"SOPA DE ESPUMINHA"-DAS RECEITAS QUE A VIDA FAZ!
Era final dos anos oitenta, e sempre que podíamos viajávamos pelos feriados , ou mesmo pelas férias, até o interior de São Paulo para visitarmos as tias do coração.
Quem não as tem? Difícil encontrar alguém que não.
A viagem daquela época era muito mais cansativa, quase quinhentos quilômetros para se chegar ao destino, e ainda não contávamos com o conforto do atual e despendioso complexo das belas rodovias paulistas (e seus pedágios que não acabam mais!); aquele que nos leva lá para as bandas de São José do Rio Preto.
A nossa cidadezinha satélite, hoje já é quase um bairro lá do entorno que cresceu demais de lá para cá.
Quando faltavam mais ou menos cinquenta quilômetros para chegarmos, a grande expectativa começava, porque as tias sempre nos recebiam ( e ainda hoje é assim!) com banquetes de produtos do campo, daqueles quitutes do interior feitos artesanalmente com receitas da cidade, o pão caseiro, as bolachinhas de polvilhos, os docinhos de fazenda, as compotas de frutas da época, as sopas de tudo quanto era qualidade, o cafezinho coado depois da torrefação dos grãos da região.
Posto que eu adoro sopas, naquela tarde a entrada da comilança seria um sopinha bem diferente cujo sabor nos seria a grande surpresa.
Minha filha, ainda muito pequena, era quem mais se extasiava com a festa.
Naquele dia, chegamos já bem tarde da noite depois duma forte chuva pela estrada, e encontramos a mesa posta impecavelmente como numa estória de contos de fadas.
Quem conheceu as casinhas de interior daquela época, algumas das quais persistem até hoje, claro, não faz tanto tempo assim, sabe o capricho que reina por ali: os utensílios, as guarnições de mesa, as toalhas artesanais, os potinhos de cozinha para geléias , condimentos, potes que servem para se colocar de um tudo.
Postamo-nos à mesa e eu, afoitamente, fui a primeira a provar a sopa, que espumava no prato a, de fato, aguçar os olhos e o olfato.
E lhes adianto: Ainda bem que fui a primeira!
"E aí?" perguntou a tia Bá, toda orgulhosa do seu quitute-" adivinha do quê é a sopinha?
Fiquei meio sem graça porque aquela sopa me pareceu exótica demais, para não dizer muito...esquisita.
"Gostou ?"-insistiu a tia Ne.
"Quero a minha, mãe!" reclamou minha filha que só tomava as sopas da Bá...(E hoje não toma nenhuma.)
E pergunta vai, pergunta vem, discretamente chamei minha mãe ao lado e lhe perguntei bem baixinho, já sentenciando:" Mas, existe sopa de coco?".
Não obtive resposta, mesmo depois que ela, ao prová-la, também fez uma careta inevitável.
"Bá, é sopa de coco?-perguntei.
"Claro que não, é sopa de mandioca do meu quintal, gente!"
E num relance de paladar exigente dei meu veredicto ao crime: "Bá, não acredito, você colocou detergente de coco na sopa!"
Entao era aquilo! A sopa espumava mais que sabão em pó em máquina de lavar roupas. Uma coisa era certa: a sopa mais limpa daquele mundo.
Fui ao armário da cozinha e percebi que a tia Bá havia colocado no pote-suporte do azeite, a embalagem do detergente de coco, e num lapso de distração colocou o produto na sopa no lugar de colocar o óleo.
Minha filha começou a chorar e fazer birra, porque, claro, sentiu-se de lado, "ah, também quero sopa de espuminha!"-batia os pés no chão e as mãos na mesa!
Afinal, "queria porque queria" provar a tal da sopa de espuma, posto que foi a única que não a degustou para a confirmação da minha hipótese gastronômica dum quase envenenamento coletivo.
Tivemos que consolar a Bá que chorava mais que minha filha.
Eu acho que a Bá chorava era de alegria, porque o que íríamos espumar depois daquela sopa não seria brincadeira, não!
Hoje, próximo aos feriados, sempre lembro da históra...e me divirto.
Mais um feriadão chegando, eleição minando , e eu pergunto: E aí Bá, já preparou a sopinha de espuminha?
Porque depois das urnas eu quero mais é espumar...em alto estilo.
Estão todos convidados.