fitava longamente o que restara.
De posse dos números de telefones para contado, deixei o local, pedindo que o senhor me procurasse no escritório na segunda-feira pois eu iria fazer contato com a empresa proprietária do veículo; iria expor que se tratava de um caso social para que pudesse resolver sem a costumeira demora que envolve a burocracia.
Logo às primeiras horas do expediente, na data marcada lá estava o proprietário da égua acompanhado do filho que dizia sofrer de “fraqueza mental” preocupado conseguir uma nova carroça, um novo animal.
Já nos primeiros contatos com a empresa proprietária do veículo ficou avençado que tanto o animal como a carroça seriam pagos.
Suprida a necessidade de acionar o Judiciário, o pobre senhor recebeu o pagamento pelo estrago que o tal do caminhão havia causado.
Registro que nos dias anteriores ao pagamento o pobre snehor diariamente comparecia no escritório para saber o andamento. Toda vez levava o filho consigo.
Este tristonho só sabia dizer da saudade que sentia de Bonoeca – esrte era o nome da égua.
Enfim o dia do pagamento, as vítimas poderiam adquirir um outro animal, uma nova carroça e com o isso solução dada ao caso.
Separei o cheque - ä época um valor expressivo, para efetuar o pagamento..
Orgulhosa pelo trabalho concluído.
- O senhor não precisa me pagar nada, está tudo certo, quando este me indagou qual seria o valor dos meus honorários.
Com uma rapidez enorme se apossou do cheque.
- Senhor Antonio, então está tudo certo não é?
Este olha para o nada, faz cara de triste. Ao mesmo tempo deixa transparecer um ar de insatisfação.
Fiquei apreensiva, pois por mim estava mais que solucionado o caso.
Senhor Antonio – insisti,
- Então está tudo certo?
Este se levanta, apanha o boné que havia deixado ao lado da minha mesa de trabalho, chama o filho que o aguardava da na recepção e diz para o rapaz.
- Filho vem se despedir da Doutora, agradece.
- “Escuta aqui ( som um sotaque mineiro inconfundível), eu te ensinei a agradecer.
Preste atenção, “ a Doutora arranjou o cheque pra nóis comprar outra égua”.
Este, prontamente obedece ao pai, estende-me a mão para a despedida, o que foi repetido pelo genitor.
Já na metade do corredor de saída, subitamente o pai decide voltar.
- Algum problema Seu Antonio – perguntei.
. Este começou a falar em tom de lamento.
-É Doutora, ta muito bom, agradeço mesmo a Senhora, só que tem uma coisinha.
- Diga, por favor.
Doutora, a “eguinha tava prenhe, era na verdade dois animalzinho “.
- E nós so recebemos um, complementou..
Mais tá bom, disse em sequencia.
- Viu Doutora, era “dois animalzinho” e não só a Boneca.
- Como?
- Doutora a firma só pagou a mãe - a égua tava prenhe, se esqueceram de pagar o filhote..
- Eram dois.
“ Mais tá bão.”
Saiu de vez, murmurando .. a eguinha tava prenhe - eram dois.
 
(baseado em fatos reais, nomes fictícios)
(Ana Stoppa)

Imagem: Ana Stoppa/Mijas/Espanha/01/09.
Sobre a foto:
(Para se chegar em um  povoado  localizado no alto
da montanha os jumentos são o único meio de
transporte disponível.)













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Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 08/01/2011
Reeditado em 20/02/2011
Código do texto: T2716184
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