A eleição perdida de "Nico Carabina"

A ELEIÇÃO PERDIDA DO MAJOR NICO CARABINA

Transitava por Jicatinga e arredores com o apelido de “Nico Carabina”. Era o major Nicola Lousada Castanheira e recebeu o apelido devido a uma Winchester 44, uma carabina "papo amarelo" que carregava atravessada no peito presa a uma correia com uma fivela dourada brilhando ao sol. Com ela impunha sua autoridade. O pessoal murchava na sua presença. Era um terror!

O major era o manda chuva de Jicatinga, o todo poderoso chefe político local. Recebeu o título de Major dado pelo Governador do Estado de olho nos seus votos. Nicola andava posudo, todo de preto, do chapéu às botinas, e com o apelido “Nico Carabina” não admitia confianças, nem sorria. Magro, desbarrigado, com bigode avassalador que descia como duas marquises em volta da boca, empunhava a arma por qualquer motivo e rosnava: - se me desrespeitar, mando bala! Andava sempre com ela engatilhada e na lapela a medalha de major com as armas da república.

A campanha política naquele ano estava no fim. O major prometera fazer uma grande festa no último dia, uma festa da qual todos se lembrassem em derredor de muitos anos. Contratou palhaços, circo de cavalinhos, fogos de artifício, jogos de prendas. Fincou no meio do terreno um pau de sebo, uma peça de jequitibá do brejo, encaroçado e lubrificado para ficar bem escorregadio. No alto balançava o retrato de seu candidato e uma nota de cinquenta mil réis.

Até que finalmente chegou o grande dia. Jicatinga foi acordada por uma alvorada de música executada pela Banda do Ocride, uma bandinha pobrinha, cada músico com uma roupa, chapéu de palha e alguns até com sandálias havaianas. Bandinha modesta que tocava meio desafinada mas tocava dobrados, músicas de carnaval de 1937, forró, samba e até algumas peças sacras. A bandinha consistia no Ranulfo coveiro no piston, Anacleto Tição no bumbo, Beracildo Camisolão no trombone de vara, Ozonézio Pachá no tarol, Manezinho sapateiro no baixo e o maestro Ocride empunhando uma clarineta com a boca rachada e uma vareta de bambu que servia de batuta para marcar o ritmo. Nicola matou oito garrotes e convidou a população da vila. Mandou Ourisvaldo fogueteiro preparar os fogos de artifício. Havia de tudo na festa: espanta coió, buscapé, foguetes de lágrimas, roda de cavalinhos para a criançada e um mágico tirando moedas das orelhas de meninos espantados.

A festança do major Nico Carabina corria a todo vapor. De repente, uma gritaria na barraca do churrasco onde inventaram um desafio para ver quem engolia o maior pedaço de carne sem mastigar. O anão Aritomé Fuinha entrou na disputa, engasgou com um mocotó robusto e começou a pular feito pipoca na panela. Começaram a dar murros e pontapés nas costas do coitado do Aritomé e nada de desengasgar o anãozinho. Acheropita Papazone, uma italiana gorda usou seu braço de arroba e desceu “de com força” no lombo do candidato a defunto. A viúva Pergentino Almada empunhou um enorme terço e rezava que nem uma metralhadora. Aritomé com olho esbugalhado já estava ficando azulado. Quando viram que ele ia “bater as botas” chamaram o Dr. Hiroshi Tanaka que gritou para seu auxiliar, o enfermeiro Mello: - Pendura o padecente de cabeça para baixo neste galho de mangueira e traga o desentupidor turbinado. Aparece o enfermeiro Mello, um negão deste tamanho, munido de um cacete roliço de braúna com uma extremidade dilatada. - Pode aplicar, falou Tanaka. O enfermeiro Mello não se fez de rogado. Deu uma paulada tão reforçada no eixo da coluna de Aritomé que o objeto engasgado saiu pela boca feito foguete e foi parar no prato do Major Nicola. Aí foi o dilúvio. Empunhando a carabina, o major ameaçava gritando: - hoje tem serviço para o pau de fogo!

Jaciro “pé de cana” mais “alto” que avião de carreira abriu o peito e desafiou o major: - Atira se é macho! Vamos, atira! Foi uma debandada. O povo gritava: cê é doido, sô? Nicola nunca que atirava, só ameaçava porque a carabina era de imitação! Depois disso, o povinho de Jicatinga perdeu o respeito pelo major, o major perdeu a fama de valente e a eleição.

Cassec
Enviado por Cassec em 01/10/2010
Código do texto: T2531899
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