Morte no Céu

NO CÉU

Ninguém imaginava que pudesse acontecer um dia, mas aconteceu.

- O Criador?

- Certo, Ele mesmo.

- Morreu? Não acredito! Como foi?

- De repente. Também, trabalhando desde o início dos tempos, sem férias - só naquele famoso domingo, no sétimo dia, descansou. Vivia no maior pique, ainda mais agora com esse processo de informatização dos controles celestiais e de qualidade total, era reunião em cima de reunião. Isso sem considerar que os chamados não paravam. "Deus te acompanhe","Vá com Deus". Ele com aquela mania de onipresença... não delegava nada.

- Mas Sua saúde era ótima. Nem uma dor de cabeça, nem um resfriado. Será que Ele virá para cá?

- Sem dúvida, só que na posição de usuário, não mais como autoridade, a menos que sejam feitos acordos e composições.

*****

Na porta do céu, a fila estava grande, dando voltas pelos quarteirões das cercanias. Um ajudante de São Pedro distribuía as senhas - os computadores estavam fora do ar e o trabalho, mais tumultuado. A confusão faz com que Ele demore um pouco para compreender o que está acontecendo, mas, com a Sua suprema sabedoria, logo se situa. O funcionário percebe a presença Dele no fim da fila.

- O Senhor pode furar a fila. Tem atendimento prioritário. Afinal de contas... não dá tempo nem da frase ser terminada e Ele já está lá na porta, batendo papo com Pedro - como se sabe, Ele é onipresente.

- Salve, Pedro. Tudo bem?

- Sim, graças a... Você... Chefe... eu... o Senhor não precisa se submeter a julgamento. Vai logo entrando, a casa é sua.

A comunidade celestial, anjos principalmente, logo reconhece a presença Dele pelas ruas.

- Ele voltou, graças a ... Ele!

*****

Durante a ceia, Seu filho, rodeado pelos doze de sempre, com uma fisionomia ainda mais triste do que a usual, devido à perda do pai, indagava aos demais:

- Será que eu O substituirei? Qual é o nosso regime? Vai haver plebiscito? Se eu for confirmado no cargo, penso em reformular os mandamentos.

Após o jantar haverá uma reunião com a Santíssima Trindade para decidir, sem abrir concessões a grupos de pressão, principalmente da Igreja e de cientistas políticos, os rumos a serem tomados.

*****

No dia seguinte, os jornais do local apresentavam as seguintes manchetes:

- Está finalmente comprovado. Ele é imortal.

- Morto ontem, hoje, novamente no poder.

- Pai, filho e Espírito Santo chegam a um acordo quanto ao poder.

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FATO CURIOSO

Sei que vai ser difícil vocês acreditarem, mas é verdade. Ontem à tarde, Deus, em carne e osso, veio me visitar.

Pele vermelha, terno cinza, muito bem talhado, sapatos pretos (novos) de boa qualidade, cabelos grisalhos, penteados para trás, de estatura não muito alta e troncudo, aparentando uns 60 e tantos anos - sem dúvida um tipo muito simpático e, surpreendentemente, risonho e bem humorado.

Desculpou-se por ter vindo sem avisar, me abençoou em Seu próprio nome, aceitou um café com adoçante e me contou duas piadas das boas, dizendo que eu podia usá-las nos meus escritos, sem problemas. Aproveitei o ensejo e mostrei-Lhe os textos deste capítulo. Após uma leitura detalhada Ele sorriu, me chamou de zombeteiro e sugeriu algumas alterações - fiquei de pensar a respeito.

Nada perguntei sobre questões mais profundas, dado Ele ter dito que estava apenas a passeio. A conversa girou em torno de amenidades. Ele disse que estava muito satisfeito pelo fato do movimento ecológico não ter ainda subido aos céus - o paraíso está um brinco, um verdadeiro paraíso. Pediu-me para ensinar a harmonia da música "Wave" e aprendeu rapidinho. Tocamos violão e cantamos em duas vozes (Sua afinação me impressionou, além do fato de Ele falar fluentemente o português sem o menor sotaque).

A visita durou cerca de duas horas. Levei-Lhe até a porta, despedimo-nos com um sincero aperto de mãos. Ele prometeu voltar um dia, com mais tempo e partiu a pé, com aquele Seu jeitão simples, pesar de Todo Poderoso. Acho que fiz uma nova amizade. Gostei do papo, sinceramente.

*****************The end****************