Soul's T-Shirts
Dona Alma sabia bordar como ninguém. Dona de mãos preciosas, manejava agulha e linhas coloridas com uma destreza invejável, produzindo pequenas obras de arte em bases as mais variadas: fronhas, lençóis, panos de prato, camisolas e demais delicadezas do universo feminino... do passado.
Sim, do passado, porque sua micro oficina, a “Bordados da Alma”, outrora próspera e famosa na pequena cidade do interior - que também já não era assim tão pequena – aos poucos viu o movimento decair. Culpa da sociedade atual, dizia ela, que masculinizou as mulheres, tornou o mundo descartável e banalizou os bordados artesanais com suas máquinas ultra sofisticadas que bordavam em minutos coisas que ela levava dias para fazer. Dias que se transformavam em meses e meses que viravam anos, trazendo desgaste ocular, problemas na coluna e uma novidade: uma tal de LER recém-adquirida.
Dona Alma estava entristecida, frustrada e cansada. Ninguém mais procurava por seus bordados artísticos: suas flores, monogramas e motivos étnicos bordados com pontos cheios, nozinhos franceses, rococós, Ajour...
Porém a necessidade, como boa parideira de ideias, trouxe novo alento a uma Alma tão desanimada. Com suas últimas economias comprou uma dessas modernas máquinas bordadeiras. E, ao invés de continuar a produzir delicados temas femininos, inovou: comprou camisetas e nelas passou a bordar (industrialmente) frases que gostaria de dizer, revoltada que estava - mas que, por pudor ou respeito, jamais alguém ouviria sair de sua pudica boca. Mudou o visual e o nome da loja, que passou a chamar-se “Soul’s T-Shirts”. As frases, que faziam corar os habitantes locais e lhe trouxeram uma súbita e incômoda impopularidade, eram adoradas pelos jovens e faziam sucesso na cidade grande, para onde Dona Alma mandava quase toda a sua produção.
Em questão de meses já possuía uma bela e moderna loja num ponto comercial importante da capital. O número de funcionários multiplicou-se por dez e todos passaram a usar como uniforme uma camiseta preta bordada com letras brancas, onde se lia:
...TÔ BORDANDO E ANDANDO!
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Este texto faz parte do Exercício Criativo "Bordados da alma".
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