ESPELHO, ESPELHO MEU...

A minha geração sempre sonhou em se casar, embora perceba eu que de lá para cá as coisas mudaram um pouco.

Casar passou a ser algo complementar, assim como nos é uma bolsa ou um sapato elegante, não mais o foco dos primeiros sonhos, e muito, muito longe de ser aquele "até que a morte os separe!", pelo contrário, ultimamente está mais para o "até que o primeiro tédio nos separe!". E nem precisa de muito tédio não, basta um pouquinho só, e já será o bastante para se dependurar as chuteiras da vida em comum.

Pois bem, mas não era assim com ela.

Verinha é uma querida amiga de infância, cinco anos à minha frente, que sempre sonhou com o véu e com a grinalda.

Atualmente até dispensa o véu...mas há poucos dias atrás ainda aguardava ansiosamente por colocar um delicado enfeite no cabelo, para num discreto bege, partir elegantemente rumo às núpcias, sob um pôr- de-sol campestre, roubada pela garupa do príncipe dos seus sonhos.

E eu , confesso que me preocupava um tanto com ela..."esquece isso Verinha, bobagem"-dizia-lhe eu- e quem avisa, amigo é.

E foi assim que dia desses me contou, muito aflita, sobre um acontecimento interessante.

Dizia-me que ele havia voltado, "ele", aquele seu famoso noivo de trinta anos atrás, que noivou dez anos e que a deixou para se casar com outra...logo no mês seguinte.

Lembro-me que ela comeu o "pão que o diabo amassou". Aliás, ele era o próprio Demo.

Dizia ela que quando ele morresse o inferno ganharia um aviso:"Sob nova direção". Mas foi difícil ela se convencer dessa "malvadeza" do "seu querido" Rodolfo.

O tal era narcisista, ninguém brilhava mais que ele em nada, daqueles que sabe como humilhar a plateia do entorno, me lembro bem do fato, e Verinha pacientemente esperou dez anos para que ele mudasse: "ah, um dia ele muda sim, o amor opera milagres!", me dizia ela, e de fato ele mudou mesmo, mudou de cidade. Foi para bem longe para o alívio de todos, menos para o da apaixonada Verinha.

Mas recentemente voltou viúvo e a procurou, lá na casa dela, numa tarde de Sábado, com um papo mais ou menos assim:

-Verinha meu amor...eu voltei e sei que você está me esperando até hoje! Senti isso nesses anos todos! Mas nossa, como você engordou, Verinha! Tinha que ter se cuidado mais, olha só, assim com eu...super elegante. Não estou ótimo?

-Estou na menopausa e faz tempo Rodolfo, mas.. o quê te deu de aparecer?

-Saudade, Verinha, deu muita saudade. De você e da minha mulher! Eu perdi a Madalena tem dois anos, mas eu já estava separado dela há algum tempo. Não soube me acompanhar. Não quis crescer e parou no tempo, bem diferente de mim, um profissional brilhante! Ah, minha mãe tinha razão, Verinha, eu nunca deveria ter deixado você para me casar com a Madalena, mas também...um mulherão daqueles...eu não resisti.

-E daí Rodolfo?

-Daí que é muito difícil viver sozinho, minha casa está uma bagunça só, não tenho quem cozinhe para mim, até engordei um quilo por comer bobagens na rua, então, vim pedir você em casamento. A gente faz um contrato de separação total de bens-total, ouviu bem Verinha!?", porque também não seria justo, você vir a ter algo que não me ajudou a construir, concorda?

Mas como compensação eu te darei toda a liberdade do mundo para você trabalhar fora, contanto que cuide bem de mim, e também poderá desfrutar do tudo que tenho na "minha" casa...

Só que tem uma coisa: vai ter que aprender a se vestir para me acompanhar, certo? Um boa maquiagem, sapatos altos, e vai ter que perder uns bons quilos...que acha, você aceita? Enfim, lhe darei a última chance de você realizar o seu maior sonho...o de se casar comigo! Você vai me ter como marido, finalmente! Caso amanhã se você quiser.

Eu, perplexa, fiquei ouvindo Verinha me relatar, muito furiosa, o retorno do seu demo-rei.

Enfim lhe perguntei o que respondeu ao seu ex- candidato a marido, e ela, bem mais relaxada, me disse que lhe deu um cartão duma boa agência de auxiliares domésticas.

-Ligue para lá Rodolfo, eles têm referências e decerto haverá alguém para lhe ajudar. Você chegou atrasado. Agora me dê licença que tenho mais o que fazer.Aliás, vou rezar muito para a alma de Madalena que, a tempo, me livrou do inferno de me casar com você.

Os nomes são fictícios, porém a história e os diálogos que relatei são verídicos, realmente aconteceu com uma querida amiga que depois do ocorrido já não pensa mais em se casar. Achei interessante relatar, porque de Rodolfos...não só o inferno, mas o céu também deve estar cheio...

E Verinha não quer pagar para ver.