Histórias de São Luís do Maranhão_1_A Chegada do Ministro Inglês
O maranhense tem boa fama em algumas coisas, a saber: de ser um povo hospitaleiro, do seu falar sonoro e bonito, bem diferente do "nordestês", de sua tradição de cultura e de bom uso do idioma pátrio e, finalmente, do seu bom humor, muito semelhante ao do carioca. Aqui se faz piada por qualquer coisa, tanto boa quanto má e, desde os tempos do Maranhão colonial há um arraigado costume de satirizar os governantes locais.
Mas é Josué Montello, o grande romancista maranhense (1917-2006), membro durante muitos anos da Academia Brasileira de Letras, que, com as suas imperdíveis letras, nos traça um belo exemplo da veia humorística do povo maranhense, bem no meio das angústias da II Guerra Mundial. O trecho abaixo foi extraído do seu grande romance "Os Degraus do Paraíso":
"Como deixar de cantar, picando as cordas do violão, ao ver a luz da lua escorrer das torres das igrejas e dos beirais das casas? Nas voltas da amurada, eram mais belos os barcos ancorados e mais longos os seus gemidos no baloiço das ondas. Onde estavam as sinhazinhas de antigamente, que não apareciam nas sacadas de ferro dos sobrados ou nas janelas dos mirantes? Que fim levara a Manguda, envolta em sua mortalha de linho, e que assustava os caminhantes, no antigo Largo dos Amores? E por que nao voltavam às ruas desertas, trazidas pelas sombras de outrora, as carruagens de lanternas na boléia que retiniam nas pedras do calçamento as ferraduras de seus cavalos? .
Esse ambiente romântico, que repunha os sobrados de azulejos na sua atmosfera adequada, em breve desfez na cidade o medo da guerra. Em vão, durante as horas mortas, ouvia-se o ronco soturno das esquadrilhas, à luz das estrelas assustadas. Ja ninguém saía à janela para vê-las passar, vindas de longe, a caminho de Natal. E logo a graça dos boêmios noctâmbulos que parecera extinta com o clarão das lâmpadas elétricas, pontilhou de pilhérias as sombras da noite em Sao Luís.
0 gordo Arnaldo, dono de um boteco nos arredores do Cais, ao adiantar a mão cabeluda e àvida. pelo postigo por onde atendia os fregueses de madrugada, para receber o dinheiro da cerveja que acabara de vender, sentiu que um deles lhe prendia o braço, enquanto outro, às qaitadas, lhe aplicava meia dúzia de bolos, com uma velha palmatória de castigar meninos.
Porém o caso que mais divertiu a cidade, e fez rir por muitos dias as rodas do Largo do Carmo, teve por pretexto a passagem do Primeiro Ministro Inglês pelo Maranhão.
No começo da madrugada, uma voz grave, em tom de segredo, dizendo fa!ar da Base Aérea, chamou o Interventor Federal ao telefone do Palácio do Governo, para avisar-Ihe que Winston Churchill, incógnito, desceria no aeroporto militar, dentro de uma hora, para uma conferencia secretíssima com Sua Excelência. Depressa, o sisudo senhor despiu o pijama, enfarpelou-se no traje dos encontros solenes, luvas, chapéu alto, e dirigiu-se ao local da entrevista, misterioso, calado, importantíssimo, sentindo que afinal ia influir no destino do mundo. E duas horas depois, estava de volta, jurando descobrir e punir exemplarmente o gaiato que ousara tirá-lo da carna, a ele, primeira autoridade do Estado, e para quê? Para ver o aeroporto às escuras!"
(Os Degraus do Paraiso, 4ª ed., p. 368/9. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1976. 384p.)
O maranhense tem boa fama em algumas coisas, a saber: de ser um povo hospitaleiro, do seu falar sonoro e bonito, bem diferente do "nordestês", de sua tradição de cultura e de bom uso do idioma pátrio e, finalmente, do seu bom humor, muito semelhante ao do carioca. Aqui se faz piada por qualquer coisa, tanto boa quanto má e, desde os tempos do Maranhão colonial há um arraigado costume de satirizar os governantes locais.
Mas é Josué Montello, o grande romancista maranhense (1917-2006), membro durante muitos anos da Academia Brasileira de Letras, que, com as suas imperdíveis letras, nos traça um belo exemplo da veia humorística do povo maranhense, bem no meio das angústias da II Guerra Mundial. O trecho abaixo foi extraído do seu grande romance "Os Degraus do Paraíso":
"Como deixar de cantar, picando as cordas do violão, ao ver a luz da lua escorrer das torres das igrejas e dos beirais das casas? Nas voltas da amurada, eram mais belos os barcos ancorados e mais longos os seus gemidos no baloiço das ondas. Onde estavam as sinhazinhas de antigamente, que não apareciam nas sacadas de ferro dos sobrados ou nas janelas dos mirantes? Que fim levara a Manguda, envolta em sua mortalha de linho, e que assustava os caminhantes, no antigo Largo dos Amores? E por que nao voltavam às ruas desertas, trazidas pelas sombras de outrora, as carruagens de lanternas na boléia que retiniam nas pedras do calçamento as ferraduras de seus cavalos? .
Esse ambiente romântico, que repunha os sobrados de azulejos na sua atmosfera adequada, em breve desfez na cidade o medo da guerra. Em vão, durante as horas mortas, ouvia-se o ronco soturno das esquadrilhas, à luz das estrelas assustadas. Ja ninguém saía à janela para vê-las passar, vindas de longe, a caminho de Natal. E logo a graça dos boêmios noctâmbulos que parecera extinta com o clarão das lâmpadas elétricas, pontilhou de pilhérias as sombras da noite em Sao Luís.
0 gordo Arnaldo, dono de um boteco nos arredores do Cais, ao adiantar a mão cabeluda e àvida. pelo postigo por onde atendia os fregueses de madrugada, para receber o dinheiro da cerveja que acabara de vender, sentiu que um deles lhe prendia o braço, enquanto outro, às qaitadas, lhe aplicava meia dúzia de bolos, com uma velha palmatória de castigar meninos.
Porém o caso que mais divertiu a cidade, e fez rir por muitos dias as rodas do Largo do Carmo, teve por pretexto a passagem do Primeiro Ministro Inglês pelo Maranhão.
No começo da madrugada, uma voz grave, em tom de segredo, dizendo fa!ar da Base Aérea, chamou o Interventor Federal ao telefone do Palácio do Governo, para avisar-Ihe que Winston Churchill, incógnito, desceria no aeroporto militar, dentro de uma hora, para uma conferencia secretíssima com Sua Excelência. Depressa, o sisudo senhor despiu o pijama, enfarpelou-se no traje dos encontros solenes, luvas, chapéu alto, e dirigiu-se ao local da entrevista, misterioso, calado, importantíssimo, sentindo que afinal ia influir no destino do mundo. E duas horas depois, estava de volta, jurando descobrir e punir exemplarmente o gaiato que ousara tirá-lo da carna, a ele, primeira autoridade do Estado, e para quê? Para ver o aeroporto às escuras!"
(Os Degraus do Paraiso, 4ª ed., p. 368/9. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1976. 384p.)