Raspei a Cabeça
Foi um projeto bobo, simples, mas que me deu na telha. Avisei com antecedência pra mulher: Olhe vou raspar a cabeça! Mas prá que? Sei lá, me deu vontade, ainda mais agora que me aposentei, cismei de fazer pequenas coisas, essa é uma delas. Assim como andar na chuva e enfiar os pés na enxurrada, escrever um palavrão no muro é isso! Acho que você está é esclerosando. Seja como for vou raspar. Olhe, se você fizer nem vou olhar prá sua cara, imagine que coisa ridícula um homem de sua idade. Faz de conta que fiz quimioterapia! Não brinque com essas coisas homem, olha que Deus castiga! Esperei um dia em que ela saiu mais cedo e fui até ao centro da cidade de Esmeraldas. Sentei-me no salão e o barbeiro ( lá ainda é barbeiro) perguntou-me: Como vai ser?- Quero raspar. Hum... Máquina 6, 4, 2 ou o que? É a primeira vez, o que me sugere? Que tal começar com uma 4? Ainda fica um pouco de cabelo, não chega a pelar tudo. Depois se o senhor quiser podemos passar para outros pentes mais finos até chegar no zero. Então comece pelo 4, aí vou vendo como fica. Na medida em que o cabelo descia deu-me uma enorme sensação de estar despindo de coisas que eu não saberia enumerá-las naquele momento, mas que me faziam enorme bem. Era um despir externo e que não iria acabar com a fome do mundo, nem finalmente condenar o Paulo Maluf ou quebrar todos os cachimbos de crak, mas era uma revoluçãozinha caseira, tímida de quem acha ruim, mas paga os quarenta por cento de imposto por ano. Quando terminou a operação disse ao barbeiro: O número 4 já está bom, não quero assustar a patroa demais! Voltei para casa feliz com se tivesse acabado de colocar de colocar um anel de noivado no dedo. Ao entrar, a cara que ela fez dava para assustar. Lascou-me alguns impropérios, disse que eu estava simplesmente ridículo e que não iria sair comigo enquanto não crescesse novamente os ditos fios. Foi uma semana dura que sustentei com galhardia de guerreiro. E quanto mais ela falava mal mais eu alisava os diminutos fios como um menino bobo que fez arte. Depois de uma semana os impropérios continuaram e foi quando tomei outra revolução em meus braços. Disse-lhe: Escute, se você não gostou tudo bem, é seu direito, assim como é o meu em fazê-lo, mas gostaria de lhe dizer, ou melhor, não gostaria de lhe dizer, porém não tenho alternativa: Você tem umas roupas que acho totalmente ridículas. São a expressão do mal gosto e falta de senso estético, isso a meu ver. O que faço? Respeito o que você gosta, se está bem para você, está bem para mim, é isso! - Os impropérios terminaram e no outro dia ela como se não quisesse saber mas querendo, perguntou-me bem suave: - Qual é mesmo a roupa que você acha ridícula? - Não respondi, mas com um sorriso maroto no canto da boca já antevia as delícias da máquina zero...