Sete Perguntas
Três sábios foram escolhidos pelo Rei do reino para escolher um sucessor. Esse teria que ser ao mesmo tempo sábio, gentil e firme. Para tanto os sábios criaram um questionário que abrangeria todas as facetas de cada candidato de acordo com sua resposta. O desafio era aberto para todos que se achassem capazes e era composto por sete perguntas. Todas as perguntas deveriam ser respondidas corretamente para que o desafiante se tornasse o novo rei.
Por diversos meses ninguém conseguia responder as perguntas corretamente e nenhum sucessor foi selecionado. No entanto, chegou ao reino um rapaz baixo, de cabeça grande e orelhas avassaladoras. Diziam que suas orelhas eram tão grandes que, se ele corresse, elas agiriam como velas de um barco e reduziriam a sua velocidade fazendo seus pés irem mais rápido que o tronco do corpo o que faria que ele caísse para trás de forma cômica. Outros contavam que, para afastas as moscas de seu rosto, bastava ele balançar a cabeça e o vendaval iria levá-las para longe. Ainda havia alguns que comentavam que ele limpava os ouvidos com uma vassoura. De fato eram senhoras orelhas que o rendeu o nome de João Orelha.
João Orelha tinha uma ótima audição. Literalmente ele ouvia um alfinete cair no chão a um quilômetro de distância. E foi com essa audição super-humana que João ficou sabendo das sete perguntas. Orelha correu para o castelo para fazer o desafio. Era só acertar sete perguntas que ele se tornaria o rei.
Quando João entrou na sala com os três sábios o primeiro olhou para ele com o rosto franzido e perguntou:
- Qual é seu nome jovem?
- João Orelha! – respondeu com entusiasmo. Já havia acertado a primeira!
- Você veio responder as perguntas?
- Sim! – era a segunda já! Estava indo bem!
- Então vamos começar...
- Mas eu já respondi duas perguntas!
- Mas não eram as perguntas do desafio! – gritou o segundo sábio.
- Mas eu não tinha como saber! – respondeu João furioso.
- Ta, ta ta... Vamos a primeira pergunta então. – conciliou o terceiro sábio.
- Nada disso! Eu respondi duas já! Vocês não são sábios coisa nenhuma! São malandros, isso sim! Querendo roubar minhas duas perguntas!
- Mas não eram as perguntas do teste! – gritou o segundo sábio irritado e continuou cochichando para o primeiro sábio: – Quem deixou ele entrar?
- O porteiro! – gritou João Orelha ao ouvir o cochicho e comemorou a terceira pergunta.
- Rapaz! Você é alguma espécie de idiota ou isso é brincadeira de alguém? – perguntou o primeiro sábio.
- Eu sou um anjo imbecil, senhor! Oba! Já acertei quatro, sou bom nisso!
- Como assim um anjo imbecil? – perguntou o terceiro intrigado.
- É que quando eu era pequeno minha mãe dizia que eu era um anjinho e meu pai, muito carinhoso, fazia questão de complementar dizendo: “um anjo imbecil”.
- Por que diabos vocês estão fazendo perguntas pra ele? É um imbecil. – vermelho gritava o segundo sábio.
- Porque eu estou fazendo o desafio! – exclamou João com um sorriso contando as perguntas no dedo: - Seis!
- Seis não senhor! Essa não foi para você! – corrigiu o segundo sábio.
- Então você admite que eu estou respondendo o teste!
- Não!
- Mas você disse que respondi cinco!
- Mas não eram as cinco do teste porra!
- Agora você me confundiu...
- E a mim também. – disse o terceiro sábio. – Essas perguntas valem como teste?
- Valem! – disse Orelha.
- Cala boca! – falaram os três sábios juntos.
- Vocês tão me enganando, nas minhas contas já respondi sete perguntas.
- Mas não eram as perguntas do teste! – tremendo de raiva, gritou o terceiro se contorcendo em sua cadeira.
- Calma, vamos fazer o seguinte. Vamos fazer uma pergunta que ele nunca vai conseguir responder, assim ele erra e vai embora e a gente esquece isso. – falou o primeiro.
- Mas eu já respondi sete perguntas! – João Orelha protestou.
- Seis! Uma delas não foi feita a você! – gritou o segundo sábio.
- Você ta se complicando... – comentou o terceiro sábio ao segundo.
- Vamos então à sétima pergunta! – impacientou-se o primeiro.
- Vamos! – gritou João e comemorou veementemente o acerto da sétima pergunta.
- Isso não foi uma pergunta João! – gritou o primeiro sábio.
- Me soou como uma pergunta! – reclamou Orelha.
- Mas foi uma exclamação!
- Vocês são tudo safado, já foi a oitava pergunta que respondi certo...
- Eu vou matar ele... – rosnou entre os dentes o segundo sábio.
- João! Vamos fazer assim... Se você responder essa última pergunta corretamente você vira rei então. – disse o terceiro sábio interrompendo uma pergunta reflexiva de confirmação.
- Eu já respondi oito...
- Eu vou arrancar dedo por dedo... – imaginava o segundo com um olhar sádico no rosto.
- A pergunta é: onde o oceano é mais profundo? – ignorando o comentário do segundo sábio perguntou o terceiro e após riu com o primeiro, pois nenhum homem poderia saber tal coisa.
- No fundo! – respondeu João Orelha de pronto quebrando a risada dos sábios.
Tecnicamente João estava certo, mas não era a resposta que os sábios queriam. João teria sido rei por responder sete perguntas, que até hoje ele critica dizendo que foram nove, mas o segundo sábio surtou após a última resposta de João e pulou em cima dele arrancando-lhe uma orelha a mordidas. Para salvar Orelha, dois guardas irromperam entre João e o segundo sábio levando esse diretamente para o calabouço. O alvoroço fez o rei cancelar o desafio por desconfiar da sanidade dos sábios e tirando a chance de João de subir no trono.
João Orelha é conhecido hoje como João Orelhão e ainda conta seus infortúnios com o desafio do rei e como poderia ser ele o rei. A maior mudança que ocorreu, dizem, que agora, quando João Orelhão corre, ele fica dando voltas em círculos.