O Trânsito sem o Homem
 
            Montadoras projetam que em 2011 teremos o 5º ano seguido de aumento nas vendas. Para quê tanto carro se as ruas já não cabem? E o que importa se o trânsito louco nos mata aos poucos? Agora mesmo tentei – com toda calma – entrar na garagem de casa e quase tive a traseira do meu veículo arrebentada por uma ¨víbora¨ do volante. A mulher – em estado colérico – ignorou a seta, a prudente redução da velocidade e todos os indicadores que lhe dei. Não existe para ela a cortesia e o direito do outro é algo alheio à severidade da sua vontade:
            - Vai parar por que aí Ô?
            - Por que é a minha casa.
            - Que casa o quê P_ _ _ _!!! – E outros elementos não publicáveis.
            A humanidade perdeu o juízo e assim o fazendo perde-se a si mesma.
            Sou a favor da campanha para reduzir o número de motoristas e de veículos. Sou também a favor de se eliminar o trânsito e a necessidade de nos locomover de um ponto a outro. Vamos reestruturar nossas vidas, empresas, indústrias e residências para que o mundo se torne mais digno e humano. Já vejo a cara de assustado do leitor: o cronista enlouqueceu e antes ele que eu.
            Na verdade, enlouquecemos todos e não é a primeira vez que falo das mazelas do trânsito e quero saber onde a indústria enfiará todos aqueles novos veículos?
            Vejo um mundo com carros subindo os prédios, multiplicando-se pelas ruas e avenidas, entupindo as bocas de lobo e transbordando por todos os cantos. Sei de veículos flutuando sobre os rios, sob e sobre os mares e até no espaço. Imagino um mundo tão motorizado que resolvam abolir o oxigênio em prol de que haja mais espaço.
            A ciência avançará e cada ser humano, em um primeiro estágio, nascerá sem as pernas podendo ser diretamente implantado em um veículo. No passo seguinte nasceremos com rodas no lugar das pernas e com processadores no cérebro. Acabarão substituindo as veias e as artérias por condutos cheios de óleo fino e todos os órgãos serão de plástico ultra-resistente. No passo seguinte o coração será removido e no local irão colocar uma bomba com duração quase infinita.
          A indústria continuará anunciando: novo recorde na produção de veículos humanos. Veículos humanos? E o homem? O que foi feito do homem? As revistas semanais virtuais irão recordar de uma época em que homens geravam outros homens através do sexo. E darão risadas da nossa forma falida e fracassada de reprodução.
            As relações familiares serão substituídas pela frieza de uma conduta maquinal, autônoma, isenta de contatos íntimos. E, afinal, desumanizando-se o homem o trânsito se tornará humano.
            Perdoem, mas o cronista enlouqueceu...